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28 de janeiro de 2009

Amor ao inanimado


Por Carolina Fellet

Namorados já lhe haviam castigado o passado.
Cartas longas e telefonemas lhe confundiam os sentimentos.
Amizades duradouras e coleguismos frescos não lhe despertavam interesse.

Mas Tilê também não gostava de estar sozinha,
Porque, na rua, sentia-se muito vulnerável a observações e pensamentos involuntários dos outros.
E, em casa, acabava sendo vítima de fluxo de pensamentos indesejáveis.

Nos livros, conseguiu alterar o DNA das próprias consciências órfãs e aterrorizantes.
Do celular fez companhia inseparável.
Já que este não a deixava solitária, à mercê de olhos e sentidos versados no alheio.

27 de janeiro de 2009

Entre amigas


Por Carolina Fellet

Izaura está passando por um impasse.
Patrícia,com saudades desta.
Jaqueline é amiga das duas e aceitou-lhes o convite.

Às 20h na zona sul da cidade.

Iza: estilo “me produzo porque raramente saio para badalar.”
Pati: indumentária casual.
E Jaque, sob a condição perene de patricinha.

Pizza, gatinhos ou cerveja & tira-gosto?
Os três.

Mais recatada, Izaura engole pulos que lhe queriam saltar da boca.
Não conta às amigas dos problemas por que está passando,
Já que somente a Natureza – inviolável – é que os resolverá...
Também por possuir ojeriza a especulações.

Patrícia traz à mesa problemas já carecas,
Embora sempre cheios de vigor para viver mais e mais:
Crise com a mãe, pouco sexo com o namorado e falta de dinheiro.

Para completar o coquetel, Jaqueline – enrubescida num momento incipiente –
Fala de quantas vezes e como traiu o marido.
Depois, de sexo oral e, por fim, do quanto ama o parceiro e,
Da necessidade que é inerente a ela de trair.

Se não fossem teias de problemas,
Culturazinhas que seduzem na primeira tacada:
Mulher vestida conforme recomenda o gênero feminino,
Lançamento de fragrâncias importadas

etc.,
A vida seria muito mais besta.





24 de janeiro de 2009

Trilha sonora

Por Carolina Fellet


Ioga ao som de Enya.
Caminhada é com Beethoven.
Sexo regado a The Police.
Amor, Ana Carolina.

Para a frustração, Engenheiros do Hawaii.
“Desate o nó que te prendeu a uma pessoa que nunca te mereceu”.
Antídoto ao tédio, Ivete Sangalo.
Para transgredir, Alcione.

Pato Fu para chá de bebê.
Legião para paixões incipientes.
Paralamas do Sucesso para versões ao vivo.
Patrícia Marx, revival.

Tim Maia, encontro de casal.
Elton John para as núpcias.
Flávio Venturini para o casório.
Guilherme Arantes para homenagens românticas.

Bach, Chopin, Tchaikovsky e Vivaldi,
Para ficar sozinho em casa e deixar o som bem alto.
Latino contra a depressão.
Mc Marcinho para animar a faxina.
Marcelo D2 para lavar as louças.
Pitty como pano de fundo de uma leitura leve.
Djavan na sala de espera.

Lulu Santos dentro do carro.
Victor e Leo para um sarro.
Vanessa da Mata é uma diálise.
Amy é a catarse.
Sandy e Júnior, só com pipoca.





15 de janeiro de 2009

O biólogo e suas implicações

Por Carolina Fellet
Escolher ser biólogo é a conseqüência de uma característica que estava latente no DNA. Porque, por nascença, numa transgressão à natureza humana, que sente repugnância por animais que não sejam cachorrinho, gatinho, tartaruguinha, esse profissional sente-se impelido a ratos, sapos, insetos esquisitíssimos.
Genuinamente, portanto, os biólogos representam uma camada alternativa da sociedade.

8 de janeiro de 2009

Juntar as trouxas

Por Carolina Fellet
Nascem. Enclausuram-se em casa, na escola, na missa...
Fazem-se profissionalmente.
Encantam-se por alguém e se casam.

Se ninguém se agüenta,
E tem que se tapear praticando esportes,
Fazendo cursos,
Freqüentando lugares,
Para que se juntar a outro que não se agüenta?

Juntar as trouxas traz à tona a intimidade.
E esta implica um monte de coisa negativa:
Palavrão,
Falta de respeito,
Escatologia,
Sensação ilibada.

6 de janeiro de 2009

Troca-troca da juventude

Por Carolina Fellet

Gata nova na foto do Orkut.
E um império de sentimentos construído a fio
Desmoronado por um beijo em boca equivocada.

Já viajam juntos.
E ele usa dos mesmos predicados que a enalteciam,
Para cortejar a mais nova namorada.

Biquíni.
Corpos sarados e voluptuosos.
Brindando os sentidos e afetos.

Prometem mutuamente estender o DNA
Ao tempo que lhes for póstumo.
Depois,
A natureza das promessas se rende ao recalque da separação.


4 de janeiro de 2009

Saudade do futuro

Por Carolina Fellet

Pensei em articular muitos planos ao seu lado.
Mas você preferiu um carnaval rodeado de
Mulheres,
Extravagâncias alcoólicas
E drogas.

Sob um lençol cheirando Comfort,
Meia luz e coquetel de sentimentos indesejáveis,
Tenho uma saudade enorme do futuro.

O plano B está erodido por cupins.

Vou me produzir,
Tentar mudar essa aura,
Sair à noitada e impelir um homem – inédito e bem atraente.


Mas, de lá de dentro, várias vozes me entoam a morte dos sentidos
E a minha mais recente decadência.

Preciso agora de outra cultura.
Expressões diferentes,
Moda toda nova,
Outro conceito de beleza e feiúra.
Porque meu sangue foi todo sugado.
Que ele obedeça a novas ordens.

1 de janeiro de 2009

Acidente doméstico

Por Carolina Fellet
Um apaixonou-se por uma a partir de predicados inconsistentes desta: beleza, voz delicada, bons modos. Casaram-se, passaram a compartilhar da intimidade e descobriram que a união entre seres humanos é condenada no ato do nascimento, em que a mãe – involuntária e naturalmente – expele o ser que abrigara depois de, no máximo, nove meses.
As famílias, ainda que haja pequenas afinidades entre um e outro, são um acidente acobertado por uma casa.