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31 de maio de 2006

Dia-a-dia do Sentimentalismo

Dia de sentimentalismo puro, sem interferências da razão, é bem noite, altamente noite, momento em que o Cosmos - com sua esponja ágil e imperceptível - nos isenta do mundo. As flores com que compartilhamos o dia, os pássaros que desvirginaram nossa ótica, as borboletas transeuntes que pousaram rapidamente sobre um ramo rígido ou tênue de flores, a claridade arquiteta que entra em meu quarto mostrando suas retidões, suas exatidões, seu talento em suma. Quando tudo isso é inibido pelas nossas ignorâncias, é a hora de o sentimentalismo existir de fato.
Nessa noite, ao me entregar plenamente à sonolência, minha alma sentiu a potência que o orgânico é capaz de sentir. Minha alma sentiu meu tio que não é mais posse deste Mundo – Rodoviária. Meu tio foi para o Mundo de que não se tem notícia; de que nunca se teve notícia. Mas sua alma, travestida com a indumentária que o acompanhou no ínterim da vida terrena, aproximou-se de mim. Aproximou-se e me fez um convite. E eu não raciocinava... Apenas sentia. Era um ser irracional, pleno de Natureza, sem revides a mim mesma. Apenas o sentia e me sentia. Sentíamos sob uma enorme, extensa, gigante, exacerbada, demasiada fluidez. Fluíamos feito uma existência inumana.
Pude provar do tira-gosto de não ser... Ou de ser mera inconsciência sendo vivida pelo Fatal. Andávamos felizes, integralmente felizes por um chão nunca visto por mim. Andávamos. Os sentimentos que emanavam de mim a ele em vida terrena estavam inteiros, sem erosões, sem craterazinhas sequer. Tive total contato com a plenitude.
Caso a morte seja mesmo plena, que permeie apenas os terrenos dos bons sentimentos. Porque uma tristeza em sua totalidade é digna de combates e, para fazê-lo é necessário haver intervenções de outros sentimentos. Que a plenitude eleja sempre as boas modas.
Acordei. E me vi perante a miscelânea entre consciente e inconsciente. Tudo bem... O por enquanto Utópico ainda me irá fisgar.

30 de maio de 2006

Anúncio de Jornal

Prepare-se para um calçadão empapuçado de gentes e gentes a esbanjar gritarias, ironias, tragédias, fofocas, seriedades, preocupações... Todas as musicalidades de um pronunciamento enfim. Telefone a incomodá-lo pelo ínterim das maçantes horas a se concluirem a um dia de calendário.
Um dia do calendário encarapuça-se de penitência de 414 anos. É ridículo prolongar exageradamente as penas; estendê-las ao Utópico. Os juristas têm acordo com o Tempo? Mesmo após a morte do criminoso este será enclausurado pelos fogos do Inferno ou preso por nuvens negras? Prisão perpétua já soa possante o bastante a audições à deriva.
Triiiiiiiim.
Triiim.
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim.
- É aí que estão precisando de empregada?
Com doçura postiça:
-É sim. Eu preciso de referência de carteira, telefone da referência e telefone para contato direto com você.
O Brasil é ávido por chance. O Brasil mantém-se em alerta. Incessante alerta. Parece que, às vezes, uma inércia encobre as casas humanas. Mas todos peregrinam com esperanças... Apelam ao Cosmos... Oram. Cobiçam a dignidade.
Um rapaz, traquejado, estendeu sua bonita e cautelosa voz ao telefone:
(aspirante a emprego de empregada doméstica) - Bom dia, com quem falo?
(Beatriz, proprietária da casa que demanda uma empregada doméstica) - Beatriz.
(aspirante) - Beatriz, é você que colocou um anúncio no jornal a respeito de empregada doméstica?
(Beatriz) - Foi meu pai quem o fez, mas você pode tratar comigo sem problemas.
(aspirante)-OK. Olha só, quais são as cláusulas necessárias para o emprego?
(Beatriz) -Eu preciso de referência... ... ...
(aspirante) - Tem problema ser homem para desempenhar os trabalhos? Eu já tenho experiência com isso.
(Beatriz) - Infelizmente sim! Desculpe-me. Boa sorte.
Com a mesma delicadeza com que ele se apresentou ao telefone, despediu-se de Bia.
Bia ficou a perscrutar a situação do rapaz. Poxa, ele fala tão bem, é tão educado, poderia estar envolvido com um empregão. Afinal, os serviços domésticos são pesadíssimos e abocanham, geralmente, as pessoas que não tiverem chances de freqüentar uma escola, desenvolver alguma técnica específica. A manhã de Bia teve, como teto, a condição a que a majoritária população brasileira está submetida: trabalhos braçais, que necessitam de integral comprometimento do corpo, meramente do corpo. Não lhe sobra tempo (à população nativa) para atender às carências da alma. Almas etíopes. Almas abandonadas. Almas órfãs, em prol de sobrevivência. Em prol de um apego sem motivos à vida.
O telefone não pára de tocar.
Bia já não mais se irrita.
As pessoas explanam-se com entonação de empolgação e fé; muita fé. Fé em se reduzir a atividades primitivas para fisgar a dignidade. É preciso ser bicho para vestir-se do Digno.
Bia nunca trabalhara. Dedicava-se exclusivamente a leituras que a faziam feliz ou que preenchiam os déficits estranhíssimos de sua alma. A alma, assim como o corpo, assim como a Vida em suas flexões versáteis eram-lhe suma estranheza.
O que a incomodava agora era a avidez das pessoas. Ávidos em nome de uma Vida que não lhes garante sequer o trivial. Que amor de Deus, que amor incondicional a uma enorme ditadura ultra-nazista.
Bia está com pedrinhas de comoção sobre seu terreno de sentimentalismo. Enquanto a generosidade das mãos ocultas da Vida proporcionou-lhe riqueza, luxo, conforto... A mesquinhez das mãos foragidas da Vida não garantiu à massa homogênea de gentes o mínimo esboço suficiente à tranqüilidade.
Triiiiiiiiiiiiiiiiim.
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim.
Triiiim.

