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29 de junho de 2006

Janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro

O quanto a vida tem se entendido. De repente, os moinhos de ar me perseguem, me garantem o vigor, ainda que um vigor anêmico de, simplesmente, ter o Mundo a meus sentidos.
Atualizo minha arte que agora sucumbiu ao Populismo das mais novas tecnologias. Há os registros de todos os textos publicados, há os meses do ano, há os dias do ano, há os meus fôlegos temíveis. Há créditos à matéria. Grande camaleão. Grande clichê bordado com novos recursos.
Comungam a mesma hesitação. Quem se dispõe a isso torna-se, numa manobra de céus, arteiro. Os demais vão tapeando os ventos com janelas delgadas feito a eternidade em que se acredita. Quem duvida a vida envereda a um vício qualquer. Inevitável. Fatal.
Sem o advento da linguagem, talvez meus sentimentos pronunciar-se-iam na gangorra de berros e contorções. Seria o reflexo de sóis, de matas, de qualquer substância culminada em Mundo.
Mas as palavras concentram minhas vicissitudes... Censuram e endireitam os primitivismos. Mas não conseguem encontrar o que me assola. Apenas batizam as ramificações dos martírios. Batismos enfileirados... Fileiras à espera de martírios. E idolatram quem deu nome aos bois. Meros observadores das conseqüências com que convivemos. Observe. Esteja alerta. Novos Einsteins despedaçar-se-ão em promessas de vida humana.

Terreno Baldio

Passeio diário. Necessário. Comum a meus dias de juventude. No ínterim da velhice, se é que minhas tendências ciganas não falhem, enveredarei a programas agitados e serei pretexto a chacotas. Porque a natureza púbere é ágil, dinâmica, inquieta. E a minha puberdade é o lado avesso que não pinica. Sinto-me à vontade ao colo do sossego, da liberdade sem propulsões.
O carro agiliza as canelas e me encanta, ainda que a tecnologia me remeta a um plágio furreca, vez por outra. Mas os genéricos têm surtido bons efeitos. Os teatros têm tido boa repercussão. Fomos passear desvirginando superfícies previsíveis. Na volta, também previsível, num súbito, perscrutei, involuntariamente, o terreno que fica a uns cinqüenta metros da minha casa.
As gramas entraram em maturação rapidamente... Estão enormes, verdinhas, e aos mutirões. Transcenderam os muros que as condenam. Há até uma porta de ferro sugerindo que ali existem habitantes. Habitantes que não se contentam com a imensidão daquele terreno. Habitantes que demandam notoriedade. A porta fica fechada, mas se sabe exatamente o que se acontece naquelas dependências. A vida ali é fácil. Tão disponível quanto matérias e matérias humanas.
Morada do inanimado. Requinte de portas e muros ao inanimado. Há deuses que prescindem dos agasalhos humanos: as gramas o são. E deuses que sacodem a Vida moribundos desde os primeiros segundos de exposição à aragem precisam da dignidade de civilização para sobreviver. Quantas gerações de vidas quaisquer devem ter sido extirpadas? Penso fixamente nisso. O deus – homem é sim muito potente. Sabe sustentar seus fortes instintos de sobrevivência através de uma fila de adventos.
Casaco, sapato, portas, janelas, temperaturas-dentaduras, dentaduras, telhados, casas, linguagens...

28 de junho de 2006

Devoção aos ponteiros

Bussunda.
O próprio batismo já se tornou uma boa conotação de uma estrofe ilustre. Tanta fidelidade à fragrância que lhe era inerente: humor. Devoção ao talento, desafio... Enorme desafio para se chegar ao trabalho – lazer.
A Natureza, numa distração em que o balão de gás sobe, privou Claudio Besserman Vianna, o Bussunda, da maturidade – quando iluminada por luzes pejorativas que o ser maduro pode vir a ter. Bussunda era um quarentão criançola.
Morte súbita. Naturalmente, as arcadas se apartaram, como símbolo da perplexidade. O Brasil, no frenesi da Copa do Mundo parou... Não como a brincadeira “Estátua”, mas como a necessidade outorgada de um espirro.
O previsível da vida é taxado a mixarias. Sabe-se em que culminará a vida. Sabe-se, porém, não se sente a vastidão de negritude que acolhe a monstruosidade de se existir.
Ícones da mídia, utopias, aqueles que formam o novelo das famílias parecem ter um contrato sigiloso e inédito com o Tempo. A morte, em nossas filosofias, é a praia onde a onda do mar quebra-se e não atinge nossos pés. A morte inclina-se ao diálogo lúdico com a ingenuidade de adulto. Não se sente a morte. Como não se sabe os incipientes momentos da vida.
Os espectadores pensavam que Bussunda seria emperiquitado pelas gradativas decadências agregadas à evolução da condição humana. Evolui-se agudamente para se voltar ao princípio do qual nada se sabe.
Mas, Cláudio, Sinvaldo, Murilo, Sofia, Carolina, Nina, André, Marcos Paulo, Juscelino... Pertencem ao comum da Vida. E o trânsito vital é um extenso dessentido. O comum é uma anomalia enorme. O Mundo é anômalo.
Ficaram tristes durante o funeral do humorista. Enorme instantâneo. Instantâneo aparentemente sem ecos. Porque já sucumbiram aos decotes palpáveis. Já riram. Talvez isso seja uma tapeação fajuta ao martírio. Mas, creio que, quando é hora de se martirizar, é necessária a vassalagem à pose dos ponteiros.

