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25 de dezembro de 2007

Ho ho ho ho


A família está em movimento sobre o asfalto pouco obstruído da estrada que fora privatizada há um tempinho, felizmente. Jane é a caçula, tem vinte e dois anos. Ela pega o espelhinho que lhe fica na bolsa para qualquer emergência e/ou desconfiança estética. Com o refletor, observa se há carros vindo ao encontro do veículo em que está. Não há. A estrada está vazia. Ela então põe a cabeça para o lado de fora. É sesacional ir de encontro ao vento e, principalmente, olhar as árvores pelas quais se passou há muito pouco tempo atrás, embora elas já sejam pretéritas. É Natal. O inconsciente é imensamente volúvel, porque contemporiza a números de calendário e sofre ou goza conforme o algarismo que fulgura. Fim de ano, as comoções e sentimentalismos rasos são maioria poderosa.
Jane lembra-se da época em que se esperava com avidez pelo parto; o parto de uma Letícia, de uma Nina, de uma Carolina qualquer. No dezembro incipiente a gestação se iniciava e no 25 do mês, à meia noite, o troca-troca de presentes a excedia. Era a felicidade de mãe, da realidade exímia das crianças que se tornam o que desejam de uma hora pra outra.

23 de dezembro de 2007

Ex-namorado


Por que a esperança dos amantes mora na Rua Idéia de que as coisas podem mudar?
Ele é um troglodita, mas depois que casarmos adotará o comportamento de gentleman.
Ele nunca me pagou um copo de água, mas depois que casarmos me dará de presente várias luas de mel na Europa.
Ele é muito eloqüente perante os discursos machistas que decora, um a um.
Ele sempre me faz esperar uma hora, uma hora e meia.
No altar, no entanto, chegará bem cedo.
Ele nunca me faz surpresas,
Embora já tenha preparado um soneto de Camões para recitar no baile do casório.
Ah, ilusão!

Desilusão, desilusão, desilusão.
Lá vem o compasso da desilusão!

12 de dezembro de 2007


VICTORHUGUETES & LOUISVUITTONETES


É como esbanjar um matrimônio de que não fazes parte. Rubricar um nome que não te pertence.

7 de dezembro de 2007

Ótica


Não há como prescindir do verbo rodriguiano. Não, não há mesmo.
De repente, Ana chega ao banco – após o expediente – a fim de sacar uma quantia irrelevante no caixa eletrônico. Ela está desenxabida, com uma tênue dor de cabeça. Saiu sem muita vaidade, totalmente livre de qualquer ranço de cabotinismo; ao contrário, nos últimos dias tem se sentido feia à beça, além de estúpida e repugnante.
Antes que se atentasse a qualquer seta do Inconsciente, o par de olhos a conduziu ao rapaz mais belo (beleza é algo que não existe, embora erice um agrado aos sentidos) que estava à fila.
Como um chá, a linfa feminina simulou volúpias e egos presunçosos.
Depois, pudica, voltou ao amor monogâmico.
Haja tecnologia cerebral para desenraizar o não-civilizado, este cadáver que nos fede por dentro.

6 de dezembro de 2007

Justiça Divina


Estupefata.
A mulher, que sempre pensou extravagâncias e ousou filosofar com a própria autoria, está estupefata. As pessoas insistem em enraizar-se. E isso lhe traz neuroses.
A vida é desembasada. É órfã. O sentido supremo é a Ignorância e, no entanto, o esquema é Rei.
Buáááááááááááá.
Babá.
Creche.
Pré.
A, e, i, o, u.
2+2.
O Brasil é um país com dimensões continentais.
My boyfriend is handsome.
Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Ana C.
Vestibular. O que você vai ser?
Antes não se era. De que lhe valiam as moléculas? E a metafísica? Seu dente banguelo? O espectro do beijo? A espontaneidade do pênis? A cópula? O prenúncio do clímax?
Ele é engenheiro de produção.
Poética a profissão. Porque contribui para a gênese do Mundo. Das coisas inanimadas. Determina o diâmetro do frasco em que a pasta de dente se asila...
É-se um ínterim de engenheiro de produção.
Depois se cansa. E acaba por se separar da mulher. Arruma alguns casinhos extra-conjugais. As olheiras aumentam e as manias, em mesma proporção.
Nunca foi. Nunca viveu. Enclausurou-se. Asfixiou-se. Agora agoniza... agoniza anos, à espera da Justiça Divina, de que se é integralmente cego.

3 de dezembro de 2007

Doutô


Saíra de uma cidade mineira embaçada pelas civilizações mais possantes da região para consultar com o doutô. Quem lhe atendeu, no entanto, foi uma doutora. Bonita à beça, todavia, sem o menor traquejo e magra de psicologia.
Mariinha hesitava inclusive perante uma cadeira esculachada, típica das instalações dos serviços públicos brasileiros. Constrangeu-se toda, acomodou-se com as sacolas com que chegara ali e ocupou o menor espaço possível. As extremidades do corpo estavam geladas. Ai, meu Deus, quando me chamarem, o que é que eu vou falar? Mariinha estava diante da situação porque o patrão – dono da fazenda onde ela trabalha e mora – preocupou-se com a saúde da empregada, devido a um desmaio súbito que a acometera.
Com uma goma na boca, uma calça branca demasiado justa e uma blusa branca tomara que cara e um sapato branco com salto em madeira e altitude não-investigável: quem é Maria Arminda Guilherme? Está na sua vez. Antes que se pusesse à cadeira do consultório, a médica: qual que é o seu problema? Àquele instante, indubitavelmente, seria a pressão, elevadíssima, afinal, o nervosismo imperava a senhorinha. Tropeçando no vocabulário – com o qual não tinha muita intimidade – Mariinha disse à doutora:
O Celso ficô afRito quando soube dos meu desmaio.
A médica:
P
eraí, minha senhora, quem é Celso? Por que motivo a senhora desmaiou? Queda de pressão? Emoção? Susto? Eu não sou adivinha, sou profissional da saúde.
Sobrancelha voluntariamente empinada... Fragrância de soberba.
Mariinha:
O patrão lá da fazenda onde eu trabaio ficô sabendo dos meus desmaio. Eu não sei os motivo dos desmaio. Ele falô preu procurá um hospital.
A profissional da saúde usou como instrumento de investigação da condição física da mulher os adventos – já destruídos por maus tratos – da Tecnologia.
Que estúpida atitude a dos médicos em regra, que monossilábicos que são, recorrem a aparelhos inventados pela mesquinhez intelectual a que o Homem está submetido. Uma boa prosa pode detectar as panes no organismo humano.
Operou com cabotinismo as máquinas medidoras de saúde e nada diagnosticou em dona Mariinha.
A senhora está dispensada.
A situação por que passara alterou a química da doninha. Algum trabalho metafísico a tragou e ela não mais voltou à fazenda.



O movimento da Caveira


A irmã mais velha implicava com o namorado da irmã mais nova. Fazia-lhe a caveira do rapaz. De repente, longe de a relação se oficializar e de se estabelecer vitalícia conforme os impérios da cultura neo-moderna, o garoto morre em decorrência de uma apnéia.
No momento incipiente que sucedeu o enterro, a viuvinha referiu-se à irmã:
- A caveira que você prognosticava entusiasmada todos os dias, a carne que – malgrado ereta – nunca lhe valeu e nem viveu, é seu desejo póstumo e a mais nova encarnação. Está feliz? BOA NOITE!
Pranto.
Desejo de “deXistir”.
Os motivos dos instintos mais repugnantes se deleitam com o cadáver – rodovia de ratos e baratas e tatus e outras materializações horrendas.
Pranto………
Noventa anos se passaram.
A decomposição culminou em uma haste, uma serena haste de uma tulipa nascida em Ancara, na Turquia – região originária dessa espécie de planta.

28 de novembro de 2007



O metabolismo do Cosmo


Pneu.
Indumentária.
Até uma arcada dentária,
Para um odontolegista avaliar.

As irmãs voltavam do Rio a Juiz de Fora –
Na Zona da Mata Mineira.
Uma, absorta diante da seqüência de músicas de uma FM;
A outra, perscrutando o que a ladeava...
Desde os cacoetes dos outros passageiros do ônibus,
A mil hipóteses aos destinos deles,
A tudo que habitava as águas da saída da cidade maravilhosa.

Tudo está encarnado.
E em movimento de decomposição.
De quem acaba de nascer, ainda que cresça,
E que tenha idades bem sucedidas,
É tirada uma lasquinha todo dia.

O orgânico esvaiu-se a meu sentido,
Mas as vestes se delongam perante o processo do fim.
A traiçoeira forma viva sucumbe,
E as nossas alquimias duvidosas
E as nossas empreitadas entregues ao provável nos superam.

Os sentimentos, ah! os sentimentos.
Cismam cada um ter o seu,
Sob as modas que lhes convêm.
Mas as expressões são uníssonas,
O Homem são cachos idênticos por dentro.

Atenção, passageiros,
Estamos a cinco minutos da rodoviária de Juiz de
Fora.