Fila Única

Enfileiram-se, feito formigas que farejam umas as outras, na caminhada ao encontro da Lógica. Da ficção com arremates que sugerem verdade, verossimilhança pelo menos.
Lógicas sociais, lógicas religiosas, lógicas sentimentais. Lógicas ao Utópico. Está triste porque está perante um cadáver muito querido em outrora; essa outrora lhe parece tão fresca. Buscam causa às conseqüências que se sentem na epiderme do âmago, às vezes revestido por uma aspereza, às vezes banhado em uma maciez nítida.
Empanturraram as sensibilidades à deriva neste Tapete estendido que é o Mundo. Empanturram-nas de ficções amadoras, nada persuasivas. Nada é eficaz ao ponto de convencer acerca da Vida. A Vida é o ápice do Sagrado. Do lacrado. Do intocável em que não se pode ousar mexer, e sequer aproximar-se dela. Da Vida. Da tão fácil Vida.
Da tão enclausurada caminhada.
Fileira com concavidades à espera de explicações, de matemática cósmica. Por que se explicar? Por que não explicar? Por que o Dessentido? Por que a composição orgânica e de alma são suma ignorância? Por que nascemos e morremos analfabetos de nossas dinâmicas, nossos monstros, nossas vitórias viscerais, nossas derrotas erosivas?
Por que, Grande Mágico de mãos foragidas, não nos podemos saber? Há algo de muito sério a nossa sombra? Há algo apavorante como nossas próprias bengalas? Há algo tão macabro que é preferível a alienação?
Que assim seja, então.

29 de maio de 2006

(In) sanidade

Ser louco é tão fatal quanto ser são. Assim como ser formiga é tão fatal como ser a extensão ilógica de cada valsa que a onda faz com a areia.

Chocante

Não há crimes hediondos, não há incestos, não há desrespeitos, não há desalmados, não há comportamentos que me choquem mais do que a ação que culmina na existência de qualquer coisa: seja animada ou inanimada, perceptível ou imperceptível, perecível ou imperecível, nítida a olhos orgânicos ou cega a olhos orgânicos.
Estava frente a frente à televisão vendo um Universo Paralelo. Sim. Um legítimo Universo Paralelo. A vida no Mar. Neste gigante pretensioso de mãos nunca vistas. Degusta-se, goza-lhe as boas sensações, mas não se sabe sua doninha. Às vezes penso que o dono do Mundo corresponde a um estereótipo de um sem nome que dinamiza a casa humana em prol da sobrevivência.
Ser mar é possuir, involuntariamente, uma soberba. Porque Ele detém inquilinos e mais inquilinos e caso falte a eles o fôlego dos mares, não lhes há outra residência na qual se possa sobreviver. O Mar é monárquico. Seus submissos sugerem liberdade, plenitude, mas são censurados e limitados pelas porções de água e de sal que compõem o condomínio deles. Verdadeiro síndico inconveniente de prédio.
Viver é enclausurar-se na própria cutícula e enclausurar-se nas oferendas de que não se sabe do Planeta. Peixes. A tônica do corpo é um, ainda que curto, enorme deslize. Vencer os protestos da água é magia gringa. Peixes. Chocantes feito os olhos vencidos por peles caídas de gente sabotada pelo Tempo, por esta abstração sócia da Potência do Mar.
Mar, danças, fantoches de não sei o quê, despropósito (meu verbete predileto). Antes do ponto final de cada devaneio fragmentado, aparece ele, intruso a concluir minhas transcendências. Despropósito.

28 de maio de 2006

Pseudo-estetas

Desde o tempo em que minha razão não era concentrada na peregrinação do Mundo, já sabia eu que, geralmente, quando alguma palavra tem como ancestral um pseudo é porque há algo a se condenar, há algo genérico, há algo pejorativo enfim. Ser esteta é complicado. Lidar com esteta, complicado e uns 87,12 % de complicação a mais. Estetas, respeito-os, mas, vocês aí em suas clausuras e eu em minhas clausuras.
Enquanto me preocupo em o que culmina a existência, um esteta preocupa-se com o talhe do salto alto da Sandy. Ambos estamos errados... Porque, ao invés de conduzirmos a vida como um sopro, sem janelas artificiais em que se apoiar, debruçamo-nos sobre uma sedução qualquer.
O decote que mais me sensibiliza é pensar no impalpável. O decote que atiça a curiosidade dos estetas pode vir em vários formatos: U, V, O. É, agora se usa o decote “O”... A roupa é toda séria e, de repente, nas dependências onde moram os bustos, abre-se um “O” enorme. Os bustos se rebelaram, neste ano de 2006, com a política que, até frescos momentos, era-lhes vigente. Acostumaram-se a clausuras do sutiã e da roupa. Quase mofaram. Decidiram, então, escancarar-se. Para arejar. Para viver face a face com o Grande Artesão dos seios. Agora, as roupas têm novos formatos de janela... De repente, um dia, as janelas das casas serão instaladas no teto. Tem nobreza. Os céus serão mais acessíveis a nossas óticas. Acordaremos juntamente ao acordar cósmico.
Acreditava que aquela banda – cujos integrantes eram vitrines emperiquitadas com excessos (tatuagens, piercings, cabelos voluntariamente desleixados...) não tinha espaço a um quarto livre, a uma casa aconchegante. Achava eu que aquela banda era um quarto mofado repleto de vaidades mortas e dizia, com aquela aparência toda sublinhada por um monte de parafernália, o que a estética deles tinha a nos dizer. Os estetas depositam na estética todas as frases, todos os gestos, todos os capítulos, todo o livro e o ponto final de suas vidinhas. Há exceções... Obviamente. Raríssimas... Obviamente.
Uma bandinha dessas em que a gente não credita fé, repleta das vaidadezinhas supérfluas, pode nos contorcer. Houve um enorme contorcionismo. Uma aula maçante de ioga no momento em que rompi meus tijolos de verdades fictícias e li uma entrevista da dita cuja.
Meus olhos entraram em processo de constrangimento. E eles, os olhos, insistem em olhar todos os chãos do Mundo. Será difícil reerguê-los.

Androginia

Qualquer materialização humana possui um ícone possante da masculinidade e um ícone tênue da feminilidade. O sal e o açúcar, triviais, misturam-se e perde-se de vista o semblante de um e de outro, miscíveis, homogeneizados.
A androginia é inerente à condição com que o homem foi encarapuçado. Há os andróginos cujo sentimentalismo fica sob uma leve toalha de “macho e fêmea” e outros, no entanto, que, à mercê de potentes setas bilaterais, demandam concretizar seu lado feminino – apelando a atrações masculinas e necessitam realizar a face masculina – seduzindo esboços vivos femininos.
No Universo batizado de “Pós – Moderno” existe um baralho à denotação que emana de “androginia”.
Parece que a solidificação das duas faces é um regulamento da Civilização. As pessoas condicionam-se à androginia como o fazem com a conclusão do segundo grau. Banalizou-se a prática da androginia; glamourizou-se a ação andrógina.
Isso tudo é uma inibição aos apitos – índios que emanam da natureza; condicionamento a mais uma ditadura – agulha – fina do Mundo Civilizado que penetra na estirpe humana sutilmente.