27 de junho de 2006

Semblante dominical

Terça-feira. Ampulheta se mutilando para culminar em não sei o quê. O dia se constrange e acaba sucumbindo à prepotência da noite. O dia seguiu em aeronave. Lavaram-se roupas. Fizeram sanduíches. Interagiram com as mais frescas destrezas do computador: instantâneo.
O dia quietou-se. Agora mostra sua outra face. Ou esconde sua nitidez. À tarde, seleção em campo, inquieta, ávida, estendida a todos os continentes através da pretensão dos televisores. A tecnologia me surpreende e me é raquítica. Esta quando penso que é mero plágio da Onipotência. Mas é sábia porque demanda labor intelectual.
O futebol culmina em estouros, gritarias, ansiedades, empolgações e irritabilidade. Quem gosta, em época de Copa se eriça todo. Quem detesta, em época de Copa beira o suicídio.
Terça-feira com todo o instrumento de que se dispõe o domingo. Quietude, insipidez, sumiço dos ecos da Copa do Mundo. Silêncio de Hospital. Os bichos humanos, em suas moradas artificiais, escondem-se uns dos outros. A própria espécie é uma ameaça a todos. Canibalismo disfarçado. Todos temem a genuinidade. Porque podem acabar nas arcadas dos receptores de sentimentos e de emanações de qualquer estirpe. Resquícios de presas em caninos alheios.
É mais conveniente se tatuar de anticorpos, de cercas elétricas. Mas, inibe-se a vida, inibe-se o Deus inerente a cada vital ofertado. É preferível quebrar-se amiúde a ser canastrão e se privar de ser em prol de um temor.
A arte salva a carência. A arte tem dignidade suprema... Não deturpa o que há de bom, como acontece com a espécie humana. O processo humano deforma os tesouros com as salivas do sadismo. É uma pena. É uma penitência se viver em meio a gentes e gentes. Tenho certeza de que em um formigueiro há muito mais respeito e lealdade.

Primitivismo

Por que a prepotência da Vida a fisgou? Pô-la como espécie humana, a se arriscar em violências íntimas? Assim tem sido. Há vinte e um anos. E só agora Clara descobriu o quão ríspido é disputar os ares.
À mercê do comum. Do que eriça tristemente as epidermes desmedidas da população interiorana. Um legítimo sarcasmo lhe é mais digerível que um menosprezo frio e intelectualmente aceitável.
Percebeu, de acordo com seu processo de maturação, que os incompetentes desdenham de outrem em prol de um anel de ouro dezoito quilates ao tão abominável ego. Ter ego e diariamente demandar a lida com o bichinho camaleão é-lhe algo maçante.
Envolve-se com seus congêneres por pureza, por acreditar que a dissonância entre os espectros vivos e os sinais da carne é evidente. Esparrama-se nas dentaduras. E mastigam-na, sem grandes esforços, até reduzi-la à péssima sensação da perplexidade. Esta lhe causa descontrole corpóreo, inquietude da alma.
A Candura e a Bondade e a Autenticidade eram suas máximas. É óbvio que, perante a condição humana, diamante ela não era... Mas sua espontaneidade aromatizava a ambiência com um bem-estar enorme.
Maurício, amigo por quem Clara tem grande admiração, desnuda-se amiúde a ela. Mostra-lhe as arcadas potentes. Mostra-lhe o silêncio anárquico. Mostra-lhe que as ficções têm remetentes somente nela. E é assim que é: o bom é depositar empenhos e liberdades limitadas no inanimado ou naquilo que não se aproveitou de quem não mais compete com o Tempo. Que saudade do meu tio Walter, com seus radicalismos engraçados, com seu capricho explícito com a vida. Que saudade do que me é agora utopia. Mas, Maurício apenas bafora seus hálitos de ervas de origens desconhecidas. A Natureza o colocou em cesto de razão... Mas não o fixou à humildade do dessaber. Racionalizar pode ser nocivo a certas carnes. Nada tem as próprias bússolas... E, dependendo da musicalidade do expressar-se, dependendo da escolha do carnaval, desmorona-se o mundo de Clara.
Volta para a casa com uma goma de mascar. Decepção. Preço de banana. Em qualquer canto de qualquer amontoado se consegue essa goma. E no momento em que a língua torna o sabor insípido, a relação fica frígida, alegórica, dinâmica, embora paralítica. Conclui-se que a grande companheira da vida é a Solidão.
A onipotência nos enfia o Mundo goela abaixo. E, hesitante, nossa ampulheta se consome... Erra o círculo. Passa com sofrimento a outras partes a viver. A providência ousa com o outro, porque não se arrisca. Para pôr a própria pele em estiletes é necessário insanidade. Esta é interessante a se observar. Grande laboratório. Depois, chega-se a hora de materiais recentes serem degustados.
Baralho de solidões.

24 de junho de 2006

Van Gogh

As janelas, à noite, que me são contemporâneas, acalentam minha solidão. Solidões aos mutirões, devotas do Nada. Respeitam, pincelando no embaçar, o Nada. Uma solidão agregada a outras solidões culmina num triste e estendido solitário padrão.
Abro a janela de vidro... Entrego minha face à aragem que se excita com as frestas da janela de madeira. Numa fatal decisão ajo e escancaro as árvores talhadas em janelas. E espio a ambiência. Vejo um edifício que, neste instante, provavelmente simula mortes. Uma janela de banheiro mantém-se acesa. Talvez para clarear indiretamente o quarto... Talvez para acolher um incômodo orgânico do morador.
Tudo está provisoriamente morto. Os homens morrem para ter fôlego ao desenrolar do tapete amanhã. As cores... Houve um genocídio oriundo da negritude dos céus que as matou. Lei do recolhimento. A Natureza flui com seu pedantismo inerente... E eu não compactuo com o Nazismo. Por isso morro paulatinamente.
Sinto o esfarelar da ossada... Diminuo as medidas... E a alma enclausura-se em um pequeno quadrado de ar viciado.
Acabo por trocar os desenhos de um único sentido.