Nike Shox


Perdão a todos os portadores da doença do consumo, da qual se terá mais conhecimento daqui a um bom tempo, quando as enciclopédias registrarão - com propriedade para fazê-lo – as conseqüências mais mórbidas dessa mazela, mas não posso deixar de comentar, ainda que eu não tenha know how em patologias, o mais novo lançamento da Nike.
NIKE SHOX é o batismo do par de tênis, cujo design me alude a tudo que transcende o Cosmo. Como se não bastasse a estampa do calçado, existe um advento em sua sola: dois, três ou até oito ou até enésimos pares de molas que – a princípio – garantem o amortecimento às caminhadas.
Eis que estava ao calçadão de Juiz de Fora, cidadezinha famosa pelo bumbum da Scheila Carvalho – filha de uma senhorinha muito simpática que vende churros em eventos; dançarina de uma antiga banda de axé e casada com um não importa, o que interessa é que, na cerimônia de casamento, ela - a Scheila - apareceu sobre um grande tabuleiro, como uma cocada preta fresca ou um pão-de-ló esturricado, mantido à força de quatro seres brutos, ou quatro seres humanos com bíceps, tríceps... E famosa também pelo alto índice de suicídio, haja vista os tantos predicados da querida jota éfe.
Recapitulando... O calçadão
Um moreno de um metro e oitenta e três, cabelos negros e grossos, cútis impecável e layout regozijável: tórax muito bem esparramado, pernas tonificadas etc e tal portava um par do Nike Shox, o que lhe garantia mais uns cinco centímetros e, indubitavelmente, muito conforto e exuberância também.
Sabrina hesitou um pouco. Todavia, encorajada pelas próprias circunstâncias por que já passara, aproximou-se do moreno (que provavelmente atende pelo nome de Mauro, não há batismo mais másculo!) e lhe perguntou, com seriedade postiça:
- Quando é que você irá saltar? Afinal, qual seria a proposta de se pisar sobre uma mola, senão a de pegar impulso e ir a uma distância vertical?

23 de novembro de 2007

Menino Moderno


Ao telefone:
Pô, cara, não acredito que tu não conseguiu levar a mulé pra sua casa.
Va-ci-loooou, velho.

A poucos segundos do bate-papo,
a mãe do que se lamentava do lado de cá do celular veio buscá-lo.

O garoto entrou no carro, sentou-se, sequer se dirigiu à mãe,
Pousou os olhos numa menina bem magrinha,
Cuja cútis lhe pareceu singular e
Cujos seios durinhos extravasavam o tecido da blusa.
A mocinha parecia esperar por alguma carona
E lhe serviria de estímulos noturnos, virtuais e voluptuosos.

Os valores de Arnaldo – o tal rapaz – jamais cogitaram arriscar-se
Nas culturas de sentimentos - que não os postiços -
Que o incumbiam, falsamente, de Vinicius de Moraes,
E que o faziam sentir amante perfeito, que ama muito

E muitas.

Prateleira de frascos vazios.
Os jovens todos sucumbem às bússolas mais primárias da condição humana:
Cardápios, corpos, corpos, corpos, cardápios e mímica das projeções mais contemporâneas da sociedade
.

18 de novembro de 2007

Seu Salvador

Nestes últimos dias, sem prévias radiografias que acusassem o crescimento do desequilíbrio, a brisa que embaça e que nos é inerente, que não nos deixa enxergar a própria situação se excedeu. Perdi-me de vista, perdi meus sentidos, meus desejos... a gravidade tornou-se um redemoinho de itens de uma lista repugnante.
De-ses-pe-ro.
O meu amor não mais me vale de entorpecente. As leituras voluptuosas não prestam.
Todavia, em uma comunicação que transgride territórios e relógios, reconheci-me em outro. Permiti-me tarjas-pretas e outros venenos antimonotonia. Não consigo ser crua... Talvez se fosse encarnada como um rochedo, quem sabe?
Obrigada, Seu Salvador.

17 de novembro de 2007

Leão

Na relação deles ainda não havia penetração.
Línguas, atividades artesanais, deslizes com a palma das mãos sobre a cútis.
Ainda não havia penetração na relação dos dois.
De um lado, muita inteligência. Inteligência é chique, é vital, é sadio, é medalha, é prática de ioga, é apetite, é lascívia pura.
Do outro lado, leão, que come viva a outra carne e depois se aquieta, com vazies
, sem ecos, sem patrimônio após tantos esforços. E o consumismo desenfreado de comprar vinte e sete peças de roupas na mesma data e estendê-las como a natureza morta sobre a cama. Depois, ir tomar um banho, pôr a mesa, avisar da hora da refeição, assistir ao telejornal, implicar porque não se consegue silenciar e viver o nada. Morrer, morrer um pouco por dentro, uma vez que é assim a fatalidade.

16 de novembro de 2007


O quantum começou.
Assim, a morte já está bem viva, à espreita.
Nos quintais, nos céus, na apneia, no dedo prestes ao tiro...
Ao tiro suicida.

Ah! Como a morte está bem viva.
E como ela é a grande natureza heterogênea
.

9 de novembro de 2007

Marcha Nupcial

Casamento?
Eu tô fora. Domesticar gente grande demanda uma árdua dedicação.
E o choque de culturas?

Ele adora falar ao telefone, justamente na hora do programa mais bem bolado do GNT. A casa é pequena à beça.
Ele e a família têm o hábito de chegar de e ir a sem avisar.

Na primeira vez em que, involuntariamente, participei desse conchavo anti-etiqueta, Arnaldo – o ex e único-ex (espero não ensandecer novamente!) – acordou e me disse: benzinho,vou te levar a um lugar de que irá gostar bastante. Como quem confia na retórica de um político em audiência pública, lembro-me – até me eriçam os sentidos – de ter ficado demasiadamente empolgada; para onde ele está me levando?para um lugar farto de natureza... A essa hora e pelo que eu acho que ele sabe de mim: para um lugar descampado, só pode.
Algum asfalto pretérito. Algumas vegetações quase inexistentes, haja vista os olhos que a deixaram escapar e tal. Algum gado solitário. Alguns episódios exclusivos ao casal. Enfim, o marido foi acomodando o carro próximo a uma vila. Desceram do carro... ele abriu a portinhola do povoado... andou a distância de três fachadas de casa e bateu campainha. À mesa, primos já proliferados em outras gerações. Um almoço lhes esperava. Gisele, a recém casada, constrangeu-se toda, ofereceu os préstimos à anfitriã e foi tragada por uma catarse. Esta situação não tem nada a ver comigo, detesto encontros invasivos como este, essa senhora deve ter acordado cedíssimo para preparar a comida, eu sequer a conhecia e estou na casa dela, gozando do labor dela, isso não é justo. Uma parte do Inconsciente tentava dissuadi-la. Pretensão vã.
A libido já não vinha com tanta naturalidade. As palavras morriam quando pisavam a superfície da língua. Os agrados correspondiam a gestos altruístas, mas não deu para estender o ato postiço. Comunhão parcial de bens.

17 de outubro de 2007

Anjo


Tantos já a batizaram de anjo. Provavelmente pelo jeito cortês com que ela trata as pessoas. Ela é, sim, um anjo. Um anjo desalado, com os pés enraizados nos prazeres terráqueos.

8 de outubro de 2007

Prefácio: “prático – dizer do velho e vitalício amor”


I
FIM DE ROMACE

Para a parte passional, o fim de romance representa uma mumificação. O corpo do outro fica estendido, a transitar pelos centros urbanos, correndo o risco do fatal tropeço com o amor antigo. À mercê do campo mental e, no entanto, no alcance dos sentimentos, torna-se utópico.



II
NOVO AMOR

Doença de amor só cura com outro
Sair daquele costume e estar à frente de uma nova cultura – sozinho e fértil de expectativas – demanda transgredir os próprios preconceitos, ousar e captar e até adorar uma nova dicção e condicionar-se – como um iogue que sempre contemporiza a qualquer espaço – ao novo corpo, até poder afirmar, com uma duvidosa segurança, “eu amo”.

6 de outubro de 2007

Terapia de Casais


Módulo 1
Uma abstinência pensada é sempre salutar;
Ela deixa saudade, saudade biônica...
E esta revigora as células mortas.

2 de outubro de 2007


Incesto


Toda relação é incestuosa.

Haja vista a forma como todo o Cosmo é encarnado: sob o mesmo mistério, pai do Mundo.

30 de setembro de 2007

Obediência

Decidiu aposentar a cerimônia de mostrar as próprias verdades aos outros. Colocava várias de suas naturezas em uma redoma.
Isso, antes.
...
O motivo que propulsou a mudança: sou um experimento, deixe, portanto, as químicas me fluírem como manda a minha proprietária desconhecida. Mudou por obediência.

29 de setembro de 2007

Blitz psicológica


Xampu.
Vinha-lhe à cabeça o liquido semi-livre, cumprindo os itinerários que lhe surgiam. Entretanto, os frascos ortodoxos inibem a quase-liberdade da química dos xampus.
São nossas linfas enclausuradas nos nossos corpos.
Parte do conjunto de inumanos emana do humano.

27 de setembro de 2007

O professor Humbert Humbert


Os bastidores da EXISTÊNCIA materializaram-no numa realidade de poderes econômico, social, estético, intelectual e outros tantos tão ovacionados pelas pessoas. “Desfrute”! Assim o inconsciente lhe sugere existir.
Rogério, advogado e professor de alguma temática que tenha a ver com “jurisdição” (na metáfora de dizer justiça) obedece às baforadas da psiquê, não por disciplina, devoção, mas pelo bel prazer. Usa, portanto, de toda munição de que dispõe para inoculá-la em suas alunas fartas – pela própria idade – de volúpia e de encantamento com homens de boa retórica e de boa apresentação e de riqueza financeira.
Ele conta dos seus bens de uma forma que não eriça inveja nem antipatia aos espectadores que lhe dividem o ambiente, mas tudo que lhe emana é minuciosamente estudado; visa a um efeito sutil e fatal de conquista. “Deleite”.
Advogado. Rico. Poderia dividir a vida com a ociosidade agendada com viagens, estudos, descansos, festas, mas prefere as instituições de ensino: nestas, há carne nova, bustos enrijecidos, cútis impecável, nádegas redondas e consistentes e vulnerabilidade das fêmeas. “Eu quero gozar”... Assim ele disse a uma de suas mais recentes presas.