Justiça Velada

A verdadeira Themis ainda não foi codificada pelos homens. Quando a justiça – inerente à condição humana em sua profundeza – sai de seu endereço clandestino e peregrina pela razão, esta a mutila e o exercício da justiça não caminha íntegro como sugere a Natureza.
Há quem possua poucas ampolas da justiça e, por conta disso, sabota vidas, construções, almas. Há a necessidade por cujas janelas transitam os ventos do desespero e deste, às vezes, nascem os delitos: roubam em prol dos apelos da Vida; roubam porque se tem fome, sede, frio, doença. Há bandido e Bandido: este possui de nascença uma epiderme de fel; é que a alma dele fora submetida a um banho de químicas nocivas. Aquele, no entanto, infringe alguma lei em respeito a uma súplica instantânea que lhe vem conforme os passos das ameaças que se organizam aos pares com as circunstâncias.
A punição a infratores é quase sempre uma infração colossal à Vida. Usam do sadismo para alinhar os desvios. E o sadismo é pretexto para a autopromoção de quem detém alma anêmica. O Sadismo é uma força unilateral que sai do ego opressor e mata o ego oprimido; é a negação da condição a que pertencemos.
Quanta pretensão de se travestir de atleta da Justiça. As faculdades de Direito têm excesso de gente e deficiência de espaço físico e de cadeiras (talvez seja esse o motivo do sucesso das graduações à distância). O que se vê são as promessas a juristas totalmente alienadas das propostas fundamentais da prática da Justiça. Parece que os estudantes de Direito vêem a seringa com o conteúdo teórico capturado sem área de aplicação e não usam a genuína indumentária do Justo. Isso me faz lembrar de indivíduos extremamente religiosos que cultuam um deus utópico e desprezam as matérias-humanas (verdadeiros artesanatos do Cosmos) que compõem o Universo.
Certa vez, num lanche na casa de uma amiga – cuja família encaixa-se no estereótipo da “família perfeita” – disseram-me:
- Mandamos a empregada embora porque ela nos roubou um iogurte.
Ri com todos os potes do amarelo. E eles riram com a potência da orquestra que lhes rege a matéria. Imaginei a doméstica arquitetando a grande violência que praticaria no momento da apreensão do pote de iogurte. “Roubo”. Isto me soou como a empregada, munida de facões e agressividade, ameaçando os patrões:
- Hei, se não me derem o iogurte, esfaquearei um por um.
A família da minha amiga é super sociável, bonita, bem sucedida; os pais dela lustram o casamento; semanalmente eles se reúnem para fazer rituais religiosos... E impedem que uma pessoa que lhes serve tenha acesso à geladeira. Fazem-no, não em nome de um jejum hindu; fazem-no porque são a dissonância entre vida e Justiça.
Sabrina fazia tanta acrobacia para comprar toda a gratuidade da vida (água, frutas, leite, verduras, legumes, carnes): trabalhava em uma padaria de acordo com o fôlego dos céus e, ao sair do serviço, era submetida a eloqüentes desconfianças do patrão – verdadeiro detector vivo de possíveis furtos. Sabrina era trabalhadora com status de bandido. E não sei que destino teve essa lembrança que, vez por outra, vinha-me como semáforo de indignação.
Tantas circunstâncias são verdadeiros palanques à linguagem da Justiça. Tantas vezes, nas casas humanas, há quartos disponíveis à Justiça. Mas preferem enchê-los com as quinquilharias da vaidade, da prepotência, do orgulho.

27 de maio de 2006

T-E-C-N-I-C-I-S-T-A

ESTE TEXTO NASCEU DE UM SUSPIRO TRANSCENDENTE DE JOÃO FELLET

Calma! É preciso, primeiramente, investigar se a fileira das letras está em linha reta. Escrever demanda anos e anos de estudo. Uma idéia estendida em palavra não representa Nada. Uma idéia que se depura no processo gramatical, no entanto, é arte. Isso sim é arte!
Raquel era o cume da clausura. Sua consciência – ingenuamente pretensiosa – inclinava-se às máximas já prontas; às convenções do Mundo.
Para a rapariga, “arte” equivalia à perfeição no manuseio da técnica. Dou-lhe outro nome: profissionalismo. Arte, a genuína arte é a brincadeira de elásticos, são os hipérbatos que se fazem com a soberba inerente às técnicas.
Para explanar seu idioma é imprescindível graduar-se em Letras, ler concentradamente e guiado por críticas e críticas todos os clássicos recomendados; ainda que não haja harmonia entre o leitor e a coisa lida, é preciso condicionar-se ao gosto por essa linhagem de Literatura. Tudo é questão de condicionamento. Só o Tempo para ajeitar suas acomodações.
Olhos esquizofrênicos, anestesia à tônica do Vital. Desreflexo. Inibição da extensão da vida – legítima arte.
Raquel abstinha-se do deguste “Fenômeno – Vida” em prol de um maçante ritual do Postiço que não condizia com o enorme dessentido que é a bússola da existência.
Pode-se lhe extrair a pureza, uma Floresta Amazônica de pureza.

Síndrome da mendicância?

No sinal. Desempenhando o status de transeunte. Maltrapilho pelos cantos. A carne viva estendida em chão morto, frio. Etíopes brasileiros. Semblantes insistentes: há sempre, a encobrir o rosto dos sem teto, uma aura de profundo dessentido.
Àqueles que vivem sob a bússola da civilização a vida já pesa. Casas, “estátuas e cofres e paredes pintadas” são cadáveres que ganham animação das mãos dos bichos humanos. Mas essa parafernália não os sacia, não os preenche em se tratando das carências do cerne. Apenas lhes lustra a vaidade – esta, fugaz feito o segundo que já se cimentou em pretérito.
Os indivíduos que têm como patrimônio exclusivamente o corpo ficam à mercê das intempéries da Natureza: e os anticorpos ao frio? À chuva? Ao excessivo calor do Calor do Brasil? Os moradores de rua são a palavra “mártir” possante, em quinta marcha. Não sucumbem às rebeldias do Cosmos, porque desenvolveram força de pilastra que sustenta residências.
Os mendigos creditam fé em cada pedido feito a um desconhecido qualquer. A única religião, a única dieta de sobrevivência deles é a incansável tentativa de sobrevivência. Para isto, contam integralmente com a filantropia alheia.
A seta do fatal parece que os condicionou (os mendigos) a uma estática sensação de derrota; parece que lhes mutilou a alma e os alienou das propostas de se reerguerem.
Grande parte da sociedade analisa-os quanto à carne fria, crua. Não perscruta o contexto em que esses objetos vitais vivem. Por isso, tantas vezes, despreza-os e não lhes cede um sorriso; um gesto sequer.
A esmola é um ato altruísta que promove um bem bilateral: quem a recebe fica em dia com a vida e quem a doa sente-se pleno; útil. E dar esmolas não se restringe a mega - doações terceirizadas; o tesouro de ajudar alguém se fixa no face a face, na troca de auxílios, afetos e pi-e-da-de.