Bolo

Júlia competiu com o fôlego daquela sexta-feira inconveniente. Empecilho de provas chatas a partir de matérias teóricas. Júlia tem integral ojeriza a teorias, a didáticas, a lógicas. Júlia vive porque lhe é outorgada essa infindável ação. Vive transcendendo a utopia dos céus.
Incrementa o vital com o incogitável. E ri plena perante o Mundo elaborado de criança que se atenta aos sentidos. Ri plena... O palhaço é real. A maturidade das óticas inorgânicas é de verde intenso, brilhante, vigoroso.
Os compromissos lhe atropelam o dia. Retocar o corte de cabelo. Como de praxe, pintar as unhas e lanchar a tempo de chegar em bom horário à prova. Toma chá de camomila, esquenta um pão e o arremata com pasta de queijo... Todos desempenham incumbências de pedreiros na hora da fome. Todos desempenham os talentos dos confeiteiros quando se saliva um destino ainda não predestinado.
Júlia fez a prova, voltou para casa a tempo de dar tempo ao telefonema. Ligou para o celular de Arnaldo; como detesta insistências, deu um tempo. Ligou novamente, chamou, chamou, chamou... À medida que a chamada era-lhe um eco, desnudou-se das expectativas. Ligou mais três vezes. Nada de atendê-la.
O dia passara preenchido, cansativo e a garota debruçou-se sobre a feliz expectativa da sedução primitiva e pudica da noite. Fez todos os afazeres com o grifo do bom sentimento. De repente, tudo o que o cigano havia predeterminado inverte-se. Não haverá encontro. Júlia frustra-se, como é legítimo no manual da Grande Proprietária da Vida.
Mas o bolo não terminará seco, mal acabado, insosso. A menina preparou-lhe uma linda cobertura... Cobertura de irritabilidade, frustração, desilusão, incipiente frieza e desprezo. E depois, apelando aos serviços do Sedex, mandará a obra arrematada para o doceiro despreparado.

23 de junho de 2006

Caracol

Da boca pra fora. Minha maior pretensão. Como os decalques das projeções do humano me fazem transbordar de inveja. Tenho inveja de quem se emperiquita às segundas-feiras; tenho inveja de quem salta perante um televisor com um número maior de polegadas; tenho inveja de quem fica tranqüilo no domingo, principalmente quando se é criança.
Minha língua copula minha goela. Ventos que meu aparelho bucal importa e estende ao âmago dão-lhe (a este) um calafrio irremediável. Desconforto. A vida vitimada pela Vida. Banditismo involuntário. Não há xadrez ao frio que mata... A tudo aquilo que mutila a alma. A vítima é que fica em penitência de segurança máxima, enclausurada nos ferimentos que jorram sangue e secam... Mas, de repente, esbarram-nos em uma superfície qualquer por um descuido qualquer e o sangue retorna à mangueira possante.
Mutilam a alma. E riem. Como se a gente dominasse nossos instintos. Parece que somente as crianças seguem as setas do instinto instantâneo. Os adultos tendem à canastrice. Abstêm-se das próprias vidas em prol de um espelho. Adultos são a imagem do real, embora não o sejam.
É tudo ficção mesmo. Mas a criança é devota das mentiras, dos desentendidos, a criança faz jus à vida, à miscelânea. À medida que se cresce e que os semáforos vão sendo fincados pelas mãos de outrem, inicia-se a morte da vida. Abdicam-se da vida em prol do que o maestro ensina. O maestro é da mesma estirpe... Ele não tem didáticas. Ele não sabe de nada. Apenas batiza coisas.
Que retorne a devoção a ficções. Credito fé nessa ressurreição. Serei mais feliz... Seremos mais serenos... Empertigados morrerão de falta de ar... Imponência sucumbirá. Ruínas aos estetas. Ficção.

22 de junho de 2006

Copa do Mundo de 2006

Viviane é frígida a partidas de futebol. Respeita, verdadeiramente, sem esforços, o amontoado de bichos humanos que se aconchegam à frente de um televisor para verem várias orquestras orgânicas em exímia execução.
Habilidades talentosíssimas que cobiçam a mesma presa. Codificação dos novos dias que ela fura; fura o tapete desenrolado do destino. E compromete-se – obrigatoriamente – com o novelo que não cede espaços a ninguém.
À medida que os enredos sociais se emolduravam, Viviane portava-se como trena. Preferia engolir a seco o ato cru que lhe regia a vida a projetá-lo em escapismos esportivos. Futebol. Alienação laboriosa. Corrida impensada feito a inércia do objeto vivo diante da Vida.
Embora o futebol não a incomodasse, a epidemia desse esporte, no entanto, alterava-lhe a eletricidade. Sobrecarga às tarefas dos nervos. Haja nervo.
Todos os veículos de comunicação soletram a mesma redação, com a mesma entonação, com uma ginga que se agarra em uma parte da partitura. E trava as mãos naquela dificuldade face a face à Viviane. Medo fatal perante uma fera. Íntegro tédio.
O ódio, que raras vezes era o semáforo verde da mulher, estava em pane. Era agora insistentemente verde. Verde porque havia berros, verde porque havia fogos a estourar sem falta de ar, verde porque cheiros inoportunos de churrasco eram importados pela flexibilidade dos ventos. Tudo isso para ovacionar a fúria de corpos em momentos exclusivamente atentos, orgânicos que promovem efeitos também orgânicos na vastidão de torcedores.
Copa irrita. Deprime Viviane. Ela queria adquirir felicidade súbita nessa grande movimentação que Imobiliza o Mundo.
Que acabe logo essa arcada escancarada de uma dentadura furreca.