18 de setembro de 2007

Bossa Nova


O espectro da angústia de se iniciar nos pertencimentos às máximas da Humanidade o acompanhava nas viagens ao Rio de Janeiro. Ia à cidade maravilhosa respaldado pelo conforto de um carro contemporâneo aos lançamentos da indústria automobilística, pelo carinho do motorista vitalício da família e por um repertório imensurável e magnífico de Bossa Nova.
De nascença, Felício angustiava-se. Tudo que lhe ameaçava a natureza intrínseca o prostrava. Ir ao dentista e acompanhar os dias algarismados implicavam a domesticação daquele ser extenso, infindável, transcendente. Infelicidade. Os ricos inventam compromissos mil para se entrosarem com o inatingível tempo. E este lhes vira a face.
Felício superou algumas dicções da angústia; esta, no entanto, sempre o acompanha com diferentes cortes de cabelo, diferentes indumentárias, diferentes maquiagens, diferentes comportamentos postiços. Os percursos melancólicos de Minas ao Rio se esvaíram ou sofreram mutações que hoje equivalem a bobeirinhas de mente desconfortavelmente infantil. O sofrimento careca lhe trouxe resistência para caminhar de encontro ao tempo, às pessoas com suas atitudes inerentes.
A gazeta das idiossincrasias o questiona do amor – ele de fato é amado, ele de fato emana amor; da importância dele perante o Cosmo – será ele mais um mísero experimento de Deus, que não dará certo, haja vista a morte, e que não reverberará em memórias futuras? Felício é um jornalismo investigativo sem respostas. Apenas ecos, ecos e ecos.

8 de setembro de 2007

Vã Filosofia


Após um extenso e cansativo monólogo didático sobre como acontece a gestação nos mamíferos, Neide, professora de Biologia, aponta a um aluno da classe: Waltinho, com base na aula de hoje, você poderia me dizer quando é que um ser humano está pronto para nascer? Enciclopédico, com a memória seletiva condicionada aos parâmetros mais rígidos para ser um intelectual bem sucedido, fez uma perífrase irretocável ao processo ensinado pela mestra. Outras argüições foram feitas; respostas inconsistentes, respostas eloqüentes e uma argumentação memorável.
Tânia, que fora criada à base da liberdade para desenvolver as próprias inteligências, pediu à professora que repetisse a pergunta. Neide, educadamente, cumpriu o pedido. A garota posicionou a voz e concatenou, como num ensaio, as idéias que iria manifestar. Olha, de acordo com meu acervo de informação e percepção, creio que um ser humano está pronto para nascer quando ele se reconhece um ignorante de si mesmo, e mais, um ignorante do Mundo. Enquanto a gente se satisfizer com as cartas que as Ciências nos dão, indubitavelmente, a gente vai deixar de evoluir; a gente vai continuar lustrando as sabedorias raquíticas que compõem os adventos criados pelo Homem. Professora, tenho enorme respeito pela sua profissão, de verdade, mas o homem se mantém como espectador dos movimentos estéticos da vida. Tudo que nos chega pertence ao estopim das manifestações da Vida, e a gente desenvolve uma retórica (acho que a gente já nasce com ela), na qual nós falamos e nós mesmos ouvimos e entramos em um processo de concordância extremamente prático. E, no fim, ótimas noites de sono. Mente leve.
A turma estava entediada. A professora não conseguiu acompanhar a transgressão daquele discurso. O calendário continuou o mesmo. Os céus não se destoaram dos céus mais velhos. Algumas pessoas morreram, mas ninguém deixou de atingir orgasmos por isso. A vida vai se banalizando... Por isso, tantas filosofias vãs.

7 de setembro de 2007

O destino dos Destinos Incertos


Através de uma fórmula desenvolvida por estudiosos da USP, calcula-se, antes dos embarques aéreos, a provável indenização que a empresa teria de pagar aos familiares das vítimas.
A atendente:
- Senhor, infelizmente, não podemos deixá-lo embarcar. O senhor representa uma ameaça ao patrimônio do empreendimento da Vôo Mecânico®.

6 de setembro de 2007

Cargo Vitalício: Rascunho

CLIQUE
As faces destas próximas verdades estão prontas para um espetáculo artístico. Bailarinas simetricamente maquiadas. Verdades tapeadas pelas parafernálias do civilizado. Eu o chamo para lhe dizer verdades, mas a linguagem não reverbera como o som não domesticado de antes. Acabo lhe contando o que meu senso fajuto de perfeição me assopra. Nenhuma Ciência possui técnica de extração de verdade, da verdade de idiossincrasias. Por isso, nossa relação acabou; por uma devoção às mentiras.

30 de agosto de 2007

À base de Caio Fernando Abreu

Já não se atreve ir a livrarias. Porque o diálogo com a balconista é presumidamente anti-poético. Senhora, esta obra por que procura só chega daqui a mais ou menos quinze dias, desde que a senhora faça-nos a encomenda e deixe-nos um sinal, em dinheiro, de, no mínimo, vinte por cento do valor integral do livro.
Uma vez que nunca houve problema em contemporizar, Nilza logo se entusiasmou em comprar mercadorias, inclusive livros, pelos comércios virtuais. No início, recorria a computadores de filhos de amigas, mas não tardou a adquirir a própria mente futurista e aprender como lidar com ela. Em menos de quatro meses, já tinha bastante intimidade com o advento.
O momento de vanguarda que lhe assolava a vida àquele instante fê-la repensar a Literatura com que se habituara: clássicos. De si a si: é preciso transgredir, Nilzinha. Sua solidão, sua solteirice estão cansadas da companhia do Português formal das obras consagradas, ilustres. Aproveite que a hora é de inovação e escolha um livro que condiga com esse momento. Será uma parceria, um traquejo e uma impressão novos. Invista! Não hesitou.
Sob a habilidade das caravelas pós-modernas, rapidamente estabeleceu o download da biografia de um tal Caio Fernando Abreu. Encharcada de uma experiência careca de Poesia, sentiu que o rapaz delatava o mal que punge a condição humana desde sua inauguração. Ah! A Poética vem com o mesmo discurso sempre, mas com dicções singulares. Como eu gosto de enxergar a diferença das dicções.
Chega-lhe o livro, à porta de casa. Os passos idosos, embora espertos. O carteiro sigilosamente impaciente, embora dócil, postiçamente dócil. Altruísmo artificial, mas altruísmo. Nilza dá-lhe uma gorjeta (atitude démodé). O altruísmo é promovido à naturalidade. As outras encomendas são trazidas por ele.
Há todo um ritual pré-leitura. Copo de água ladeando uma luminária excessivamente destra, telefone fora do gancho, reclusão, ajuste na cadeira giratória, para que a coluna não se manifeste em plena viagem intelectual. A senhorinha perscruta a capa do livro com a lupa inerente à mente dela: ao título, desenvolve um estudo que rende páginas de um caderno destinado às próprias transcendências; o desenho... sente-se útil ao vê-lo.
Muito o que pensar. Pouco antes de sucumbir ao sono: quem passa por essa peregrinação da vida deixa um acervo de impressão. É tanta impressão sem consistência, sem saber se é mentira ou verdade. Fico tão impressionada...

24 de agosto de 2007

FASHION DAYS

Entre os dias 30 de setembro e 5 de outubro acontece o Fashion Days em Juiz de Fora. O próprio batismo do evennto é um indicador de vanguarda - Fashion Days - Por que não Dias de Moda? Porque o Português não tem acompanhado a demanda de praticidade do Universo Pós - Moderno. Colonização inglesa já! O velho Portuga anda cansado.
Bastidores, maquiagens, roupas, apetrechos, passarelas, DJ, iluminação, moças magérrimas, sem nenhuma massa extraordinária, e rapazes latinamente estereotipados, com tórax nu e cru?! NÃO! Com tórax nu, sim, mas preparado e temperado por academias de ginástica. Gente bonita e apreciável à mostra.
Movimento estético. Os talhes das roupas inquietam os sentidos dos espectadores dos desfiles. Há quem aposte nos lançamentos: eles irão virar tendência; e os mais reacionários: isso só é usado nesses eventos de moda, nenhuma criatura sairia com esses trajes à rua.
As grifes da cidade tiram suas roupas do anonimato. A indústria cervejeira garante a adrenalina - ainda que postiça - dos convivas. Os flanelinhas vivem dias de Tio Patinhas e os táxis se reúnem e dão efeito de um bando de pássaros que desenham o céu.
A mídia local se abstém da agenda e do comprometimento tradicionais e foca as luzes nesse acontecimento de que, no mínimo, a sociedade juizforana inteira fica sabendo.

16 de agosto de 2007

Ser humano: uma mediação

Não dá para precisar se a vida contemporânea imita as gerações passadas com suas manifestações inerentes, ou se estas é que fazem mímica da essência da condição humana. Caso topássemos ir até o fim da discussão, chegaríamos a uma dúvida-denominador-comum: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
A vida surge com suas vanguardas aos corpinhos onde se hospeda. De repente, Luzia descobre a libido; Moisés apaixona-se; Swelen, aos dez anos, perde a mãe e fica órfã. E a vida vai mostrando suas arcadas, vai mostrando suas vanguardas. Como as salas de aula a novas safras de alunos. Como descobrir o alfabeto, a leitura e se inserir, e inserir os sentidos todos juntos na Cultura. Mas a vida é velha. O meu representante incipiente nessa Terra já vivia o que me é novidade.
Esse estopim a que temos contato é uma mediação a uma natureza heterogênea, rica e sem rosto. A vida e sua sombra... Esta sozinha não deve se reconhecer. Ignorância mútua e eterna?