A você, isento da burocracia de nome e de sobrenome

O nome é burocracia de nascença. O nome que se escolhe é um sobretudo, desnecessário aos verões brasileiros. A carne viva é única, incomparável, tem suas próprias peculiaridades que dispensam batismos, porque são óbvias a olhos lúcidos.
Nome? Para quê? Para dificultar ainda mais o novelo macio que se pode formar a partir das coincidências humanas? A estética singular de cada condição humana é mais potente que um tênue papel de R.G..
É a você – negrinho meigo, já meio seqüelado pelos martelos do Fatal – que dedico esta prosa.
...
Nunca o havia visto. São tantas vitrines de vida com que cruzo... Todos os dias alguém – a quem, geralmente, dou um codinome – penetra-me. Às vezes, essa novidade permanece a temporada de um paliativo em nossas veias; outras vezes, no entanto, como um sério tratamento alopata, certas caras e bocas e gestos e o resto impregnam-se em meu sentimentalismo. A ornamentação deste já alcança o esboço do exagero. Mas, nada posso fazer em prol de uma faxina estética, porque o sentimento é-me outorgado.
Fiquei a perscrutá-lo ali, do lado de fora do pub, sem referências, tendo como único patrimônio unicamente a sua vida. Sua moeda é rejeitada pela nossa moeda. Portanto: o bar é impermeável a você. Mas, isso não o impediu de dançar e de sorrir sem o empenho dos dentes na íntegra. Você beliscava o som possante que emanava do lado de dentro da boate e se satisfazia com as balbuciadas sonoras. Degustava restos de claves de sol e os transferia à flexibilidade – já censurada pelo Tempo.
Seu semáforo sugeriu-me plenitude... Correta entrega ao despropósito da Vida. Deu-me vontade de abraçá-lo, oh! Criatura suave feito epidermes de bebezinhos. Deu-me vontade de abraçar Você.

Lei da Gravidade

“Lei da Gravidade”. Indiscutível. Já foi pensada pelo magnífico Isaac Newton... Memórias já amareladas pela eternidade do Tempo. Não se pensa a grandiosidade que embrulha as máximas que vão virando convenções e, de repente, tornam-se tão imperceptíveis como o ar.
Pesquisa-se acerca da gravidade. Insiste-se na idolatria ostensiva ao Físico (respeitável, claro), mas não se sente a esperteza e a íntegra condição de alerta em que se posiciona o Fatal... O tão presente e incompreensível fatal.
A Vida está viva a todo Tempo. Perante qualquer descuido, os dedinhos foragidos da Terra exibem suas forças, suas potências, suas eficácias, suas velocidades.
...
Lya cumpria seu ritual de “chegar-à-casa-dela-e-lavar-o-rosto-e-secá-lo-com-uma-toalhinha-fiel-a-sua-face”. A toalhinha passava o dia estendida sobre uma madeira da janela do quarto da mulher – metódica com demasia. Havia-lhe (à toalhinha) frestas de madeira que permitiam que baforadas leves de vento sugassem a umidade daquele pedacinho de pano tão solitário.
O que desafiava a tendência ao infindável quedar cósmico era uma estatueta pequena, embora pesada, de um sapo. Caso ela não existisse, a toalha seria rebaixada a tapete.
Por uma distração qualquer, Lya levantou o sapinho; a Natureza – vigorosa- exibiu-se na descida selvagem da toalha.
Lya encantou-se, não sei por que, pela presença incansável do Tempo em sua vidinha redundante. A vida é uma inquieta vaidade, pensou.

26 de maio de 2006

Pesos e Medidas

ESTE É DEDICADO A TODA DISSONÂNCIA QUE ENCOBRE AS PODEROSAS E INCESSANTES RIVALIDADES ENTRE O CORPO E A ALMA

A questão é que a elaboração do orgânico foi mal feita. A matéria humana nunca comporta a extensão ou o peso ou a potência ou a velocidade com que surge o sentimento. Bafinhos de saudade são fortes o suficiente para fazer com que a carne desmorone. E o itinerário por que transitam os sentimentos fica obstruído, plenamente obstruído por qualquer esboço oriundo da casa do Sentimentalismo.

25 de maio de 2006

A Saint-Exupéry

ESTE TEXTO É DEDICADO A MÁRIO CLÁUDIO FELLET FILHO, UMA EXISTÊNCIA EMPERIQUITADA PELO FENOMENAL.

Primeiramente, obrigada! Muito obrigada! Prefiro esse reconhecimento de destinatário subliminar a receber a fileira seca do meu nome lá – frio, como sepultura.
Sempre hesitei nas minhas empreitadas oriundas do sentimentalismo que lustro pelo meu pai. Dava os primeiros passos despudoradamente, unia as letras a todo meu Amor por ele, mas jamais consegui atingir uma moda perfeita ao espectro desse homem fantástico: Mario Cláudio.
O grande farol inconsciente do Mundo se distraiu e se esqueceu de alterar a aura de Marinho (aqui em casa, a gente sempre infringe as regras empertigadas do papel e elege um codinome às pessoas): ele permanece agigantado pelo Tempo, com o orgânico condizente com sua faixa etária, com os cabelos já isentos de cor. Embora transporte todo o fenomenal filete de não sei o quê que abocanha as impúberes criaturas.
Mario abusa de um dos semblantes naturais que detém: escancara a felicidade que tem de viver, codificando-a com um enorme e perfeito sorrido cujo embrião é um dos cômodos do âmago. Ele (Marinho) nos traz, amiúde, um cesto desmaterializado de boas novas; as cascas dos frutos que contêm nesse cesto são sempre plenos sorrisos e dores abdominais como conseqüência do excesso de risadas (sim, porque nunca se pode abusar das oferendas da Natureza).
Mario Cláudio é a integridade do Pequeno Príncipe. É um vastíssimo tesouro. Tê-lo como vizinhança é extraordinário, porque, vira e mexe ele invade minhas dependências.