20 de junho de 2006

Kama Sutra

Os parâmetros inquietaram-se. Bateram suas pesadas pernas e rebelaram-se contra eles mesmos. Genocídio de padrões. Tapete vermelho a postos do Atípico. De sua tão rara aparição.
Laila decidira sair ao sábado com sua irmã Cláudia para irem a um show de rock n´roll. A proposta de se extravasar jamais se projeta exclusivamente na causa da diversão. O show de rock n´roll era decalque a um grande prazer. O show, simplesmente. Mas, a platéia era inferior à quantidade dos dedos das mãos.
As bocas e bocas explanam, impensadamente, que uma boa companhia priva-se de um bom lugar. Tudo bem. Um novelo bicolor pode se entrosar legal sobre um chão de terras áridas, sobre um solo infértil. Mas, quando a relação dos consangüíneos vai às ruas, deseja-se, amiúde, impelir novos ares.
Os vendavais da consangüinidade são previsíveis. O Novo é sempre farejado pela estirpe humana. A bandinha possuía todos os trejeitos do sucesso, do valioso. Mas, o “pub” estava Saara. Não havia a quem se olhar, por quem se encantar, com quem conversar.
Laila e Cláudia decidiram fechar a conta e, num surto de aptidões, trocaram o roque pelo sertanejo. Laila tinha ojeriza às músicas desse estilo... Uma ou outra lhe era saudável. Mas, estava tudo bem. O público sertanejo – pertencente a um nicho sócio-cultural diferente das irmãs – era menos pudico; era mais discípulo da Natureza. Ao contrário dos estereotipados roqueiros.
Num vaivém de agudos, rebolados, gentes e mais gentes surge, à frente de Laila, dois brutamontes: maltratados pelo Tempo e pela própria nascença. Brutamontes evidentes e interiores. Falaram à mocinha (magrinha, discreta, sutil e tênue; muito tênue):
- Poxa! Imagina essa mulher na cama!
Laila – autêntica sem surpresas – respondeu-lhes:
-Não agüento nem meia masturbação, meus amigos (luzes e luzes de ironia a esse vocativo).
Como a majoritária espécie humana masculina trajada do Falo é carnívora, Cosmos.

19 de junho de 2006

Fotografias

A morte está estendida sobre esta mesa onde meus lamentos se consolidam na forma lingüística; na forma dos desenhos que equivalem a barulhos, sentimentos, momentos, multidões, solidões. Resolvo meus compromissos e volto a pé. Os pés – postiçamente – entrosam-se com as calçadas irregulares, com o asfalto mal acabado.
Paro aos arredores da área destinada à parada de ônibus. Observo, perscruto os fôlegos marítimos; invado as lojas com os olhos vivos; penso nas solidões alheias... Penso o Mundo segmentado em cada coisa que demanda as muletas cósmicas para deslizar nos terrenos que compõem a miscelânea das vidas naturais e artificiais. Imiscíveis. Miscíveis. Promíscuas. Pudicas.
Segunda-feira, legítimo motivo a depressões... Tento abster-me dos conteúdos do calendário... Tentativa vã. Os redemoinhos dos compromissos me engolem e eu morro... Privo-me do fundo e, obrigatoriamente, elevo-me à exposição da cara, da raquítica coragem de se viver em meio à civilização.
Também me encharco de martírio quando me submeto à vida primitiva... Vasculho-me e acho somente um pote vazio, empoeirado, à mercê. Solitário, inútil, alegórico e triste, muito triste. É quase a piedade perante o inanimado. O problema é a consciência disso.
As fotografias estão espalhadas sobre a mesa do computador, estão misturadas a controles remotos, a papéis com gigantes bilhetes de pendências burocratas, a CDs, a copos d´água, a estatuetazinhas que compõem a estética tonta do mogno bem arrematado.
Vovô está um senhor ativo, limpando a piscina do antigo sítio que nunca me fez bem. Sentia mal de âmago quando bem pequena, quando era domingo e decidíamos ir à granja. Não sei por quê... E, à medida que o dia se recolhia em noite, agigantava-se a sensação horrorosa de não sei o quê que me exprimia e me reduzia à única sensação de sofrimento. A posição congelada das fotos sempre me remete à posição involuntariamente inerte dos defuntos. Fotos são os nossos momentos de mortes súbitas.
As outras duas fotos que, com pedantismo, entraram por minha ótica e me surtiram efeitos nostálgicos são dos meus irmãos e dos meus priminhos ainda bacuris. Ainda lhes havia pouco orgânico; ainda não lhes havia bússolas inteligíveis. Ainda não me há. Mas, minhas pegadas seguem majoritariamente um rumo de sombras e calafrios. Rumo que me arrepia, que me faz de pesquisa do cume a que o ser humano pode chegar estando bem ou mal ou péssimo.