5 de agosto de 2007

solidão aos cachos

Tantos objetozinhos humanos se delongam na devoção ao amor, ao amor que preenche, que acrescenta, que afasta das maldições inerentes ao universo elaborado pela humanidade, e que nunca cessa respeitar-lhe.
Caso se pensasse, com um pouco mais da serenidade típica do carinho, no valor do amor, muita gente optaria pela solidão a um. Ter de haver devoção a algo, é porque este demanda um empenho unilateral imensurável. Ser devoto das expectativas do amor é um cargo-casta.
O amor é transferir ao outro a própria solidão. É ser generoso com a solidão. Solidão a dois. Antes, as solidões diziam respeito aos problemas intrínsecos do indivíduo; quando este deseja estender sua intempérie a outrem, a solidão caminha com dois pares de pernas, a solidão abstém-se da origem da unicidade e parte de uma fonte dua: solidão a dois.
Acontece também a solidão aos cachos.
Imaculada está quieta, frustrada com a vida, depressiva à beça... Decidi reunir um grupo de afins para fazer uma reunião com música, iguarias e bebidas. O ouvido dela abocanha instantaneamente uma solidão em cacho. O que ela leva ao cômodo da memória que não finda as sínteses de sentimentos e sensações são as solidões das bananas. Tudo é solidão... Ainda que bons sentimentos emanem dos tempos de casais, é a partir da solidão que se reconhece o bem-estar.
Há quem prefira solidão aos cachos,,, Quem se sobrecarregue com o quase-intransponível de cada pessoa.

3 de agosto de 2007

Pen Drive

Já não se tem espaço.
O homem é acostumado a agir sob pressão;
Numa precaução, inventa cérebros biônicos com dimensão de formiguinha.

Um objeto inanimado quebra o galho...
Lustra minha memória,
Em vez de gastá-la.

A tecnologia é um capricho dos homens.

2 de agosto de 2007

Anna Sharp é sensacional

É da rejeição que o bebê vem à luz.
E eu ouso emendar...
É do anonimato de nossas idéias que acontece a gênese do Mundo.

27 de julho de 2007

Solução provisória para a fome

A obesidade mata mais que a fome.
Eu faria uma errata: a obesidade mata a fome, garante energia às 89567958 futuras safras de gentes na África. Quanta fartura! Não posso ver uma Dona Gorda.

25 de julho de 2007

Lhes

Num dos cômodos, todos dormiam. Dormiram mil dias... Levantaram-se num súbito, sob as vanguardas das tecnologias. Estas lhes entraram através de uma seringa, e lhes penetraram os sonhos e as expectativas.

20 de julho de 2007

Feira à mostra

Mais uma vez, o enredo permeia a carência que faz sombra no anonimato.
Uma mulher, faixa etária que transcende os vinte e poucos, um metro e setenta e cinco às custas de um salto de uns dez centímetros, cabelos negros e longos, castigados por uma química dessas ultra-práticas e pós-modernas, seios quase transbordantes, calça jeans bem justa, pouca maquiagem, muita exibição.
Quando meu tino vivia enfurnado nos parâmetros genéricos, eu sequer dava cartas próprias a esse tipo de aparição: assistia a uma mulher trajada com panos de dimensões irrelevantes e, num gesto de concordância às culturazinhas, julgava-a volúvel às predileções machistas e, conseqüentemente, um ser respeitável pelos cordões que têm como pingente os falos. Estes se acendem quando se topam com feiras à mostra.
Fiquei por uns quarenta minutos no mesmo antro da mulher-impulso desta história. Observei-a com devoção a meus instintos, a minhas culturas mecânico-naturais. No cômodo das minhas precipitações, surgiu-me: que magnetismo envolve uma psique a ponto de ela extrapolar sua carência através de um corpo praticamente despido? Carne de açougue não-taxada. Vaidade ordinária. Esse discurso veio-me junto à gramática da piedade... E esta só me vem perante catástrofes alheias. A piedade é minha maior pequenez.
Não me veio uma didática que satisfizesse minhas expectativa sobre o porquê de tantos comportamentos banalizados, embora encharcados de idiossincrasias.

O prazo da unicidade

Abundância da unidade humana.
Daqui a uns tempos, devoto do pacote-praticidade, o Cosmo irá sintetizar o homem aos cachos. Vantagem aos passionais, que recorrem a amigos postiçamente piegas para ir à padaria.
Muita gente; muita gente mesmo. Filas que esperam por profissionais de saúde, por extravasadas na porta das discotecas, filas de banco, de ônibus, etc. Coincidência: todos à mercê do anonimato. Alguns, resignados por nascença, não se incomodam com a condição; outros, todavia, querem a notoriedade, esta “-cida” de todas as carências. Crença.
Há uma cantorinha cheia de atitudes postiças que entrou pro cenário do roque nacional há pouco. Fico atônita, com os sentidos desalinhados, nas vezes em que ela se pronuncia nas mídias e faz questão de enobrecer as maiores banalidades; será que ela quer criar um selo de ouro a todas as obviedades mais maltrapilhas que existem? Será que ela quer outorgar importância ao desimportante? Será que ela foi acometida pela síndrome da onipotência?
Todos queremos tomar frente de vanguardas, todos queremos poder patentear qualquer mísera coisa. Talvez isso seja o estopim de um sentimento inaugurado pela vigília mecanizada pelos meios de comunicação. Num diálogo entre duas pessoas, elas trocam as impressões através de uma oratória impecável, como se estivessem sendo perscrutadas por uma quantidade imensurável de pessoas, ainda individuais.

18 de julho de 2007

Acidente de avião

17 de julho de 2007: Acidente com avião da TAM nas imediações do aeroporto de Congonhas.

Aos que restam, à mercê do Cosmo, não há invenções humanas ou imposições do Fado a que recorrer. Um sentimento genérico ressurge o nazi – fascismo: calemo-nos e fiquemos involuntariamente à espreita da perplexidade – flor danosa, fatalmente inevitável.
São cento e setenta e seis assentos. Desespero unânime, como dá conta de tanta gente? Pânico didático, bem explicadinho, ao encontro da provável última manifestação da fatalidade.
Contemporizar à dinâmica do fim aciona o instinto de sobrevivência, e este em dimensões deturpadas, com filosofias trágico – instantâneas niilistas. Não é hora de poetar; não é hora de filtrar o sentimento conforme os funis da razão, mas como a mídia está dormindo, como a proximidade com as minhas intempéries íntimas é bem mais nítida, tem-se o talento, ou a frieza de metaforizar o contexto.
Ainda há vias para se fazer uma conclusão opinativa:
As tragédias entoam uma mensagem audível a todas as repartições dos nossos preconceitos, das nossas pequenezes, da unicidade do nosso sadismo. A tragédia ameniza nosso estresse com o tosco, faz a gente amar os insípidos com mais altruísmo... A tragédia é uma escola que divulga valores divinos; a tragédia é a igreja na prática.

16 de julho de 2007

Bênção Metafísica
Há muito, neste tempo extenso, mas numa encarnação diminuta, já cogitava minha afinidade pelo inanimado, já que este contemporiza àquilo que a gente lhe atribui. Amor mútuo, fidelidade, monogamia.
Cismo ser algumas mímicas das culturas que são enobrecidas como atributos divinos: você deve relacionar-se, beijar, encher-se de sensações voluptuosas, etc. Sofrer uma melancolia dúbia? Para quê? Prefiro a melancolia solitária da nascença.
A moda vitalícia que me fica à espreita é a nostalgia; e pouco me adianta uma doutrina, cuja pretensão-mor é a do resgate e a do conforto. Fulgura a depressão.
As mãos clandestinas do Cosmo, por mais que me ponham diante de espetaculares e desenvoltas manifestações do civilizado, ou então perante a ratificação das divindades, desembocam no raquitismo das minhas possibilidades enquanto gente.
A vida é uma penitência que, por vezes, surge altruísta com uma nesga de claridade. Minutos de bênção...
NAMORAR
Para muitos, para os falantes mancos da Língua Portuguesa, namorar demanda preposição. Erro de gramática, acerto sentimental. Tudo bem! O que importa é o coração.
A alguns, no entanto, por mais que a intimidade com o Português já lhes rendeu inúmeros orgasmos, o namoro exige complemento. Fulaninho namora CONTRA sicraninho. Porque é tanta rixa, é tudo tão chulo. Fico horrorizada com o comportamento dos humanos unidos. É inumano.
E banal, vazio como este texto.

12 de julho de 2007

Pequeno ensaio desembasado sobre o Amor
O amor é transgressor; não há leis que o regem e, portanto, as psiques do diálogo amoroso ficam dando destinos – labirintos ao sentimento discursado por Camões e cantado por artistas que se prezam. Novelo entre tino e inconsciência, desatino consciente.
Ama, quem é hospedeiro de uma depressão perene, embora, num privilégio casual, contemporiza a momentozinhos banais, arriscados de felicidades. Ama, quem rompe os pudores e os semáforos comportamentais, e permite-se desvirginar; ama, quem vive de extremos, mas no momento do amor pende a somente um lado.
O amor é a covardia de querer abdicar-se de tudo; é o zelo de ser exímio por vaidade; é uma identidade que se preocupa duplamente. O amor abrange a caverna intrínseca de cada um e lhe mostra um acervo vastíssimo de naturezas inerentes à condição humana. O amor é a penitência mais sofrida da humanidade.

6 de julho de 2007

Insipidez

Sobressai esta desintimidade entre o mundo de artifícios que fazem sombra na Natureza e esta própria. Desentendimento crônico. Insatisfação. Falo sem utilidade. Corpo presente.

Seção de Opinião

A comilança de neo-culturas é coisa de personagens de quadrinhos. Certos conservadorismos merecem poltrona de destaque, merecem o físico dos vinte e poucos, mesmo sendo matusalém

Frade

Nosso mar nos trai;
A Natureza é traiçoeira,
Abusa da ignorância dos seus hospedeiros.
Caí em tontura do meu próprio líquido.
Me atormentei,
A ponto de esquecer o tino da minha profissão.

Diriam os kardecistas,
Obsessão.

Comecei me abstraindo da lógica,
Contei degrau por degrau,
E tropecei...
Interpretei o espectro da dramaturgia das telenovelas,
Daí, não lhe prestei atenção,
Me escapou o enredo,
Me escapou a pretensão barata de se satisfazer
Com os frascos de indústria cultural.