24 de maio de 2006

Sofia

Parece que os pais previram a tendência que aquele objeto vital seguiria. Batizaram-na de Sofia – letreiro que faz jus à sabedoria, à cultura, à erudição, à esperteza. Sofia foi sendo desenvolvida de acordo com a coreografia do Fatal. Foi tornando-se cupim de livros que lhe mexiam o ego. Era demasiadamente egocêntrica. Escondia-se na indumentária natural que lhe fora cedida. Vivia sob as mãos da clausura.
Festas, eventos sociais, mutirão de gentes opinando sobre qualquer coisa, parques plenos de artesanatos dinâmicos perante faixas etárias diferentes a repeliam. Ela se entrosava perfeitamente com as oportunidades que emanavam da solidão.
Malgrado seus vinte e dois anos, ainda não havia beijado uma boca sequer. Não a sou para dizer: “é falta de vontade”; “é timidez”; “é frigidez”. Sofia é uma metonímia do Mundo: dissimula uma gigante verdade. Não sei de sua inclinação sexual. Nunca a vi pretensiosa, apelando a ferramentas que emperiquitam a fêmea no momento em que esta cobiça um macho.
Vive aos cantos – com seus espessos cabelos negros e lisos e em grande quantidade. Perscruta a Vida usando do mesmo semblante para fazê-lo. Não se sabe quando está feliz, triste, insípida, plena. Cobre-se com vestimentas sem notoriedade. É uma estampa opaca e clichê... Embora carregue uma desmedida vida interiorana. Pesa-lhe esta.
É praticamente impermeável às oferendas dos seres humanos. Prefere prender-se à aura de cercas elétricas que criou a abrir as próprias janelas a aragens estrangeiras.

23 de maio de 2006

Lolitas Cândidas

Não se sabe em que marcha comporta-se o Tempo durante os artesanatos humanos em épocas de juventude. Desconhece-se uma mocinha sequer que não tricotou ficções libidinosas, amorosas, afetuosas enfim cujo destinatário era um professor.
As meninas – entre 12 e 20 anos – geralmente, baforam um círculo de Amor no qual se inclui um professor. As mais carnívoras encantam-se por aqueles cuja estética remete-as aos belíssimos mitos gregos. A beleza das incipientes belezas das incipientes civilizações é poste de luz em nossas consciências. A nossa epiderme se pronuncia eloqüente, imponente, perante o belo. A alma abstém-se por inteiro e por fugazes segundos.
O professor, em sua indumentária natural, em meio a seus arquivos, diante do talhe de sua letra, à mercê da própria oratória, eloqüência, didática... Persuade, ainda que involuntariamente, as alunas: do âmago saem mensagens subliminares: “tenho uma habilidade especial me cedida pela Terra; guardo um segredo afrodisíaco e censurado pelas cláusulas de uma Escola”. Isso as encanta. Esse tipo de mestre – misterioso, de fluência vocabular atiça a paixão das sensíveis carnavalescas que têm imensa fé em amores utópicos.
Existem, em todos os continentes que compõem o Globo, Lolitas e mais Lolitas. Os corredores de escolas emanam não simplesmente cartazes elaborados por alunos, mas sopram a qualquer pessoa o constrangimento de uma libido proibida e, por isso, freneticamente censurada pelo indivíduo que é ditatoriamente incumbido de sintetizar o prazer; o prazer do falo.

Métodos

Estou empanturrada dos meus métodos,
Das setas a que o Mundo me induz.
Tudo vai mal...
Coquetel contra os as artrites dos dedos cósmicos.

O amor já é cimentado de sofrimento,
À dor já possui paliativos,
A vida é anticorpo à Vida.

A masturbação é alienante,
Porém,
Quando a sente,
Já se é pretérito.

Precisa comer melhor!
Precisa de um namorado!
Precisa se alegrar!
A vida é bela!

A Vida é a integridade do desrespeito.
Nada sei de minhas próprias habilidades,
É tudo outorgado.
A maior das ditaduras que existiram,
E que chocaram toda a estirpe humana.

Viver... Despropósito.
Cansei dos métodos,
Dos passos que amiúde me põem lá e me trazem a cá,
Das medidas e dos ajustes do alfaiate,
De amar cafajestes,
De acreditar nas minhas tolas ficções
Do amor que emana de mamãe.

À Sandy

FAZENDO MÍMICAS DA DICÇÃO DE FERNANDA YOUNG, DEDICO ESTE TRICÔ À SANDY; À SAAAANDY, DA DUPLINHA CAMALEOA

Sandy poderia ser inanimada, afinal é uma linda boneca esteticamente perfeita. O rosto da menina é oriundo de tremenda generosidade das mãos foragidas do Cosmos. O artesanato – Sandy é fulgurante. De fora para dentro, opa! Antes de entrar, muita cautela. De fora para dentro, fica tudo OK.
Mas, e o mundinho interiorano? Reunião freqüente de materiais de limpeza para lhe lustrar o ego, a vaidade. A virgindade. Esta, explanada por qualquer boca desconhecida me remete à estatueta que se criou à castidade da cantorazinha que é refém das tendências do Universo – cujo codinome atual é “Pós – Moderno”.
Desculpe-me, Sandy, mas sua virgindade já habita terrenos da ficção. Ainda que não tenha havido a materialização de sua cópula, todas as bocas desse Brasil colossal penetram-lhe devido a sua pureza. Assista a mais aulas de química, menina. Aprenda a se misturar com as oferendas do Mundo.
São penetrações simultâneas de emanações que têm como combustível sua vocação para santidade.
A cada conclusão de tempo há a você um possante penetrar. E você é usada, consumida feito alimentos de fast-food. E a cópula da alma é muito mais potente, repercute extensamente em relação à cópula orgânica.

22 de maio de 2006

Berçário

A seta do fatal poderia me emperiquitar como noz. Eu viveria à mercê de bocas requintadas no continente europeu. Seria chique ser noz. Talvez servisse de pretexto para cartões postais que levam vida de nômade. Circulam o Mundo em uma grande empolgação. E sem preços... Por investimentos de mãos desconhecidas.
A Vida poderia eleger-me tantas modas; afinal, o Mundo é um banquete colossal de belezas, feiúras, tristezas, felicidades súbitas. Quem sabe eu não fosse uma sensação fúnebre, de vida aguda e fugaz, que se manifesta em um parente distante de um defunto fresco. Ou uma única empreitada em um vendaval que rebola cabelos, roupas do varal, derruba lindos vasos cuidados por velhinhos depressivos e sem cobiças na vida.
A Vida foi-me justa. Investiu esta peça de jogos de continentes no Brasil que, malgrado ter sido batizado de país, detém o status de Mundo. Aqui tem excesso de purpurinas e confetes, etnias que se inauguram devido a envolvimentos entre cores e cores, gestos e gestos, gente do mesmo sexo. Sair a peregrinar pelas ruas do Brasil é a melhor alopatia antidepressiva. O Brasil me comove com suas carências, me revolta com certas desregras, me emociona com os mahatmas que se incorporaram aqui. Nestes terrenos versáteis, de semblantes distintos e belos.
Brasil, é em Você que meus pés flutuam, que esparramo minhas tristezas e você as engole sem revides. É de você que fisgo minhas felicidades, ainda que raras, possantes; transcendentes. Brasil... Saio e o vejo flexionado em preto, bem preto; branco, bem branco; gringo preferindo dar as próprias marchas aqui. Vira-latas esperançosos. Vejo muito sofrimento em você, meu Berço. Vejo martírio estendido em corpo de mendigos que não sucumbem por conta das alquimias que fizeram com o álcool.
Você, Brasil, causa-me cólicas... Alopatias à alma são ineficazes. Fico com ecos e ecos de dores de alma. Mas a sua tônica está na arcada escancarada e incessante dos entregadores de pizza, dos correios, dos caixas de supermercado, dos lixeiros, dos professores. Há sempre, claro, aqueles encostos materializados... Que não nos aludem a lugar algum. Se nascessem na Europa ou na África seriam a idêntica e cansativa insipidez.
Brasil, adoro suas caras e bocas e gestos e gingas e seus domingos e suas ruas com baforadas lúdicas.