18 de junho de 2006

SolidÃO

Betânia crê na solidão dona de si. A mocinha, 19 anos, norteada pela aragem das pegadas modistas da sociedade, ainda não se sentou para pensar; não simplesmente pensar, mas sentir o quão hediondo é o ato fugitivo de se viver.
Ela é belíssima, vive sob confortos exagerados que acabam por culminar em luxo, sai deslizando em asfaltos, desvirginando terrenos a paquerar e ser paquerada. Ama a direção. Sente-se poderosa. Íntegro instinto se proclamando.
Somos muito amigas, apesar de nossas semelhanças serem a proximidade das Américas com a Ásia. Vira e mexe Betânia bate campainha e os olhos da garota denotam uma carência de papo, de mostruário de sentimentozinhos. Eu adoro. Nossos novelos se entrosam facilmente. Ao fim, uma linda peça estilo mocinha nostálgica fica pronta.
Pensávamos – eu, Lívia e ela, Betânia – que a solidão era o diagrama que continha as mazelas dos nossos corpos e das nossas almas. Eu tropecei em uma enorme rocha, sangrei, fiquei plena de dor e pensei na condição de bebê aconchegado em braços firmes, sem R.G., embora sempre presentes.
Betânia ainda se culpa pelos próprios desleixos. Não tateou a própria escravidão. Ser escravo é válido quando se tende a se culpar por algum ato indigno. Quando se é monitorado, a culpa cabe às mãos do manipulador. Ser escravo é péssimo, em se tratando do xadrez sem uma nesga de luz onde somos submetidos a viver.
Que a Humanidade descobrisse a vassalagem. A alforria é somente a morte, creio. Que a morte seja integral inconsciência... Mas, enquanto se vive, inevitavelmente, fica-se à mercê da Rosa-dos-ventos do tão antigo Tempo.
Em sua mais recente visita, minha querida prima e amiga e amor trouxe-me um saco com um monte de roupas lindas. Ela veste-se muitíssimo bem. E eu adoro receber objetos que já foram revestidos por auras de pessoas de que gosto. Comprar uma roupa nova é agradável... Mas bate-me uma sensação de levar o Instituto Médico Legal para casa. Um mortinho, por um motivo qualquer, pousou em uma loja... E agora ele ressuscita com meu fraco fôlego de salva-vida. A roupa usada já fora revivida por outras habilidades. Uma adoção. Uma filantropia que mexe com as poças do meu bem-estar. Meu altruísmo é um egoísmo que saliva minha insipidez.

De mim a mim

Um dos espectros que me atormentam diz-me todo dia: apegue-se a uma felicidadezinha; ainda que você se dependure nela; ainda que demande (a felicidade) esforços, potência de seus cândidos bracinhos.
Lista de sugestões, manual de “como atingir a felicidade em um minuto?”, instruções a se viver bem. Espectros me bitolam... Tentam me bitolar. Tentam fazer com que eu não resista às baforadas do Feliz. Este, geralmente, tem um escapismo com que pode contar a todo tempo. A Vida é ladrão foragido da própria vida. Perseguições. Por isso o infindável temor.
Peixe fora do hábitat em mãos ressecadas. Peixes escorregadios. Gauche. Receita de Vida: à base de antidepressivos, alopatias, iogas, forças musculares. Escapismos. Uma paixão falsamente dissimulada, joguetes falsamente despretensiosos. Espero que eu me finque em uma nesga de seu coração. Será tão bom para um novelo macio se fazer; que nasça um “nós”. E que o nós chegue a ser consciente... Que o nós não morra feto.
É a você – por enquanto embaçado por um codinome – que dedico esta prosa

Velocidade de avião em solo

Todo meu contemporâneo sucumbirá. Que as sobras saibam gozar todo o dolorido fôlego que insistiu; que esteve em minha vigília. Mutirões de pretéritos, de promessas, de frescores a participar de meu redemoinho.
O panteísmo espanta a fragilidade de minha alma. Monstros ensurdecedores; monstros mudos. Mostruário de anestesias. Mostruário de dor. Mostruário de regozijo.
Desabafo com o inanimado, porque os ânimos já estão esgotados. A casa está morta, como obra em andamento à noite, sem a aura dos pedreiros. A casa é a suma inércia, porque todos dormem e fisgam outras moradas ininteligíveis.
Face a face com uma das mímicas da vida. As imitações são quase sempre iguais, mas persiste uma balbuciada que os ouvidos não captam. Feixe de solos desconhecidos a cegos ousados; a poetas. Poetas são míseros cegos petulantes.
Volto de uma adrenalina insana. Ilógica como a ação do existir. E desnudo-me. E coloco o pijama e retiro o decalque da maquiagem... Junto ao processo de depuração, existe uma ginástica em que a alma se estende a ponto de rachar. Racha em jardins de inverno de tristeza, alegrias-defuntas, nostalgia. Vasta nostalgia.
Bônus de mesquinhez do que é bom. Enorme mesquinhez. Cancelas ultra - modernas à liberdade cobiçada pelas salivas, indicada pelos livros, inexistente.
A plenitude não altera céus. A plenitude não se acomoda despudoradamente no orgânico. A plenitude talvez demande a morte, a “dexistência”. E antecipar céus me apavora... Temo as engrenagens possantes do signo da interrogação.