Tentei imunizar os sentidos do óbvio,
Da camada cutânea de tudo;
Fui pela sombra,
Em nome da sombra,
Ao encontro da sombra.

Uma gramática alternativa se lançou a mim,
Alguma habilidade psicológica tentou apagar meus arquivos,
Mas me restaram destroços dos velhos tiques.

Tentei me acostumar ao novo,
Como vejo alguns transeuntes bem entrosados
Com as novas tecnologias,
Com as boas novas da medicina estética,
Falando sozinhos,
Submissos aos adventos.
Falando sozinhos,
À mercê do próprio eco.

O ovo não deveria ter se rompido,
Eu preferia os automatismos conformados,
A tanto acervo de novidade.
Acho que sou covarde,
Vou virar frade.

5 de julho de 2007

Escola

Quando pequena, Melissa abstraía com demasia na sala de aula. Os professores olhavam a ela com uma certa preocupação de ela ter dificuldade em concentrar-se; inequívoco: a garota não pousava a atenção sobre o que estava sendo dito. Por instinto, apresentava uma ojeriza a didáticas e a maneiras simplistas de se explicar as coisas; desde as convencionadas às mais transcendentes. E involuntariamente se distraía em outros mundos mudos, embora com oratórias muito mais atraentes.
Em vez de memorizar a representação das coisas e o seu respectivo significado, fazia viagens psicodélicas para culminar no senso comum. Pensava que tudo que havia chegado à obviedade demandou muito estudo, muita filosofia. E, assim, pouco lhe importava a matemática explícita das ciências.
Uma vez, numa aula de redação, a professora pediu aos alunos que fizessem um desenho bem original e o explicassem. Melissa transgrediu o pedido, e esboçou os símbolos que aludem ao feminino e ao masculino. Abaixo da ilustração, escreveu: meu desenho, professora, pode não ser original, mas minha idéia é. E continuou: enquanto todo mundo se satisfaz ao saber que o símbolo tal representa as mulheres e o outro, os homens, eu estabeleci uma relação entre os símbolos e o mundo palpável e quis lhe contar: as meninas devem permanecer virgens para serem respeitadas, endeusadas, canonizadas; por isso, na região da genitália, o bonequinho recebeu um traço que, numa referência a outro símbolo, dá-nos a idéia de proibido. Os homens, no entanto, devem cultivar o falo sempre ereto, rígido, em devoção à masculinidade que lhes cabe. Portanto, dá-lhe ao bonequinho uma seta ascendente.
A inteligência vem do perscrutar individual que algumas raras pessoas têm; elas analisam o espectro das coisas nítidas e inquestionáveis aos comuns.

3 de julho de 2007

Uma pretensa juristinha

Marta Suplicy virou notícia. Esta nasce quando as coisas parecem culminar no óbvio, mas, por um deslize, transgridem um principiozinho qualquer da obviedade e caem na fatalidade das mídias.
Maria Cecília acabou de se tornar bacharel; foi aluna dedicada, esteve sempre muito aquém das faltas permitidas, fez sua monografia baseada no Português machadiano e é discente mais ovacionada pelos professores. Ah, estagiou na defensoria pública e num escritório do cunhado da sobrinha de um juiz famoso na cidade.
Estava em um momento extra-ortodoxo: batia um papo virtual com uma paquera e simultaneamente acessava sites de informação. Em um destes havia a seguinte interação com o nauta: o que você achou da declaração da Ministra sobre o caos nos aeroportos? Mande sua opinião. Sempre muito erudita, não por herança familiar; os pais eram ricos, embora não intelectuais. Erudita por opção, como existem os maltrapilhos por opção. Maria Cecília sabia do histórico de Marta, da época em que ela explorava seu status de sexóloga. E sentiu, sob a declaração “relaxa e goza”, que a ministra do Turismo quis apenas se popularizar no comportamento tão induzido hoje em dia: SEJA PAN!
Os professores de cursinho pregam o PAN: goste de química analítica e ame a gramática francesa; estude muito aos finais de semana e faça sexo com seu namorado; as lanchonetes comercializam o PAN: xis tudo, coma dois e pague um, refil de refrigerante; os pais brigam pelo PAN: corte esse cabelo, produza-se, saia menos, eu não gosto daquele Raoni; não demonstre que você não sabe o que seja jurisdição: seja PAN.
Numa tentativa de vir ao raso, ao povão, Martinha virou Madalena.
A promoção já aconteceu, e os achismos de Mª. Cecília estão mortos, sem cruz, numa gaveta hermeticamente fechada.

Japonês


Japonês sobressai.
Que gen é esse que tá sempre na cara?!
Japonês cruzou com macaco;
Saiu de olho puxado.

30 de junho de 2007

Verônica

Sob um turismo psicodélico, voltou à sua adolescência incipiente. Verônica. Estava ao banho, numa suíte da antiga fazenda de seu avô paterno, homem riquíssimo, embora arraigado a costumes simplistas.
O busto começara a lhe despontar. As gramíneas da puberdade seguiam os mandamentos da Natureza. Uma necessidade de se entrosar com a lascívia, uma paixão não-assumida, a mudança do corte de cabelo, a vaidade, alguns pudores, alguns acnes. Um mal crônico: melancolia.
Delongou-se ao chuveiro. Perscrutou azulejo por azulejo, os detalhes do lavabo, a solidão daquelas acomodações, os vasinhos de flor espalhados pelo interior do banheiro, arranjo por arranjo, capricho, esmero. Pressupunha, a cada ambiente, uma empreitada de um sentimento qualquer; a sombra de uma individualidade selada pelo sofrimento.
O contato entre os mundos animado e inanimado lhe sugeria carência, o estopim de uma carência; um câncer. Talvez a Natureza integrada satisfizesse as desocupações inquietas, todavia com silêncio de convento, e inerentes ao homem.
A inércia hermeticamente fechada por um farelo da civilização induz a vida a movimentar-se. A interpretação por vezes é malfeita, e resolvem mexer-se em ambientes feitos à base de civilização: vão às ruas, às galerias comerciais, ao asfalto, aos clubes, às lanchonetes. O que os alivia é a velocidade de puma com que vão ao encontro do extraordinário. A carência fica esmagada em um cômodo de quinquilharias da entranha. Mais tarde, revela-se; assusta o hospedeiro.
O homem rejeita seus filhos artificiais. Existe um estranhamento entre a vida natural e a vida biônica. O homem é eterno gauche.

29 de junho de 2007

Passeata

Insone, depressivo, desestimulado, cobiçando o próximo aniversário – este lhe era a melhor das expectativas, visto que iluminava a proximidade do fim – inclinou-se aos monstros do pensamento.
Pretendeu pensar aquilo que o deixasse confortável. O que o impulsionou no início foi pensar o bizarro. Elaborou uma cadeia de idéias que comungasse uma onda anti-convenção. A matemática é uma ficção infantil, pouco convincente. As ciências prescindem da grande filosofia que é a nossa não-sabedoria. As religião são presunçosas ao eleger aspecto ao intransponível. O pensamento tem fôlego curto porque está à mercê do limite das palavras e seus sentidos inerentes. As nossas transcendências todas estão impregnadas de tiques culturais. Como o ser humano é volúvel como a água; ele adapta-se praticamente a todas as tendências culturais.
A mulher pudica por devoção às tradições é a mulher vulgarizada por mostrar que também escolhe sua presa. A mulher das roupas impecáveis é a fêmea com chinelas anti-higiênicas que pisa o chão dos espaços públicos. As crianças que passam a fase integralmente na escola dialogam discursos breves, inconsistentes, nada questionadores, emperiquitados por palavras de baixo calão, de grande mau gosto. As pessoas estão falando tão alto. Os garçons são todos impessoais. A lida está mecanizada, enquanto o trabalho é o guia espiritual, o ceticismo do descrente.
O namoro é uma linda conversa dos pequenos lábios com o falo. E a amizade segrega tantos, tudo. A amizade é grande colaboradora de nichos impermeáveis. Os valores são contabilizados, inteligíveis, didáticos.
Quanta inverdade. Somos muito pouco desenvolvidos, enfim. As palavras arquivam grandes sentidos. E a gente insiste em se manifestar instrumentos herdados.

Matusalém

Waltencir, o Cizinho, profissionalizou-se em artes cênicas aos cinqüenta e sete anos, após ter sido carteiro, taquígrafo, office boy, entregador de jornal e tantos outros trampolins típicos de carreiras incipientes de trabalho.
Em 2074, aos 78 anos, graduou-se em Direito e advogou na defensoria pública. Por conta desse rompimento da obviedade, virou notícia, e foi convidado por várias mídias a participar de entrevistas, depoimentos e fotografias.
Numa de suas aparições, desta vez num programa exibido às madrugadas pela televisão, uma doninha solteirona e insone contemporizou ao semblante do senhorzinho, a tudo o que ele dizia, aos trejeitos e à aura que emanava dele. O porquê, deixo por conta da Metafísica, mas o velhinho protegeu, ainda que fugazmente, a espectadora de uma melancolia.
Cizinho tem o queixo protuberante. Diria o doutor Edison Stecca, dentista que sempre disserta sobre as expressões hermético-odontológicas, que o velho é um prognata. Talvez por esse desalinho de mandíbulas, é que a dentadura do senhor matusalém não lhe respeite o comando. O movimento da seqüência retilínea dos dentes postiços fica sempre dissonante da gesticulação inerente às palavras pronunciadas. Em poucas palavras, é uma dança bucal.
Na biografia do homem, indubitavelmente, constaria o jeito manso, sereno como fala. Em pouco, uma revelação: ele é preso às tradições mineiras. Waltencir é mineirinho de São João Nepomuceno.
Como ator, envolve-se sempre com as dramaturgias que têm o tempo como personagem-mor. Há dez mil anos, cinqüenta anos em cinco, etc.
Waltencir parece não sucumbir ao tempo. O corpo denota muito mais idade que a registrada. Deus provavelmente está prorrogando a oportunidade de ele se engajar em outros trampolins; quem sabe pregar a palavra de Cristo no centro da cidade; quem sabe foragir-se da crise venezuelana e tocar flauta no calçadão de Juiz de Fora.