20 de maio de 2006

Sr. Pênis

ESTE TEXTO É DEDICADO A TODOS OS PÊNIS QUE ME SÃO CONTEMPORÂNEOS.
Ainda não o conheço pessoalmente. Seu semblante, sua aura, seu genuíno formato me são gringos. Sei de você através de um monte de mediações; daí dá para se saber somente a condição paralítica da sua vida, não é mesmo?
Esta minha ignorância de você ganha tanta repercussão. Enfiando a razão no balde de lógicas, sei por que é que isso acontece; é que, garotas da minha faixa etária já se entrosaram bem, muito bem, muitíssimo bem com o Sr. E eu não lhe sei. Fazem panfletos e panfletos da minha condição de celibatária, montam palanques para divulgar – explorando todos os sentidos alheios – a minha virgindade. Quanta polêmica tem minha pureza. É raro ser puro? É tesouro do Cosmos?
Refiro-me respeitosamente a você, chamando-o de “senhor”, porque, afinal, a gente não possui intimidade. E minhas instruções foram rígidas, ainda que válidas. Muito válidas. Potes de mel é que mantêm a minha união com meus pais.
Vejo-o em homenagens ao Detran: setas à direita, setas à esquerda... Vejo-o como um apêndice que demanda ser extirpado... Vejo-o com asco. Tenho um pouco de medo do senhor. Vidas possantes, geralmente, são temíveis, não é?!
O equipamento dos homens é o paradoxo do instrumento involuntariamente constrangido das mulheres. Ele (o falo) sugere poder, patrimônio tombado, eternidade. E ela (a vagina) é low profile, dissimulada... Tem vergonha de existir.
Um dia, peregrinando suavemente, falarei a você Falo. Sem pressas, sem avidez! Porque me inclino a sensibilidades; e sensações são secundárias nestas minhas dependências. Apesar de MUITO bem vindas.

18 de maio de 2006

Amor estendido em Natureza Morta

Havia tempos que Maria Eugênia não era abocanhada pelas mandíbulas do Amor. Sempre que isso lhe acontecia, uma sabotagem doloridíssima à sua alma se pronunciava despudoradamente. Geninha (apelido que lhe era manta desde a infância) sofria cronicamente da sensação negativa que emana do “apaixonar-se”.
Desta vez, o Amor era-lhe um risco. O objeto - vivo – alvo de todo um sentimento emperiquitado pelos dedinhos do Cosmos, era a íntegra repugnância à família da garota. A menina – que se esparramava na Literatura como forma de transcender as intempéries mundanas – lembrou-se de Shakespeare. Lembrou-se da aguda aragem que se expandia ao coração de Romeu e de Julieta. E pensou em se abreviar. Insistia em “que eu seja breve”. Não tinha fé. Pensava que viver era uma mísera marcha do Fatal e que, com a morte, de repente, se “deXiste” e, conseqüentemente, dessente todo o martírio que é a base do tricô do Mundo.
O amor unilateral sofria potentemente, porque o soletrar de seu remetente era sentido a cada esboço da caneta peregrinando lenta e tristemente sobre a planície do papel e a não resposta desse amor gerava um eco de mesquinhez, sofrimento, morte de todos os sentidos. O túnel gutural estava obstruído por uma pedra que impedia a passagem de qualquer outra estirpe de sentimento. O palanque e o amplificador disponíveis eram a Tristeza; a tristeza-cutícula que a acompanhava de nascença e a Tristeza embrionária daquele amor cuja receita era um bônus de sentimentalismos e um pouco de tempero carnal; voluptuoso.
O morto-amor estava vivo, ereto, inteligível e, no entanto, indigesto.
Por causa dos relevos instantâneos que se amontoavam e, de repente, apossavam-se da garganta de Maria Eugênia. O tempo é pássaro. E o usucapião dessas montanhas cimentou-se no orgânico e na alma; na tão problemática alma de Geninha.
Ah! Geninha, a Vida parece a todos tão simples, tão preenchida e plena, tão regozijante. Mas a ti, doçura, corrói. São sessões exaustivas de quimioterapia. Esta, no entanto, só afeta os integrantes sadios da sua casinha. Tu sais sempre moribunda das sessões de submissão à Terra. Mas a terra irá aliviar-te de todo mal. Daqui a pouco a inchada fatal te fisga deste Mundo que demanda avanços da Medicina para ser suportável.

16 de maio de 2006

Apêndice

ESTE TEXTO É UMA PEQUENA HOMENAGEM A UMA PESSOA DEMASIADAMENTE ESPECIAL A MINHA VIDA: RODS.

No primeiro dia de aula na faculdade de Jornalismo, os calouros receberam um trote (isto não é nenhuma surpresa; já foi cimentado e eleito estátua pelo vigente). Quem lhes passou o engano foi um rapaz do segundo período, todo empedernido, vaidoso e baforando um sentimento de “sou onipotente diante de vocês, seus embriões ignorantes do regime de uma Universidade”. Ele travestiu-se de professor severo e menosprezou com enorme aspereza cada indivíduo que estava ali temendo o novo, impregnado de expectativas.
O rapaz fez-se de popular, mas, na verdade, é um tanto quanto impermeável ao novo. Foram raras as vezes, por exemplo, que, ao cruzar com os novatos na faculdade, ele os cumprimentou. Ele transitava pelas dependências da escola como um militar que acredita que a seriedade e a severidade são as setas essenciais para se conduzir bem a vida.
Isso tudo se tornou pretexto para piada de Eduardo, Rodolfo e Carolina (amigos que se perceberam afins com uma quantidade de tempo muito pequena de entrosamento).
Ouviam-se comentários do tipo:
-Lá vem aquele antipático!
-Ao “sabe-tudo”.
-Esse menino nunca mais me cumprimentou; ele parecia-me tão amável, tão desprendido, descolado. Vai entender!
O ápice da chacota surgiu quando, num dia comum, como o ar a que o dia-a-dia fica submetido, Rodolfo – o fofoqueiro-mor, o humorista-mor explanou instantaneamente, sem muito contar com as marchas da razão:
-Quem é aquele apêndice?
O apêndice era um garoto cuja metragem não condiz muito bem com a espécie humana. E o “doutor-onipotente” que nos passara o trote era também um desleixo do Cosmos: era altinho, rechonchudo e mal-humorado. Aqueles dois ali, juntos, cutícula do outro, sugeriam gargalhadas colossais a nosso mundinho interiorano.
“Apêndice” tornou-se nosso jargão a tudo que nos é inconveniente, a tudo que desequilibra – ainda que minimamente – dos padrões. Carolina, Eduardo e Rodolfo batizaram um monte de acontecimento mundano de “Apêndice”.
E assim esse trio faz o tempo ser menos entediante... Com suas palhaçadas sem maldade, com o ato de enfiar a cabeça no banal e voltar de lá cheio de novidades.