17 de junho de 2006

Mulher Fatal

Bolsa de Valores. Inquietude das finanças. Abstinência do trivial, do aconchego à alma. A favor da estética... Vaivém de pagamentos, dívidas agigantadas, fileira de empréstimos.
Loira, corpo preenchido; corpo que, num instantâneo, faz da estirpe masculina a condição de cigano (em conotação Rodriguiana). Gos-to-sa. Comportamento de deusa mitológica onipotente.
Os homens salivam perante um artesanato inflado e uma personalidade carinhosamente batizada de Temperamental. Lígia dirige-se a Cláudio (com quem tem um filho) com acidez, prepotência. Ela tem mil justificativas para isso, afinal é um capricho das mãos ocultas da Vida. Que arremate! Uau!
“Mulher Fatal”. Concentração de deturpações. O Fatal sai de continentes inimagináveis. O Fatal é que rege as Lígias, as Carolinas, as senhoritas, as donas sem status. Ser fatal é imperícia do humano.
Fatal é a grande utopia da Existência

16 de junho de 2006

Desalmados

Propriedades humanas. Sentidos em alerta no tapete estendido do Tempo. As várias mortes dos sonos não me agregam a um postiço silêncio do Vasto e Curioso “silêncio – desfecho”.
Vida dinâmica. Incansável doméstica cujo trabalho lhe está sempre vivo. Está tudo orgânico. “Outdoors” orgânicos, asfaltos orgânicos, semáforos orgânicos, corpos e almas orgânicos.
Almas vivas... Bem vivas. Mercúrios que têm como fado as aragens gringas. A alma se locomove de acordo com as varetas inquietas de mãos cegas. Almas. O maior caminhão das toneladas de não sei o quê, perante estradas deformadas pelo próprio Cosmos e pelas vidas artificiais dos carros.
Corpo suave. Quarenta e cinco quilos e quinhentos gramas. De manhã, exatos quarenta e cinco quilos. Transporte leve... Não são necessárias grandes intrigas com os ares; o corpo flui em junção aos ares.
Alma perturbada. Iogue que não se adaptou às didáticas que visam ao equilíbrio. Iogue forte. Embora hesitante; sem bússola; redemoinhos atraentes.
Todo manual que consta a estirpe humana. Pela transparência da sanidade, tudo parece estar em suas devidas poltronas... A alma, no entanto, faltou-lhe. Carnívoros... Devoradores de carnes humanas. Resquícios das presas nas arcadas.
Lamento os desalmados. Por, talvez, cobiçá-los a mim mesma. Gostaria de dessentir todo meu sofrimento que contempla uma nostalgia sem remetentes.

13 de junho de 2006

Luftal

Margareth demandava um pudor praticamente outorgado. Não sei de onde nascem as convenções, e nem cobiço o embrião de padrões. Acho que parâmetros são grandes despropósitos que sugerem os trejeitos da Vida. Dessentido vital, ilogicidade artificial.
A senhora, senhora não; Margareth não se casou; teve apenas um filho e insiste despercebidamente em comportamentos púberes. Margareth acredita em seus amores utópicos, mutila-se perante um prego abstrato que lhe põem. Cinqüenta e quatro anos e ainda firme, verde na consistência dos dedos do materno. Parece-me que ela não se desprendeu dos galhos... É a suma carência; é a farmácia de, exclusivamente, anticorpos a qualquer emanação que não lhe agrade.
Margareth, ainda que sinalizada pelas vestes humanas, detém uma das peculiaridades dos felinos; dos gatos especificamente. Ela possui sete, setenta, sete vezes setenta vidas. Vive sobre o berço de alopatias. Talvez, a eficácia das suas cartelas de vidinhas inertes, embora possantes, equivalha ao efeito nocivo de doses exacerbadas, overdoses de cocaínas. A senhorita antecipa o futuro pensado pelos cientistas – os quais dizem que, num momento não tão distante, as pessoas viverão de cápsulas e não precisarão dos genocídios da Natureza.
Ela já condicionou a língua, o esôfago, os copos de água e o cerne à recepção das mortezinhas de efeitos bem vivos dos comprimidos – carnavalescos. Alguns respeitam as alegorias da paz e estão sempre de branco, outros são ousados, fúteis... Gostam de estar a par das modas. Das cores atingidas pelo Homem. Margareth toma muitos comprimidos como precaução a possíveis mazelas, como uma carência psicológica também. Mas, o pudor de que necessita para se expor em sociedade é sério. Sério feito a estampa de um empedernido jurista que entra num elevador pleno de sinônimos e sente-se deus... Deus que precisa de uma estética para dizer tudo que tem a dizer.
Margareth, perante a civilização, é contraída. Denotativamente contraída. Contrai-se temendo que a acústica odorífera de um pum a tenha como remetente e os arredores como destinatários. Pum. Um gesto outorgado foi traduzido como monstros. Monstruosa é a incessante contração de dona senhorita. Ela estabeleceu a hora exata de seu compromisso com o velho amigo e divã Luftal. Marcou de encontrá-lo sozinho. Daí, poderia ela – Margareth – soltar-se despudoradamente. Orquestra próspera. Orquestra autodidata; não houve ensaios aos sons, mas eles saem naturalmente. E os cheiros são metáforas, ainda que pejorativas, à vida dela.

