Total de visualizações de página

30 de setembro de 2006

Prisão Perpétua

Mais uma vez fui ao tribunal. As Themis humanizadas e estrábicas me levaram a um júri. Sem que eu soubesse, um segredinho com más intenções tomou impulso em uma goela e atirou-se à consciência alheia, tomou impulso nesta goela e atirou-se a uma outra consciência... De repente, o segredinho ganhou dimensões de uma verdade rígida.
Ela leu um fragmento de um poeta europeu radicado na América do Norte, que viveu o ínterim da década de trinta.
Não é a primeira vez que me acusam de plágio. A primeira vez foi um tanto quanto interessante. Irei contar-lhes.
O rapazinho que me acusou disse que eu havia copiado o trecho de um livro que eu nunca li. Com minhas bases empíricas, ciente das repetições que a Natureza faz, pensei: quem sabe o canal de percepção entre mim e a autora do livro que nunca li seja o mesmo? Quem sabe sou a nova safra dessa escritora morta? Listei hipóteses e terminei meu ritual em meio a gargalhadas. Sim, porque considero meu pincel um tanto quanto egoísta. A arte é egoísta. Se eu fosse uma prostituta de escritos, provavelmente, eu faria plágios e plágios de escritores obscuros dos silêncios e meditações da Índia. Ganharia muito dinheiro, status, poder, estátuas. Minha arte, no entanto, é uma forma de dar banquete a meu egoísmo, de socorrer as solidões desesperadas que me assolam, de me masturbar freneticamente.
Bom, desta vez, em um evento de arte, tive de fazer um textinho instantâneo. Como de costume, optei pelo duelo entre vida e morte. Disse exatamente: a vida me induz incessantemente ao crime. A vida é suicida. À medida que ela faz-se maciça de vida, mais se aproxima da derradeira goela da Fatalidade.
Um senhorzinho que se intitula escritor falou, empapuçado de certezas, a uma amiga artista plástica: achei lindo quando ela leu o fragmento do poeta europeu que foi radicado na América do Norte na década de trinta.
O senhorzinho é temido. Uma jovem de vinte e um anos não tem repertório e percepção de mundo suficientes para se entrosar com as baforadas da Metafísica. Num espirro, tratou de inventar um alguém ilustre a me representar. Comparações? Atchim! Querem sempre dar aos Nadas uma aura de Da Vinci, de Pessoa, de Gullar. Com a funda garantia de que não passamos de um nada que dá pulos que se fatigam e acabam sucumbindo.
Uma entidade Fernanda Young se introduziu em nesgas de disponibilidades em mim e estou aqui, não a reclamar, mas a espirrar consecutivamente sobre explanações deficientes que têm remetentes em meus congêneres.
Por hoje é só.

Celebração

Congêneres. Dissonâncias. Há de haver. Afinal, nos nossos entrosamentos, não existe maestro. Ali estávamos a bebericar a corda consistente de um R.G. possante que nos encobre. Dançávamos com um frenesi-espécie-rara. Regozijávamos a simples atitude de comungar a mesma ambiência. Nada melhor, àquele quilômetro de instante, senão a vida.
Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?
Isso surge no Pós-acontecimento.
Na lambada do encontro – incrementado com despudor súbito, muita música, gente e gente com a interseção da carência do mesmo Eterno – Analice beirou o prazer que não se agüenta transcender. A integridade do corpo passou a ser um grande clitóris, em que uma empreitada mais valiosa de ventos culminava em um orgasmo mirabolante. Tudo que lhe surgia desencadeava prazeres colossais, que faziam a eletricidade se alterar.

27 de setembro de 2006

Terapia de Casais

Recomendo-lhes, de antemão, que renovem – ainda que voluntária e forçadamente – as águas diariamente. O processamento é lento, custoso, sofrido. No entanto, viável.
Há de se destrinchar a própria sabedoria para se fazer prosperar um “nós” incipiente.
Que sua arte seja cuidar de flores; que a arte do outro seja observar-se com os parâmetros da própria delicadeza.
Gostar é um espelho individual em que o outro se vê a todo tempo. Gostar é deter alegorias que não lhe pertencem.

POR HOJE, ESTÃO DISPENSADOS.