28 de junho de 2007

Presunção de quem dá as cartas

Deus pensou a praticidade da vida.
Os filósofos desbotam a interrogação. Quando chegam ao genérico da Ignorância-Mor, criam uma gramática hermética que flui à beça, embora permaneça incompreensível a muita gente.

Blusa de lã, saia jeans, meia opaca: um dia de esteta

Decidiu se produzir um pouco para sair ao fim da tarde. Sem compromisso. Simplesmente para transgredir a inércia de se passar as férias em Juiz de Fora, Minas. Pé ante pé. Centro comercial. Entra em loja, sai de loja. Arruma pretextos para praticar a sociabilidade. Está, há tempos, à mercê de uma misantropia psicótica.
Foi como se um sangue fênix lhe houvesse penetrado. As pessoas lhe penetraram um olhar diferente, Silvana reluziu singularmente. Sintetizou a si mesma várias persuasões efêmeras de mudar um pouco o foco em que a vida estava concentrada. Mas, envolvida em suas tendências de amadurecer os próprios veredictos, creu que o dia-a-dia de um esteta é extremamente nocivo. Certamente o é.
Pensou a vida, conforme um condicionamento crônico.
E se tudo mudasse, não lhe importaria.
Tentou chegar a uma maneira menos pesada de questionar o Fado. Mas o aceitou e voltou pra casa convencionalmente.

27 de junho de 2007

É tudo mentira!

O processamento do fato – para que culmine em comunicação – é submetido ao selo do equívoco. Nada é verdade. É tudo postiço. É tudo dentadurinha fajuta.

26 de junho de 2007

Os insones

Quase cinco horas da manhã. João Luis e Marina estão saindo de um Pub alternativo que fica a São João Del Rey, Minas Gerais. O céu quase sucumbe à claridade, mas o comportamento de recolhimento perante a escuridão persiste. Todos dormem. Os prédios emudecidos; as ruas sem sinais, sem leis; o semáforo, facultativo.
Param ao sinal porque um carro enorme passa lentamente à avenida principal. Enquanto estão em inércia, à espera de uma chance para prosseguir, Marina observa uma lâmpada acesa em uma janela de um prédio de classe média baixa.
A última possibilidade que lhe surge à cabeça é a de que a pessoa do cômodo opta por dormir às claras. Marina imagina um insone crônico, desesperado, que está à beira de suicidar. Como praxe, leva a impressão para a casa. Dorme com a impressão. Cogita, de quando em quando, a impressão.
É sofrido à beça não dormir seqüencialmente. A energia de que a máquina humana precisa para permanecer dignamente viva se esvai. A estética se altera demasiadamente. Os problemas e as maravilhas são dispensados pela fraqueza da eletricidade extrema, que mata. Que corrói dolorosamente. Marina não resiste a um processo de psicose altruísta.

25 de junho de 2007

Susto

Com mais e mais abundância, a metafísica se radica nas dimensões de nossos sentidos. Mas ela sempre me assusta. Sempre me parece inédita e digna de uma grafia qualquer acerca de sua origem, de seu porquê, de seu destino. Mas é vão. Nossas destrezas não o permitem.
AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Escrever o quê?

O mundo já está no estopim de nosso entendimento. O que posso lhe fazer é tapear um pouquinho esta espera; eriçar sua capacidade para paciência.
Samuca entrou ao carro e revelou odiar esperar; que seja por cinco minutinhos. Ele ODEIA esperar. Indubitavelmente, não atinou à vida, a um sentidozinho, que não os mais convencionais, acerca da existência. A vida, Samuquinha, é uma espera travestida de trabalhos, estudos, pesquisas, ciências, religiões, música, movimento, discursos, etc.
Quem não se enfurna nas possibilidades da paciência, sucumbe: pula de janela, toma veneno, enforca-se, afoga-se. A vida é garantia dos serenos, dos que serenamente aguardam. O grande estranho disso tudo é que aguardam algo de que sequer sabem.
Paciência, Samuca.

23 de junho de 2007

Ph ácido

Em relâmpagos de tempos, a vida explicita performances de frigidez. Pois não se excita diante das informações trazidas pelos sentidos, pelos instintos, pelos sentimentos; diante de qualquer que seja a novidade ou, por que não, diante da velha verdade de trivialidades? As nossas capacidades, e o mérito que a gente traz do BIG BANG ficam todos pousados sobre uma pilha de papéis que nos apontam compromissos.
Compromissos. Deixa eu me apressar. É tão sério. Se a vida burocrática morrer, o que é que fazem com o respectivo cadáver? Existem filosofias à vida das coisas que não as coisas vivas, naturalmente vivas? É tão banalizado o assunto das burocracias, e das necessidades de se combatê-las. Mas a questão é séria. Viva e presente, como a perpetuação desta coisa velha, que me faz sombra e conteúdo e realidade: VIDA.
Tudo de que se fala é vivo. Mesmo a morte. São as novas consciências que a tornam triste e lhe garantem atributos. Mas a lâmpada agora diagrama o quesito bu-ro-cra-ci-a. Qualquer pretensão demanda um ato burocrático. Casa. Cem gramas de peito de peru defumado. Água taxada (gratuidade divina taxada? RISADA). Pães de sal para a fome das quatro da tarde, etc.
A culpa é da mutação do primitivo para o civilizado. A cultura a que fomos adequados, sisudamente, se comporta como divindade e altera nossas águas. Ph ácido.

20 de junho de 2007

Ensaio aos mortos

É bom amar os mortos.
Como é bom, a um brasileiro, amar um camarada lá da Austrália.
As dificuldades das relações surgem geralmente do face a face e do incesto em que culmina a intimidade.
O diagrama da nossa sabedoria não nos põe à frente dos mortos. Portanto, atribuímos a eles o nosso grau de amar e, postiçamente, julgamos que aprendemos a amar, e nos enobrecemos. Por vaidade. Por egocentrismo.

18 de junho de 2007

É só aquecer

O pensamento massificado é uma das raízes da carência.
Quando você se enfurna em uma esteira de correntes intelectuais pré-estabelecidas, veste-se de um pensamento, a cujo parto não assistiu. E se perde nos automatismos com que esse raciocínio lhe surge. E esgoelado, fatigado e atônito, corre atrás de uma freqüência mental dissonante da sua. Diálogo de rixas. Disputa entre dois egos antônimos. Secura da vida interior; morte interior. Cadáver inorgânico. Fim. Vida vegetativa do cerne.

?

Malgrado a individualidade explícita da nossa condição, queremos que nossas cartas reverberem aos cachos. Faz-se sempre necessário um selo de aprovação, uma porta aberta por mão que não as nossas. Nosso estímulo próprio é raquítico à beça; ele não chega ao estopim. Seria legal se o atingisse, para que tomássemos atitudes incomuns, mas ele sucumbe prematuramente.
A forma como meu âmago desemboca neste mundo virtual, de verdades postiças às quais nos agregamos, desperta-me dúvida. Será que é arte? Será que é mediocridade? Será que estou transportando com eficiência o mundo da ignorância ao cubículo da nossa sabedoria? Meu chão é de lamas traiçoeiras. Eu queria que meu eco me satisfizesse. Mas eu confesso depender de outros timbres, de outras dicções.

17 de junho de 2007

Docentes

Durante toda a vida acadêmica, sob um equívoco genérico, tende-se a pensar que o professor é o mais destro dentro de uma sala de aula crivada de alunos. No entanto, muitos pensamentos, que morrem por estar emudecidos, extravasam a capacidade dos mestres.
Seguindo as máximas da estirpe humana, o educador, como qualquer pessoa, é limitado. Se não no assunto que pulveriza a outras pessoas, em algum tema, indubitavelmente. Nenhuma pessoa, enfim, filosofa acerca dos pronunciamentos instantâneos que emana a um e a outro. As pessoas são condicionadas à gramática vigente e, independente de saber a etimologia, os significados intrínsecos das palavras, etc. se expressam. Isso é a prova de que se é muito vulnerável à cultura e muito abstraído do âmago.
O professor vai ao encontro do conteúdo a ser veiculado aos alunos, assimila-o e o contemporiza a didáticas inteligíveis. O processo é feito através da linha de raciocínio individual do profissional, a qual, várias vezes, é intransponível.
Nenhuma criatura possui o domínio supremo do que diz. Por um motivo filosófico: a cultura das formas de expressão é uma adaptação. A verdade indiscutível de tudo pertence à seção da nossa ignorância.

16 de junho de 2007

Juiz de Fora, 16 de junho de 2007

Gazeta Experimental
Acústico do Lobão no Cine-Theatro Central
Dez e cinco da noite. Transgredindo o clichê das aberturas megalômanas e tradicionais de shows, surge ao palco – low profile, clássico e por que não bonito – João Luis Woerdenbag Filho – o Lobão.
A música que abriu o show já alertou o público do comportamento do músico: ele tem uma necessidade – provavelmente nata – de gritar. A letra da canção se embaçou em meio à voz de Lobão e às performances musicais que inquietaram o chão do Cine-Theatro Central.
Pausa para um breve cumprimento ao público. Depois, uma seqüência ininterrupta de músicas. No repertório escolhido, sobressai a dicção dos arranjos e dos acordes e isso acaba por comprometer o talento poético do músico. Talento esse que está bem nítido em “A terrores noturnos minha alma se leva/ É um insight soturno, é o futuro passando”.
Havia umas trezentas pessoas no teatro. Apesar do público pequeno, a adrenalina entre os artistas e a platéia atingiu uma dimensão típica das apresentações superlotadas: a certo momento do show, todos os espectadores ficaram de pé e dançaram conforme a melodia frenética de Lobão.
Os ecos que acompanham todos que estiveram lá na última sexta, 15 de junho, entoam a doçura, a sabedoria, o talento e a eletricidade inerentes à fera do roque.