12 de junho de 2006

Marravilha

Meu coração se eriça com a Língua Portuguesa. Desde o momento incipiente em que tive contato com as vogais, com as consoantes, com o casamento das vogais – casam-se inúmeras vezes; vogais carnívoras, despudoradas na pior das conotações; gostei das miscelâneas consonantais.
Dei-me bem, muito bem com a musicalidade, com o desenho, com os utópicos sentidos das palavras. Palavras. Minha tábua de salvação... Meu melhor escapismo perante a vida feita unicamente de escapismos. O tempo todo a gente está correndo do que nos foi concedido. Sem medos; sem pressas... Naturalmente, sem se saber por quê. Corre, moço. Corre, moça. Corre, criança. Vamos tapear esta tontura, esta enorme tontura que é se viver.
O contorcionismo da Língua emanada pelos brasileiros me arrepia. Poros em um grande pronunciamento; alma concentrada. Integralmente concentrada, concentrada em uma emoção valiosa, aprovada pelos côncavos da consciência. Paixão pelo Mundo de sentidos, da representação dos dessentidos, pelas grafias, pelo Português bem dito, pelo maldito. Que fere, que goza, que dissimula, que é a esteira por onde os devaneios se manifestam.
Não domino sequer o verbo tcho bi. Acho que os traumas das minhas aulas de inglês me pousaram numa conexão de ojerizas a esse idioma que já é o que rege as salivas. Todo mundo fala inglês. Ainda que com a musicalidade do português. É, porque há os que falam o portuglês, ou seja, com a mesma entonação e musicalidade típicas da Língua Portuguesa explanam o inglês... Mas há aqueles que incorporam o gringo, a ginga, a dança do inglês. Que lindo. Que iogue fantástico. Parabéns a vocês que se travestem do outro. Da outra América.
O idioma que me comove... Ainda que eu não domine sua semântica, é o francês. Não sei o que querem dizer com aqueles trejeitos de passarinho, mas, poxa! A valsa dos franceses me sugere um processo inacabado, mas empenhado, repleto de boas promessas. Parece-me que as frases ficam com pendências a resolver, mas elas já estão concluídas. Isso é meio onda de mar, num jogo lúdico com quem perscruta as flexões das águas. Elas sugerem um movimento estendido, mas nos enganam. Ficam contidas a uma distância de nossos pés.
Francês. Sua etimologia foi inspirada nas lambadas dos Oceanos. No sexo dos mares com a quentura das areias. Muito lindo, muito Deus. Obviamente um Deus embaçado pelas respirações dos humanos.

10 de junho de 2006

Buda Peste

Toda tranqüilidade, toda paz, toda concentração que emanavam do Siddhartha – ainda novinho – repetiu-se postiçamente em Aline. Esta se entrosava bem – embora sem perder suas reservas – com seus contemporâneos, com aqueles por cuja condição ela já passara, com as promessas à própria vida.
Suas explanações salivavam candura, doçura, atração.
Fora pousada em uma família bem sucedida economicamente. Mas se abstinha dos luxos que lhe eram viáveis.
Toda vastidão de “vazio” a que Buda chegara era a maior cobiça da garota.
É óbvio que, face a face ao formato humano, a mocinha aspirava a um grande amor, a umas roupinhas, a umas vaidadezinhas visando à atração de fêmea ao macho.
Mas sofria, sofria de um nocivo desconhecido pelas intelectualidades colossais. Nocivo-cósmico. Nocivo-segredo. Todos constituem uma grande emenda que culmina num grande desconhecimento.
Cada Vida é a integral ignorância de ser o que não se sabe.
Aline era pó de alquimias atônitas. O corpo dela era enraizado no solo civilizado, condizia com a força gravitacional. A alma, no entanto, passeava e hesitava por terrenos gelatina-fresca.
Aline tinha todo o terreno de civilizações disponível a ela e toda mesquinhez do Celestial.

Precisa-se de tijolos

Tijolos lapidados pela inocência de uma mulher; de um sentimentalismo inerente à maioria dos vivos formatos femininos. Tijolos. Quantos tijolos talham as fêmeas, as sensíveis existências. Num súbito, uma aragem fatal extirpa o amontoado de tijolos.
O homem é a projeção agigantada de nossas ficções. Parece que a estirpe masculina desenvolve e automatiza uma oratória que encanta, fascina a mais séria das mocinhas. Oratória emperiquitada com modas raras; modas de eventos raros. Modas que não condizem com a fictícia realidade de se viver.
Homens. Orgânico. Mulheres; imediatamente crochês de minúcias e de suposições possantes feito muros de cimento batido. Quando o crime ocorre, todo o radicalismo de que a gente se abstinha ressuscita com o vigor-sinônimo de outrora. Radicalismo apical. Intempestiva ojeriza a macios novelos de conversas aparentemente despretensiosas. Que tudo tivesse pretensão; o empenho com a casa da roça, da estradinha bem interiorana. Que houvesse empolgações com a aura do ambiente. Mas os propósitos são sempre óbvios com demasia; denotativos à beça. As vontades contentam-se com as epidermes de Biologia, com as reações de Químicas. Químicas nocivas. Cocaínas em bastão consistente ao encontro da recepção de Dona Alma.
Viram, os vitimados por traições de corpo e de cerne, banqueta com uma aberturazinha a sugestões. A seriedade de um trapaceado é um anticorpo evidente que diz: “Por favor, não me induza a verdades, à dureza das verdades e nem me faça acreditar no Amor... Por favor, deixe que eu me entenda com minhas guerrilhas”. Não quero ficar frígida perante o postiço encantamento da vida. Quero acreditar nas dentaduras. Quero acreditar em Elza Soares. Sou trapaceira de mim mesma. Mas me é tudo outorgado. Professorinha de quarta série é que me rege até hoje. Queria desagregar a consciência de minha vida.