Expediente: de segunda a sexta: das 9:00h às 11:30h/ das 14:00h às 18:30h

26 de setembro de 2006

Rato de Laboratório

Todos os anexos vitais foram pensados a partir do Amor. Ah! O Amor. Parece tão bonito. Parece desfilar as estéticas mais perfeitas dos sentimentos. O Amor é tão promissor. Seus novos tempos ficam estagnados na esperança. Ah! O Amor. À medida que se destrincha às consciências, dá a entender que é um componente imprescindível à conotação que emana do caos.
O Amor é o estopim do egoísmo. Quer-se o outro decalcado nas arcadas. Deseja-se salivar o outro. Ama-se o efeito que o outro desencadeia na própria linfa. Caso o efeito seja colocado em risco, imediatamente, descontrole. Não há pitadas de altruísmo em amor de casal. É estranho notar a capacidade outorgada de amar-se; amar-se com demasia.
Cobiço-o em seções. Há ares oriundos dele que me repelem. Amar é animar-se a um esporte radical e, na hora do salto, falhar. A Cohab que é construída prospera. As imediações se entrosam facilmente. Tudo é lindo e pleno nas dependências do camarim de minhas fantasias.
Quando transporto minhas fragrâncias à realidade: insipidez.
Perscruto os casais que andam pelas ruas, que saem para dançar, que vão a restaurantes. Provavelmente, pelo “nós” inconsistente, demandam um terceiro pretexto para que os encontros sejam tesouros: eu, você e muita gente dançando; eu, você e o telão de um cinema; eu, você e um rodízio de pizza; eu, você e um casal de amigos.
Adoraria me intrometer em uma relação budista, em que o silêncio culmina em safras e safras de um frenesi qualquer. O silêncio é sábio. Assuntos que dinamizam a inércia inerente ao mundo me repelem. Refiro-me à escassez de poesia. Refiro-me a plágios irretocáveis da realidade bruta de vulgaridades, de anomalias, de ocasiões, de tudo que se torna previsível e nocivo.
Enveredei – inevitavelmente – ao amor às artes.

25 de setembro de 2006

Guerrilha

Inaugura-se, na percepção da comunidade interiorana dela, um frenesi. É Gabriel. Os incipientes contatos eram ovacionados por uma dissonância que, a princípio, parecia impenetrável, irredutível.
A configuração da Comunidade interiorana do rapaz nada tinha a ver com os trejeitos da alma de Cássia.
Cássia e Gabriel.
Saídas com assuntos enxertados de assuntos de outrora. Gastura. Insipidez. Inércia de libidos promissoras. Alma com ampolas renovadas a cada dia. Cássia.
Quietude. Sentimento murcho. Pobrezinhos. Incompatibilidade. Gabriel.
Por parte dos remetentes intrínsecos da rapariga, um processamento de esboço de encantamento surge.
Agora a tendência é ficar à espera de uma explosão bilateral.

22 de setembro de 2006

A Pianista

Ela é a melhor. Visão embaçada e simultaneamente tão autêntica da criança. Não sei por quê. A criança empenha-se ao estender o pai, a mãe, o irmão, o agregado de que gosta enfim, a proporções ovacionadas de deuses utópicos.
Idolatrem-na. Ela é minha mãe.
Um desejo inimaginável e não pretendido de a criança ser a conseqüência especial de um ser especial planejado pela Natureza. O pai de toda criança que tem tempo para perceber a Vida é sempre rei.
Malu, malgrado não ser criança, embebeda-se da taça que lhe nasceu nas redondezas das afetividades. Malu enlouquece perante o ato celestial de a mãe – Eunice – romper a inércia de um piano. Eunice, despercebidamente, é uma incumbida da Eternidade. Faz viver, afinal, a cadavérica vida de um instrumento sem destrezas a manuseá-lo. Faz viver, afinal, a habilidade de os ouvidos ouvirem.
Palmas e explosões à mãe da jovem.
Perante a família de cinco elementos, elas compõem a maior agudez de interseções. Falam sem o mal-estar dos pudores; riem de assuntos indexados pela rigidez tradicional das famílias; brigam; implicam; abraçam a felicidade que deveras as envolve.
A arte é a forma que Deus encontra de se enfurnar na vida de seus artesanatos atônitos de tanta vida a viver... De tanta vida a tapear... De tanta vida por que esperar.