Cultura

Ivalda não contemporizou a nenhuma culturazinha. Antes de se adaptar à dicção das fêmeas, é uma criatura que se abdica dos pudores e neutraliza a proximidade com os homens e com as pessoas, em geral.
Ivalda não se acomoda às profissões que vigoram. O único talento que possui é o de dar destino às pessoas. Da última vez que o fez, sofreu com o suicídio em que culminou um de seus personagens.

Pesquisa sobre a Alopatia

A alopatia, em regra, é uma mímica toda especial do Acaso.

15 de junho de 2007

Jesus Cristo

Escrevi a biografia de Jesus Cristo, quando tentei lhe explicar a minha verdade. Quanto equívoco! A minha verdade só serve a mim; só me serve de conforto psicológico. Eu estava precipitada. Por isso, cri que lhe devia confessar. Eu te amo, mas não preciso passar um bisturi e esparramar-lhe todas as minhas intimidades.

12 de junho de 2007

Morte prematura

A educação com que cortejas um indivíduo que nunca viras antes é uma habilidade do teu sentimento de superioridade. Tu insistes em omitir tua condição animalesca, mas o teu comportamento classudo tem fôlego curto.

11 de junho de 2007

Cigana Soraya em "Dia dos Namorados"

Namorado convencional: ele vai chegar lhe dedicando um buquê de flores, um cartão com dizeres manjados e, como trecho de salvação, um versinho de Camões.
Namorado desligado: seu manequim é 34 e ele lhe dá uma calça tamanho 42. Não se ofenda! Nem apele a interpretações ultra-psicológicas: pô, ele me acha uma magrela. Ele queria que eu tivesse o quadril largo.
Namorado pseudo-desprendido: há um mês, ele lhe comprou uma lembrança; o papel de presente já está amassado e, para não se delatar um precavido invejável, ele pediu à mãe dele, à sua sogrinha que lhe fizesse um outro embrulho.
Observação: à hora em que ele for entregar-lhe o presente, dirá: eu tive que comprar de última hora. Portanto, fique à vontade se quiser trocar, certo?
Namorado psicótico: pede folga ao chefe, a fim de ter a tarde inteira para escolher o presente. E entra em depressão, ao chegar a casa e verificar que, num equívoco qualquer da vendedora, em vez da blusa branca com listras pretas e espessas em diagonal, veio uma blusa branca com listras pretas e delgadas em diagonal.
Namorado ciumento: apreça sapatos, lingeries, bolsa LV, óculos Armani, mas opta por uma caixa de bombons recheados, extremamente calóricos. Nada pode embelezar a fêmea dele, afinal.
Namorado carnívoro: passa num sexy shop não registrado e, depois de insistentes pedidos de desconto, leva um dado erótico e lhe exige as posições mais cansativas para a hora da cópula. Depois das sessões, sugiro que você faça um check up.
Namorado prestes a ser canonizado: ele lhe dá uma blusa gola alta. Depois, a muito custo, dá-lhe um selinho e fica com as bochechas enrubescidas. Despede-se da sogra e do sogro e ajuda a lavar algumas louças sem proprietários que estavam sobre a pia.

3 de junho de 2007

O Ciúme

ESTE É DEDICADO ÀS MULHERES
Você está bolando uma programação maravilhosa para extravasar com seu afim no sábado. Neste dia, perante um distúrbio qualquer da Metafísica, você acorda depressiva, frustrada com não se sabe o quê, extremamente introspectiva, enfim.
Passadas algumas horas da sua luz, você coloca suas mazelas dentro de um diagrama e cogita: eu descarto esse conjunto de intempéries, se fulaninho sair comigo e a gente eleger muita luxúria à nossa noite. (Observação: isso tudo é um discurso oriundo do Inconsciente, uma carta posta sobre a mesa da nossa percepção).
Daí, você envia a ele a proposta da saída - via mensagem de celular. Frações e mais frações de hora. De repente, o celular - sob um ataque epilético - anuncia a resposta do convite. Sem muitas delongas, ele afirma estar cansadíssimo.
Instantaneamente, surge o ciúme na sua entranha feminina. A sensação é a de derrota diante de uma disputa, em que sequer se avalia a natureza do (pseudo)ganhador. Este pode ser imaterial; pode representar uma mísera transgressão à rotina. Não existe publicidade alguma que convença o ciumento do equívoco de que, na maioria das vezes, ele se sustenta.
A mente tem uma tendência a se nutrir de ficção, por vezes. A sabedoria que se pode tirar disso é se satisfazer com as mentirinhas que vigoram nossa individualidade. O problema é que somos muito pouco sábios. Acabamos sucumbindo à solidão. Ao cadáver que se mantém ereto.

31 de maio de 2007

Geraldo Beliscão

Outro dia, assistindo ao Programa do Jô, transbordei de rir de um artista de teatro que escreveu uma peça, baseado nas experiências com a própria mãe. Lembrei-me de alguns pronunciamentos da minha mãe que merecem memória; nem que seja uma mísera memória eletrônica.
Acompanhando uma palestra sobre Ética e Educação, um homem cinqüenta por cento careca apresentou-se à mesa. A outra porcentagem era solo para madeixas lisas, de um tom ouro envelhecido. Espontaneamente, como uma criança recém apresentada às coisas da vida, minha mãe deixou escapulir:
- Minha filha, repara bem esse cara. Ele parece um pincel.

26 de maio de 2007

Rosa

A rosa é o estopim de uma vaidade;
É um arremate;
Um pedreiro sem força bruta,
Embora,
Capaz de luzir beleza instantânea
A sentidos que têm fome.

Oração

Sofro pelos velhos que entram pela porta da frente do ônibus e transportam suas mãos calejadas pelo próprio tempo e pela abreviação da velhice a que a miséria os induz. Os velhos pobres chegam às casas e pisam um chão cuja temperatura é extremamente soberba: está sempre gelado. Comem um cardápio tão repetitivo que os sentidos já perderam a dedicação. Dormem aos trapos. Sentem um frio inumano no inverno e lembram-se do país tropical que é o Brasil durante o verão: todas as espécies bem pequenas e aladas surgem-lhes a atormentar. Mosquitada. As diversões. Um câncer maligno me penetra, quando penso na forma como a pobreza extravasa. Não lêem livros, dependem da coreografia dos ventos para conseguir ouvir um funk de baixo calão que vem do Norte, lá do Norte. Saem, somente quando a Prefeitura lhes faz oferendas, às vésperas das eleições. E vivem. E sorriem um sorriso careca. Falam alto dos problemas que estão à parte do próprio baita problema de nascença. E dão continuidade à Vida: um cacho de filhos... Bem contemporâneos eles. Nove meses, nasceu. Quarentena. Próximos nove meses, casulo. Depois, mais um nascimento. E enche e murcha, enche e murcha. Mais um, mais um, mais um.
Sofro pelas madames e pelas promessas a madames que se enclausuram – ainda que em público – por detrás da película preta que apaga quem segue dentro de um carro. Elas são blush, indumentária inédita todos os dias, celulares de memórias infalíveis, celulares pós – graduados na USP, capas de celulares da Victor Hugo e compras e crediário e namorado pilantra, mas gostoso pra caramba. Elas chegam a suas casas e, assustadas com a presença da solidão, pegam a agenda e ligam a todas as amigas que podem render algum papinho inconsistente, ou uma extravasada alopata. O que serão depois de um banho? Sem a casa humana emperiquitada com cordões e maquiagens e roupas caras? Com a face lisa, isenta de qualquer apelo à perfeição? Serão sofridas? Serão suicidas em potencial? Tenho muita pena das madames, das patricinhas, das riquinhas que oram ao consumismo-em-prol-do-bem-estar.

25 de maio de 2007

Sono eterno ou Eterno retorno?

Uma vez, Silvinha atinou à morte. Não como essa forma genérica com que as pessoas abordam-na: seja feliz, amiguinho. A única certeza é a morte. Quem diz isto, geralmente, crê na morte utópica, cujo alcance atinge, no máximo, um conterrâneo. A morte lhes parece uma onda do mar que quebra antes de os pés se molharem.
O que eu quero abordar neste espaço, que antes era um nada e agora já representa uma gosma jorrada por um sentido qualquer, trata dos dogmas (presunçosos à beça) acerca da morte. Eu me agrupo àquele da Igreja Católica, que faz campanha ao sono eterno. Sabe por quê? Porque, imagine, a vida é uma penitência sem opção: se você nasceu, agora viva! Que imperativo. Que ditadura!
O Espiritismo me desconforta. Ele propaga a vida eterna e o eterno retorno. Nesta vida, estou legal. Estou serena. Ladeada por pessoas respeitosas e dignas. Imagine, eu nascendo em um antro de gente estúpida. Não teria sustância a isso. De verdade.
Além de tudo, adoro tirar uns cochilos diante dos tempos ociosos. A idéia do sono eterno, portanto, em muito me agrada.