Agenda

Agenda para marcação de antecipações de céus. Quanta pretensão programar “n” compromissos estando desprevenido aos súbitos pronunciamentos do Cosmos.
A agenda é uma enorme ousadia. É a crença na Vida e a íntegra fidelidade a ela. É empertigar-se perante a existência.

13 de maio de 2006

Inutilidades: anticorpos ao tédio de se existir

Depois de muito perscrutar-se, Anne enveredou a caminhos de masoquismo supremo. Os sentimentos que lhe eram inerentes desempenhavam uma notoriedade exageradamente maior do que o orgânico que, aos poucos, vai se auto devorando. A Vida negando a Vida. Os objetos passaram a ser envoltos por uma aura de sensibilidade – hegemônica. Cada traço vital afetava o túnel de Anne. E as lágrimas disponibilizadas a ela pelo Cosmos eram infindáveis. Todos os dias havia uma circunstância (às vezes banal, às vezes mais consistente) que lhe trazia crua uma tristeza sem pistas. Tristezas consolidando-se na potência e fraqueza que as lágrimas causam.
Procurou tratamentos... Homeopatia, Ioga, Divã, Desabrochando à mamãe, isto, isso, aquilo... Alopatia. Apoiou-se na tão repugnante alopatia. Nos vícios, nas drogas que são essas cocaínas travestidas de tarjas-pretas. Mas está melhor... Tem feito jus ao status de transeunte que lhe fora fadado. Passa. Vê. Diverte-se com um tropeço de uma vida despreparada para a Vida. Acha puro tropeçar, trocar os nomes, esquecer o trivial da lista de compras. Anne está em processo de ressurreição.
Saiu à rua com sua irmã Paula e ambas foram às compras... Ambas obtiveram orgasmos com as compras. Mas o parceiro depois se dilui num outro pensamento qualquer. Vida natural e Vida artificial não têm final feliz. A cópula é muito rápida. A cópula é impessoal demais para surtir ecos. Anne ainda não se entrosou com as máquinas. A espontaneidade com uma secretária eletrônica é-lhe quase inviável. Ela sente-se perante uma rocha frouxa. E esta é a única mão que a impede (Anne) de quedar e culminar no último suspiro do Fatal. O pulso aciona a quinta marcha, o coração ocorre-lhe como sessões exaustivas de sexo.
Talvez, a futilidade incessante salvasse Anne das próprias intempéries. Mas depois de engolir cada vida inanimada, ela cai, ela cai de cara... A face da alma fica mutilada. E a cura de ferimentos do cerne é infinitamente mais lenta que a cura do artesanato. Há muito enxerto disponível no Nada.

10 de maio de 2006

Pós – festa

A gente se entrosou legal no ínterim da festa. O som – ainda que não estivesse dos melhores – embalou minha morada, incrementou minha alma e me satisfez enfim. Satisfação fugaz. Como qualquer coisa boa da vida. Os meninos estavam encobertos pelas suas belezas inerentes e ajeitados com roupas que lhes garantiram um bônus de lindeza. Três a minha espera. A única fêmea. A única feminina. Adoro o Universo dos intitulados paradoxos, mas que são, na verdade, emendas triviais ao “estar-bem”.
Adoro estar com os meninos... Adoro Casas inacabadas por dentro ou casas que emanam propagandas enganosas também.
Dançamos. Muito. Sob um frio natural de não sei quantos graus, mas a gente se abanava de calor. Por que o corpo em movimento infringe o a bandeira levantada pelo frio? Biólogos e cientistas têm milhões de teses em defesa... É que com o movimento dos corpos há a síntese de uma substância que produz um efeito contrário à temperatura ambiente. Isso é chute. Não sei da explicação que eles dão a esse fenômeno. Não me simpatizo com as máximas dos cientistas e biólogos e afins. Cismam entender o mundo. Conseguiram detectar de que é feita a mistura o corpo humano: água, oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono, cloro, iodo, enxofre, fósforo. Mas e a água? E a os outros componentes? Eles vêm de onde? (Estou como criança chata: “Mas por quê?”). Batizam os artesanatos concluídos. Vai fazer a mistura de que eles se empombam ao falar. A receita, em seu processo lento, é de espantar... Culmina em uma miscelânea de não sei o quê. No Pós-Moderno poderia ser até nomeada de “arte moderna”. Para mim, no entanto, equivale a um lamaçal mecânico.
Dando uma pequena ré: voltemos à festa!
Uma senhorita, louca devido a monitorias de alopatias misturadas, enveredou a um dos meus amigos. Agarrou-o, beijava-o freneticamente, dançava como fêmea encarapuçando-se de iniciativas (naturalmente concedidas aos homens). Eu infrinjo a Natureza; e como! Foi uma dança voluptuosa... Que emanava libidos e libidos que pegavam fôlego em olhos alheios e se estendiam a todo corpo promovendo uma eletricidade enorme nos observadores da cena.
Isso foi o fato mais relevante da noite.
Mas o melhor da festa foi a pós-festa.
Todos os circos se concentraram no meu mundo interiorano: ri, ri como há muito não fazia.
Primeiro porque meus amigos decidiram estender a extravasada em uma lanchonete... Meus pezinhos, moribundos por conta dos passos de minhas danças desengonçadas e brutas, peregrinaram por boa parte da Avenida Rio Branco e ótima parte da Avenida Independência. Pelo itinerário... Surpresas. As surpresas já estão se tornando previsíveis à minha vida... Quando saio com meus amigos-amores, as surpresas são infalíveis. Ainda que eu possa prevê-las, não sei com que cara elas se apresentarão a mim. E é este o legal disso tudo.
Dessa vez houve duas surpresas.
Uma Kombi vinha relutando com seus trajes maltrapilhos pela Avenida Independência. Em seu interior havia cachos e cachos de bananas e pencas e pencas de crianças. As formas vitais estavam tão juntas que se confundiam. Confundiam-se tanto a ponto de um de meus amigos me perguntar: “Carol, aquilo é uma banana ou um menino?”. Agachei de rir. Ri com todos os pacotes de confete que estavam enclausurados em um dos meus armários internos. Depois, na contramão da nossa peregrinação, vinha vindo um senhor e, o meu amigo (o mesmo que hesitava quanto à identidade do objeto vital que estava dentro da Kombi) com uma musicalidade de seriedade irônica explanou: “Um bom dia para o senhor” e continuou dando passos normalmente, empertigados propositadamente. Eu, vendo a cena, mergulhei em meus confetes...
Foi carnaval! É isso que chamo de carnaval. A verdadeira alegria sem acréscimos de drogas, sexos e excessos. A alegria cósmica a que se pode chegar.