21 de setembro de 2006

Sob Encomenda


Encomendaram arte.
Talvez o Mundo ande com hipovitaminoses de alma. Fatalmente, a velocidade desumana fará motim nos humanos. A arte tem perdido sua característica mais ovacionada: a de pertencer, de nascença, aos indivíduos.
Passam, como militantes coreografados, perante as próprias emulsões que são jorradas pela linfa.
"Por favor, faça uma arte; veja se consegue tirar arte da arte".
Apelos.
Confusão de bolsa de valores.
O faro dos olhos mecânicos, que nascem aos montes, cheira o Mundo enquanto bailarino.
A cruz arrisca-se num movimento que não lhe convém. A Natureza, ainda que maciça, sucumbe à rigidez de certos ares. E, na foto, todo Deus que se disfarça naqueles troncos colossais é dissimulado pelo poder da Inércia.

18 de setembro de 2006

Caveira

Vejo-o e é inevitável não memorizar todo o laboratório de químicas arriscadas que ele me causa. O risco é o messiânico que escapa a vida das cinzas que, diariamente, ela assopra.

16 de setembro de 2006

Justa causa

Maria Vitória exalava e farejava amores em mesmas proporções. Provavelmente, vitimada pelos bailes a que a Eternidade costuma ir, a quantidade de amor que vomita, numa espécie de asfixia, será mais possante que a demanda de amor. Ficará solitária a rir e a chorar e a sentir e a morrer com os efeitos que a solidão pode lhe trazer.
Ela é muito jovem para tatear, com consistências peculiares, cada posição com que a vida se apresenta.
Fotografou um João de Barro humano. Ele, em meio à civilização já acomodada pelos acabamentos das casas prontas a futuras e futuras gerações, está fazendo um enxerto nas imediações. Exatamente como o passarinho age, o pedreiro embebeda-se da incumbência. Numa habilidade invejável, sob um físico cuja anatomia entende-se com os esforços, ele martela, enfileira os tijolos, mexe e remexe uma tina onde fica o cimento. O sol é seu grande vigia. O suor talvez seja o grande protesto.
Acordara cedinho. Bem disposta. Calmamente, cedeu eletricidade a todo corpo. Primeiro, como de costume, relaxou a mente inteira e, à mercê de efeitos de sons suaves, relaxou com consciência o corpo inteiro. Levantou-se da cama. O mundo novamente se lhe inaugurava.
Bom dia à empregada. Bom dia à mãe. Bom dia ao irmão. Bom dia à irmã. Bom dia ao pai. Saudações inconscientes ao céu, ao sol, ao ar, às galinhas, à tartaruga, às plantas. Paulatinamente, o dia foi se eriçando. Os nervos, idem. A tarde culminou em gastura de existência... Por isso, ela planejou catar tesouros aleatórios da vida. Avistou um monte de oportunidade.
Vida a que o homem se propõe.
Carros se juntando em populações.
Mendiga com as arcadas dentárias em ruínas.
Cão sem dono lambendo o rosto de um homem que, humilde e ingenuamente, é devoto do Tempo. Cão e homem sem aconchego. Plenos de desamores. Fartos, talvez, de amores gratuitos a panfletar.
Desencadeou-lhe sentimento. O sentimento despido. O sentimento com que mais se convive. Não o sentimento instantâneo e fugaz de uma temporada bacana em um momento improvisado da vida. O sentimento que se constituiu a Maria Vitória é a melancolia que acentua o Amor. O Amor e todos os seus anexos.