24 de maio de 2007

Comilança de Cadáveres

Tenho um constrangimento para comer cadáveres. Uma potência inconsciente me alude ao tempo em que aquela vida esteve vida, em atividade.
- Terezinha, o que tem pro almoço hoje?
- Pra você, Tâmara, fiz um franguinho grelhado. Se você quiser, posso cozinhar um macarrão e fazer um molhinho de azeite com ervas finas. Você quer?
- Tá perfeito, Terezinha.
Frango grelhado.
Quando eu tinha meus nove anos, papai me deu três pintinhos. Leonardo, Vicente e Patrick, esses eram os batismos dos bichos. À tarde, assim que eu chegava da escola, eles eram a minha ilusão, o meu veneninho alienante daquela fase na qual a gente crê que as coisas mudam e que tudo sucumbe à perfeição. Quanta ingenuidade.
A metafísica, profissional exímia, no cumprimento de seu trabalho, fê-los crescer. Tâmara enchia-se de pudor perante aquelas patas de galo/galinha esquisitas à beça. Enchia-se de ressalvas àquele bico capaz de ferir. Ela não se lembra do destino dos animaizinhos, embora se lhe esteja intacto na memória um episódio que envolvera os três cocoricós.
Um dia, dona Letícia – a mãe – estava preparando uma refeição à família. De repente, do segundo andar da casa, ouvem-se berros e imediatamente, a doméstica, a Tâmara e o caseiro – todos que estavam na casa – aproximam-se da cozinha, com a pretensão de prestar-lhe socorro.
O socorro poderia ser prestado somente pelo caseiro. Não ouso alterar o fluxo da Natureza e dizer que existe uma mulher destemida, quando se trata de barata. O berro angariou mais adeptos. Agora, variava-se em contralto, soprano e tenor. Alguma das três tem voz grave.
Seu Valdemir assassinou a cascuda. Num despiste mal sucedido, tampou a cadaverzinha no quintal da casa por onde transitavam os três pintos. Tâmara era integralmente atenção. Estava à janela, quando assistiu a um espetáculo que a biologia aborda com tanta leveza: a cadeia alimentar. Vulgo: a porcança.
Um pinto começou a degustar o corpo da barata. Depois vieram os outros dois para participar da comeria. De repente, não há corpo, não há resto. A barata está literalmente desencarnada.
Num tempo depois, sobre a mesa de alguma família tradicional, que elege a refeição como hora sagrada, em que todos devem estar à mesa, o frango estará lá. Saudável. Bronzeado por um forno feito à tecnologia mega-avançada. Num hemograma desse frango, constaria: excesso de proteína. São os ecos da, já desencarnada, barata.

A personagem, que já nasceu aos setenta e cinco de idade

Lísia Galhardo, consciente de seu temperamento, optou por morar sozinha. Tinha lá seus convívios com o pessoal da escola de música – ela toca piano – com as caixas de supermercado, com o dentista, com o médico que lhe servira sempre, com algumas amigas de infância que se mantiveram na cidade. A senhora tinha umas ressalvas com a intimidade. Por isso, esquivou-se da vida de casal, da vida diária, em conjunto com outras pessoas. No entanto, à medida que o tempo foi se lhe insistindo, um velho jargão cuja tônica diz que é impossível viver sozinho, penetrou-lhe, penetrou nos organismos mais profundos daquela existência. Eu preciso fazer alguma coisa que movimente a minha mente. Estou prestes a ser tragada por uma depressão. Deus me livre!
Tinha o piano, antigo, herdado de sua mãe – pianista exímia, fiel dos clássicos de
Bach e Tchaikovsky. Desgastava-se ali. O amor àquilo se lhe transbordava. Mas Lísia precisava sair de casa, observar como a Natureza comportava-se perante as variações climáticas, observar o baralho entre gentes mais velhas e gentes mais novas, observar a moda da juventude, observar a condição humana, enfim.
Abriu o guarda-roupa, cujo design é incrementado por uma espécie de franja, por uma madeira extremamente lapidada, e hesitou diante das tantas roupas que lhe enchiam o armário. Algumas tinham estampas obsoletas, mas, a uma senhora, não soariam dissonantes dos padrões universais da moda. A moda hoje, aliás, é uma miscelânea, uma constituição encadernada com luxo, embora sem conteúdo algum.
A velhice dá um prazo às pessoas de exercer a ciência da perfeição. Lísia, portanto, antes de fazer escolhas, foi à janela ver como estava o tempo e pressupor como ele se desenrolaria ao longo do dia. A velhice costuma ser precavida. Vestiu-se, com a elegância de praxe. Foi ao centrinho, a fim de contracenar com gente de todo naipe.
...

23 de maio de 2007

Tentativa

Tentam falar o amor, escrever o amor, desenhar o amor, cantar o amor. Ele é inviolável! É como o Deus, que é reduzido à Ciência por vezes. Deus é uma carta aprisionada entre os dedos de uma doutrina? Eu prefiro ser devota do Mistério.

22 de maio de 2007

Ócio Inteligente

Caso o pensamento se enfurne em áreas invioláveis, dá-lhe conseqüências.
Este era o slogan da campanha, a partir da qual palestras eram ministradas em diversas universidades, clubes de terceira idade, hotéis de renomes das cidades espalhadas pelo Brasil.
Envolvida com pesquisas acerca das religiões, das doutrinas e de pensamentos que se formaram para se tentar chegar ao porquê da vida e da morte, Lísia Galhardo, herdeira de um patrimônio composto por fazendas, imóveis no exterior e conta bancária imponderável, aos setenta e cinco anos, resolveu, provavelmente devido a ser espectadora de um esboço ainda tímido da morte, dedicar-se à ciência que investiga o Mistério. Com a palavra, Lísia Galhardo...
ESTRÉIA DE UMA PERSONAGEM. Espero que a vida dela dure o suficiente para o romance ter um fôlego grandinho. Senão, que a morte dela faça iluminar novas criaturas e que o enredo se monte a partir disso.

20 de maio de 2007

Psique de cineasta

Domingo é tão parado. É custoso procurar um enredo bacana para agradar ao namorado. No sábado, afinal, já trocamos mensagens românticas, as juras mais antigas, embora resistentes e os bilhetinhos abreviados, conforme as máximas da linguagem virtual. Fizemos uma sinopse da gazeta da nossa semana. Resta-nos inventar. Inventemos, portanto!
Vamos abusar da linguagem... E tentar pormenorizar, dar cartas, investir um pouco de verba na jogatina que tenta acertar o significado mais consistente do amor. Vamos pôr luz somente sobre nossa face ovacionável. Depois, fazer carícias, não simplesmente com o propósito da volúpia, mas como oferenda ao carinho intrínseco que se anunciou em nosso grande fôlego de vida, em nosso coração.

O sentimento de Pena

É como se um Cosmo todo sombrio entrasse em inércia e apenas uma vida dinâmica - a incumbida da nossa pena - ficasse subjugada a esse mundo morto, embora erguido.

18 de maio de 2007

Sobre a Beleza

A beleza é a metafísica que se faz na ótica de quem a vê?
A beleza é a emissão intransponível da coisa bela?
A beleza é um diálogo entre dois gringos.

15 de maio de 2007

Promoção

Todos os dias, Lísia passa por uma guarita, que faz parte do percurso rumo à casa dela. Lá dentro, na hora em que ela passa, sempre fica um homenzinho. O homenzinho. O mesmo, cujo nome ela desconhece. Apenas o saúda:
- Boa noite, moço, tudo bom? (BIS)
- Boa noite, menina. (BIS)
Já automatizou. Não existe expectativa de ele falar algo além de “boa noite, menina” e nem de ela se delongar nas cordialidades. É apenas um ato démodé aos parâmetros deste mundo Pós - Mega – Ultra – Moderninho. É apenas a manutenção da educação.
- Boa noite, moço, tudo bom?
- Boa noite, menina.
O dia fluía, conforme “O Show de Truman”. Maritacas insones acordaram a garota, o vizinho, bem cedo, com moto serra à mão. O céu inerte. Pela fresta da porta, Lísia ouvia a empregada pinçando recados ao telefone. Vendedor de gás batendo à porta. Coragem com exército próspero: levantou-se. O dia se iniciou...
À noite, já imune à necessidade de se pensar para agir, saudou o vigia:
- Boa noite, moço, tudo bom?
- Boa noite, moça.
Acendeu-se o quartinho da novidade. Tudo lhe estava tão óbvio. Como a tendência da humanidade de se adaptar à tirania de ser humanidade. Aquele moça lhe reverberou imediatamente: quer dizer que fui promovida à moça? MENSTRUEI! Ela riu de si, de suas idéias - relâmpago. De suas divagações.

14 de maio de 2007

12 de maio de 2007

Mutação

Vou sozinha à festa. Porque a relação está passando por um processo de substituição. Será que existem criaturas sinônimas? O brechó das fantasias com que vestia meu âmago está em ruínas. Acabaram as fantasias. É preciso reinventar um talhe ao cerne.

Manchete da parte superior da capa de todos os jornais de circulação nacional: A VINDA DO PAPA BENTO XVI AO BRASIL.

Ao Brasil nada, à área mais cinza da Nação: ao estado de São Paulo, cujo ar é devoto de concentrações-poluidoras-trânsito-industriais.
COF, COF, COF.
Lencinho à mão com a dissimulação de acenar aos fiéis. Mas a pretensão-mor é assoar o nariz, afinal Deus lhe envia muita coriza nesse solo brasileiro. Choque cultural, choque ambiental.
O senhorzinho está exausto. Outorgaram-lhe uma agenda extravagante demais: ele incumbe-se de quase céu: está aqui e simultaneamente o Japão o saúda. Bento XVI já é antigo de guerra; é, portanto, a hora de ele curtir uma sesta prolongada. ZZZZZZZZZZZZZZ.
Todas as mídias, todos os habitantes de planetas próximos rumaram a Aparecida. É a fé movendo as pessoas? Não! É a intenção de exibir o novo nos meios de comunicação. Como Bentinho nos será útil: daqui a um ano, haverá o aniversário da primeira visita do Papa ao nosso solo. Os jornais terão momentos católicos engavetados e os exibirão e forçarão uma comoção e mudarão a entonação da voz. Programinhas de humor sem capacidade de criar farão caricatura do sotaque de Joseph Alois. Sósias e sósias dele surgirão.
A TV, principalmente, dá-nos a impressão de que a fé pode ser terceirizada, de que, ao estarmos atentos à palavra cristã, já dissuadimos Deus de todo mal que cometemos. É um bem unânime estar perante o Papa Virtual, diante da missa virtual, diante da hóstia virtual.