7 de maio de 2006

Orkut

A vida insiste na mesma. Cada um com suas hesitações, excitações, frustrações, alegrias, infelicidades inerentes e segurando firme isso tudo com os instrumentos de que dispõe. E estes são arcaicos, nada tecnológicos, nada eficazes. Demandam potência nos músculos do âmago. E, infelizmente: agüente quem conseguir, salve – se quem puder.
Um transeunte me habita os olhos e eu, por detrás dos vidros do carro, imagino – o com suas inquietudes – cutículas a persegui-lo. E ele não me é nada. Nunca me foi nada. Ele possui grandezas, idéias nobres, talentos especiais. Mas tudo isso fica nos bastidores do grande evento que é o dia-a-dia: uma emenda e tanto.
Penso – lhe a carência. A impermeabilidade à notoriedade. Todos demandamos um minuto de boa repercussão, de má repercussão ou da depurada repercussão simplesmente. Todos demandamos um entrelace com quem pousa, ainda que por míseros momentos, a nossa volta.
Os talentos de escritores, oradores, desenhistas, vendedores, motoristas, dentistas, médicos, advogados,,, ,,, ,,, Não encontram pleno reconhecimento na própria alma. A alma se estende de satisfação quando se tem consciência das habilidades que cada um detém, mas a alma, tão necessitada de mais e mais de não sei o quê, precisa de outras almas espontâneas a reconhecê-la. Um vernissage é o cume da ausência de auto-suficiência. O propósito é que vejam e que se encantem com o bônus de habilidades que aparentemente difere uma pessoa da outra.
Estampar-se, escancarar-se alivia a solidão de ter todo um repertório ajeitado e cedido pelo Cosmos enclausurado numa única razão. Exibir-se é a forma de se viver sob o regime semi-aberto.

Uma virgem sussurrando a um amigo:

- Muito boa sorte; goze até a morte.

6 de maio de 2006

Pálpebras seladas do futuro

Não queria antecipações. Gozo os trajes. Visto-me. Experimento a mesma peça com outra peça. Ensaio oratórias – faço um supletivo de oratória – quero uma musicalidade interessante e falsamente despretensiosa no momento do crime. Crime de predadores. Amanhã desenrolarei meus papéis. Ficarei à mostra. Estampada pela aragem que emana da alma.

5 de maio de 2006

Receita Humana

O livro amarelado e antiqüíssimo
Permanece sob a guarda de mãos clandestinas...
Mas especulo o banquete das epidermes de Deus.

De todo vital ofertado - verdadeiro truque de mágico -
Inclino-me à receita humana,
A esta recepção de Mundo cheia de requinte.

Caso não houvesse o fôlego das consciências,
O Mundo sucumbiria à própria carência:
Haveria monólogos sem ouvintes,
Ecos ensurdecedores.

Benditas receitas humanas
Que gozam do status das frutas,
Dos céus, das fragrâncias...
Que gozam das destrezas da Vida.

A vida humana - com seu bônus de talentos -
Faz mímicas da Vida:
Avião, incenso, obra-prima...
Instrumento musical...
Boneca... Casinha.

Tento captar o truque do mágico
(trabalho incansável este)
Um dia ele ainda me escapa
Suas mãos foragidas.

4 de maio de 2006

Vicissitudes (parte 2)

Depressão. Alma com noventa graus de inclinação a idéias de findar-se propositadamente. Carina era jovem demais para ter agudo o banquete de sentimentos disponíveis à condição humana. Quando era alegre, era a potência de todos os apetrechos que nos remetem à felicidade... Quando era triste, era o coquetel de enfermo e a aura de um hospital emperiquitado por todas as estirpes de doença.
Comunicou à mãe do sofrimento sem remetentes. Chorou. Pensou no “dexistir” de Virginia, de Ana Cristina. Fincava todas as suas esperanças no dessentido do Mundo. Como a narradora é redundante. Ou são as vidas que se coincidem? Ou são os mundos que se correspondem?
A mãe, preocupadíssima com a agressividade que encarapuçou toda a doçura de Carina, levou-a ao médico. Um cacho de remédios... Pazes com o relógio. Hora certa a tudo. Tomar remédio antes de... Depois de... Entre... No final da... No início de...
A menina, temida com as seqüelas das alopatias, optou pelo tratamento com homeopatia. Se houve efeitos, todo o corpo esteve cego, frígido. Lutou... Apelou para religiões... Manteve contatos desesperadores com deuses... ... ... ... ... Passaram-se seis meses e, morando em condomínio de horrores, Carina decidiu apelar para alopatias. Voltou o esquema esboçado e sugerido pelo homeopata. Remédio, remédio, remédio, remédio.
Ela agora está ressuscitando. Parece que voltou a encobrir o Mundo com seus devaneios e incrementar a ignorância com a arte de escrever.

1 de maio de 2006

Aleijo

Pâmela era a terceira filha do casal. O impacto da carapuça de pai e mãe não foi tão grande na época de seu nascimento. Antes dela já havia Marcelo e Tatiana.
Como quase tudo que ganha notoriedade à consciência, Pâmela não representava surpresas. A Vida – tão complexa e ininteligível – dilui-se no povoado do óbvio que prospera em nossa consciência. Até mesmo os exageros do Mundo culminam no comum.
Pâmela era tão comum como o processo diário e incansável do tingimento do céu. E a Vida era-lhe insípida como a beleza de lindas rosas que são belas devido a uma seta outorgada do Fatal.
“Existir o tempo todo”; “ser incessantemente um gerúndio” a esgotava, a maltratava.
A família da menina era acomodada, rica, bonita... ... ... Mas a caçula, desde que tomara consciência da própria existência, hesitava entre as seduções da felicidade e da infelicidade.
Pâmela peregrinava por transcendentes instantes de volúpia... Pâmela repousava sua alma – na íntegra – em horas de desespero.
No último final de semana de junho de 2006, sob a aura do povoado da Tristeza, Pâmela sucumbiu: matou-se com o lençol com que dividira a noite.
A família ficou mutilada. A alma lhes é um aleijo trabalhoso de ser carregado.