Fraude de Arte

Nas atuais conjunturas, parece que tudo se faz partidário da estranha e incessante mania de ter fé na vida. Outro dia ouvi: A vida não foi feita para dar certo. Uma avalanche de entusiasmos postiços nos assola. A permanência crua é evitada. Adiemos a genuína forma de se existir, a fim de se existir com mais dignidade.
não sou
não vou
não ou
sim sou
não sei
não veio
não tem
não quero
que você
vou ser
você
vai ter
que ter
vai ter
que crer
que me
entender
é crer que sou

aquilo que ninguém vai ler
sem sacar o óbvio do ócio
se o sentir
é invisível

paradigma
paradigma
para
para indignar
você

para que padrão?
se amar é construção

mineração
ação
ação

depois da ação um "o"

Apresentação: Carolina Fellet
Poema/Poesia/Arte: Igor Amin

14 de setembro de 2006

O pão nosso de cada dia

(Fatia dedicada a Nelson Rodrigues)

Mateus. Quarenta e seis anos. Herdeiro da padaria que seu pai – Seu Ubiratan – português radicado no Brasil desde 1968 - com muito esforço, construiu em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Luce. Vinte e um anos. Escritora incipiente. Estudante. Filha de joalheiro.
A trajetória estipulada pela conveniência do dia-a-dia é uma ficção que desvia sua cobiçada proposta nos momentos de estréia. Os sentidos não delatam o apetite que deveras lhes chega. Os sentidos se contraem conscientemente. Mostrar-se é arriscado. Talvez, humanamente fatal. Nada disso oscila a serenidade que abriga as verdades de Luce.
A garota costuma ir à padaria lanchar. Além de suas salivas mudarem de discurso, os sentidos que promovem felicidadezinhas ao orgânico se eriçam. Mateus faz cócegas – involuntariamente – nas oscilações de encantamento que ela detém. Há flutuantes e instantâneos sentimentos de interseção entre o padeiro e a jovem.
A fornada que o trouxe ao Mundo precipitou-se. Ele, afinal, apesar de gozar do mesmo impulso que me mantém, não me é tão acessível, uma vez que já se casou, já se encolheu nos ostentosos disfarces da monogamia, tornou-se precocemente avô.
Por esses motivos, não pode ser devoto de si mesmo. Demanda fraudar o próprio faro. Vive sob a identidade clandestina de ser uma ingratidão ao tesouro que lhe bafora o inconsciente diariamente.
O pão nosso de cada dia alimenta a carência orgânica, a carência elétrica, a carência-vigília de qualquer solidão.

9 de setembro de 2006

Prognósticos líricos

Maria Inês inocula verdades a cada coisa viva que intercepta a dinâmica de seu tempo. Uma prepotência que se revela nas disponibilidades dos gestos causa-lhe um frenesi instantâneo. Como os excrementos são artesanatos instantâneos da Fatalidade.
Os dois rapazes mais velhos, nos quais ela pousa o olhar, exalam destreza de leão fajutamente disfarçado. Salivam uma carne que atingiu seu estopim. Querem metonímia de corpos. Um opta por um bumbum que tem sua própria oratória. Outro escolhe seios que quase se esparramam do sutiã. Leões ingenuamente incorporados na linhagem humana. Quantos equívocos do Divino.
A mulher se produziu. Antecipou momentos e, numa certeza consistente, acreditou que a Vida poderia dar-lhe, naquela noite, um broto de inovação sentimental. À espera de uma carona, com perfeita assistência a todos os sentidos (olhos maquiados, nariz alimentando-se de fragrância noturna, boca pintada, unhas pintadas, anéis, música que eriça a adrenalina positiva), ficava esboçando a própria arte de ilustrar anseios sem demandar despistes.
Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. O veredicto de um Mundo Novo penetra-lhe. Várias vezes, em projetos involuntários, Novos Mundos se lhe apresentavam. A insipidez da peregrinação de dia-após-dia se exaure. Como salvação dos vitais, os deuses vêm e – como um enfeitezinho de docinho caseiro – põem fantasias nas casas humanas. Alegorias que sucumbem ao primeiro ventinho de melancolia. Ao fim, maquiagem fora dos focos... Reinício da decadência inevitável de cada dia.

8 de setembro de 2006

Casualidade

André combinara com Clarissa de ligar para ela durante o feriado. Promessa vã. A garota já se acostumou com as prorrogações dos encontros. Decidira sair com sua prima para dançar e apelar, ainda que inconscientemente, a emanações de seduções. Sempre que se sai à noite, fatidicamente, cobiça-se uma presa. É preciso buscar hipóteses na alienação de se viver.
Descompromisso. Encontro face a face. Espectros de se existir manejam certamente os destininhos da Existência. Não combinaram, embora tenham se encontrado farejando a mesma ambiência.
Ele revelou a Clarissa:
-Não queria encontrá-la hoje. Sequer queria falar “oi” a você.
Clarissa, numa decepção grave, indagou-lhe:
-Poxa, mas por quê?
-Porque, para me encontrar com você é preciso estar preparado, concentrado. Você não me é banquete meramente.
No ápice de um brinquedo de Parque de Diversão, focava-se a adrenalina da garota.
Sentiu-se um Nietzsche temporário... Inflou-se de plenitude fiel da vida.
Como as carnes são leões que cobiçam carnes e carnes, ele lhe disse:
-Bem, não queria encontrá-la, de fato. Mas, já que estamos aqui e, já que estou carnívoro hoje, a gente poderia se entrosar na mais rodriguiana conotação.
-Eu, André, estou carnívora e meia hoje.
Num embalo orquestrado, as línguas esbanjaram-se umas às outras, as salivas compuseram uma receita velha e sempre no topo da moda. As línguas são quilométricas felicidadezinhas do orgânico.
Houve papos. Sexo de idéias. Gravidez de entusiasmo por parte de Clarissa. Acordou farta de memórias.
Meio.

2 de setembro de 2006

Solstícios

Não posso me pensar.
Porque, como os sentidos,
Como o latido,
Como a brisa que vai indo
À população ribeirinha,
É tudo veredicto de ordens clandestinas.

As águas ficam estagnadas
Na remessa de quinquilharias que vêm chegando
Para sabatinar este invisível
Que corrói, devagarzinho,
O corpo inorgânico, que fez usucapião na overdose de organismo.

Sou o que não se sabe.
Sou a cobiça das tecnologias de ponta.
Sou o faro que falha.
E, ainda assim, persiste.

Surge-me, com requinte de ouros, épocas em que o desprezível era general.
Surge-me, em conservas eficazes, a aragem da infância.
Estranhamente,
Épocas de altas melancolias.

Não há um porquê.
A lanterna cismou enveredar a esta miscelânea
De Eras sobrepondo-se à mais atual conjuntura.

Fica assim...
O barco à mercê das águas a serem vencidas.
O céu me obriga a simuladores de morte.

Boa noite.

1 de setembro de 2006

O anel

Ele lhe olhou. No estopim de seu gabinete de trabalho, não como um trabalhador convencional que engole sapos em prol da própria sutileza e elegância e discrição e reputação, abordou-a:
-Olá, eu trabalho com artes instantâneas; você gosta de estrelas?
(senhoritazinha) -Adoro estrelas.
-Caso eu fizesse uma estrela decalcada em um anel você a aceitaria e contribuiria com dois reais?
(senhoritazinha) -Pode fazer sim. Contribuo sim.
Num feixe inimaginável (de tão fugaz) de tempo, o rapaz fez-lhe um anel. Delicado e pálido e fininho como as mãos de Lina. Ao abocanhar um minúsculo entendimento entre o artista e a garota, deu para se saber o nome dela: Lina. Ficaram por algumas pequenas ampolas de tempo a conversar:
(Artista): -Como é seu nome?
(Lina): -Lina, prazer.
(Artista): -Você faz o quê?
(Lina): - Bom, sou uma escritora ainda mal sucedida, mas tenho mais de duzentos textos e pretendo reuni-los em um livro e publicá-los.
(Artista): -Como é seu sobrenome?
(Lina): -Pafé.
(Artista): -Muito bom; quem sabe amanhã de manhã eu adquira um livro seu.
Agudez de entusiasmo. Ambos os orgânicos se regozijavam perante a adrenalina de viverem enclausurados em um Amor possante e genuíno e ao mesmo tempo hesitante: o Amor pela arte que se opta por fazer.
Ambos tinham uma coincidência enorme e esparramavam essa interseção através das mãos. Porém, enquanto um embalava suas destrezas em síntese de céus e de flores e de tudo que pode ser perceptível à estirpe humana, Lina ousava falar o desconhecido; inventar a inimaginável certeza. A garota artista era mais pretensiosa que o rapaz artista. Mas, o gozo disso tudo se conclui em ter a ciência de que a Arte é um flexível processo que flui conforme a intempérie e a bonança dos Tempos de consciência humana.