9 de junho de 2006

Xadrez

TRABALHO DE ESCOLA; DETESTO DIDÁTICAS E LAPIDAR CIRCUNSTÂNCIAS ORGÂNICAS, MAS ACHEI ESTE INTERESSANTE

Suzane Von Richthofen – segundo o escritor – comentarista – (...) Arnaldo Jabor – inverteu a obra Romeu e Julieta de Shakespeare, ao elaborar, junto ao namorado e ao cunhado, o crime hediondo (a pauladas) que matou seus pais. Isso em prol de uma linda promessa de amor com final feliz.
Ela tornou-se “grande-série” nos veículos de comunicação de massa, foi estampada em capas de revistas, foi pronunciada por diversas bocas de diversos repórteres, de diversos amadores, passou por processos ultra-modernos das máquinas digitais como tentativa de nos alienar do rostinho de boneca que ela possui e de nos induzir a imagens monstruosas a fim de ilustrar a aura da violência com a qual esteve envolvida.
Todas as ampolas de agressividade, revolta, protesto emanavam do bolo homogêneo em que se transformou a sociedade para transferi-la (Suzane) à condição de “a pior representante da espécie humana”. O banditismo que envolve a pele, ou seja, o bandido que ataca o corpo de uma pessoa de quem se cobiça algo é mais digno que aquele que mutila o cerne de um infrator. Suzane chegou ao cume da irracionalidade. Materializou um de seus instintos mais primitivos num ato chocante: na morte dos próprios pais.
A época do crime foi encoberta pela aragem de indignação. Todos os trejeitos, todas as explanações, todas as peregrinações das pessoas que se abstiveram de seus afazeres para “apedrejar” face a face a moça contaminaram a Nação; esta, à medida que assistia ao "Espetáculo Von Richthofen", transbordava-se de revolta. Quanta indignação, Mestre. Nem parece que estamos sob a mesma condição desse “monstrinho-Suzane”. Ela não parece condizer com a receita humana; ela assemelha-se à agudez de todo mal cósmico.
As pessoas vêem as notícias de violência, principalmente, de fora para dentro meramente. Não aproveitam o embalo do caos para vasculharem seus mundinhos interioranos:
-Espera aí! Quantas vezes eu tive vontade de espancar aquele namorado que me traiu? Quantas vezes eu estive à beira de matar um amigo falso, cuja fidelidade habitava terrenos de ficção? Talvez, se a gente fosse devoto dos instintos...
A Humanidade é feita de mesmos conteúdos. Os instintos, os sentimentos, a composição orgânica enfim são comuns à vida humana. É claro que existem indivíduos com bônus de maldade ou bônus de qualquer mazela que seja.
Suzane, provavelmente, privou-se da íntegra razão ao elaborar e realizar o assassinato dos pais. Ela diz-se arrependida.
A maior penitência da garota não é o xadrez, não são os xingamentos de remetentes desconhecidos berrados a ela, não são as algemas, não é a humilhação de mostrar a cara e a mala de derrota à sociedade brasileira. A grande clausura da menina vem de seu próprio inconsciente. Existem almas aleijadas, etíopes, anêmicas, mas “desalmados” não receberiam o status de ser humano. Falta-lhe fôlego; sobra-lhe sofrimento. A morte ser-lhe-ia um prêmio; ser-lhe-ia a metamorfose da borboleta apta a voar.
Acho um enorme despropósito a mídia ficar em vigília de Suzane. Já foi esclarecido ao povo o fato. Parece que querem acumular audiências e conseqüentemente lucros em cima desse filme sangrento de terror. Que os juristas decidam – com portas fechadas – a punição necessária à moça. E que nós guiemos nossos itinerários como caracóis que se voltam para dentro de si. Que sejamos os fiscais das nossas próprias vidas – tão perturbadas pelas baforadas do bem e do mal.
O impresso, a TV, a rádio, a internet têm compromisso em informar o espectador dos acontecimentos. Compromisso é coisa séria. Há espaços exclusivos às novelas.

7 de junho de 2006

Banditismo

Bandido é mau, muito mau. Bandido é destemido... Extirpa carne e traveste-se de
Cosmos promovendo tristezas instantâneas e simultâneas em endereços humanos. Bandido mata e o funeral dos vigores silenciados por mãos genéricas do Grande Poderoso é um possante martírio; enorme estilete curioso pelos componentes da alma. Bandido mata. Mas os ecos do assassinato se estendem às vidas encaixadas ao defunto: as almas dos que restaram ao Mundo murcham e sucumbem. O orgânico, toda a perfeição e enganosa potência que emanam de um corpo são moribundos a carregar uma nova estação. Os materiais do novo tempo são maciços, pesadíssimos. Nesse momento não se pode contar com a alma. A alma usa das vestes da desalma. E o corpo, coitado do corpo, não tem bússolas. Está atônito. Está em total eletricidade. Cada poro se rebela, demanda notoriedade. Cada poro está carente... Faz tempo que eu não me lembro de meus poros.
Mortes, genocídios, armas em cabeças sem nomes, tudo é matéria humana, tudo é homogêneo em horas de violência. Violência. Muita violência no Brasil, nos Estados Unidos, nas Américas. Na Europa, protestos – despropósitos. Protestos ao excesso de luxo. Abster-se de um pouco de luxo é nocivo, quase fatal. Na África, o silêncio e o estandarte que reveste os corpos são o protesto passivo. Todos os continentes têm seus gritos, seus gemidos de dor... Dores das civilizações, dores das alquimias cujo remetente são as mãos humanas. Dores. Dores para as quais existem vários paliativos, várias curas.
Quando o banditismo ataca o Mundo Interiorano, mudam-se os itinerários, constata-se a plena ilogicidade da existência. Canteiros de flores sempre dispostas a esbanjar a própria tônica: beleza. Aragens de aromas espetaculares. Aura de templos de deuses... De dois, três, quatro, incontáveis deuses a rodear um novelo macio de relações prazerosas. Relações sempre bem vindas.
Banditismo à alma estende o sofrimento do velório... Porque se morre, mas a morte fica ereta, íntegra. Sendo digerida. Inevitavelmente digerida amiúde, dia após dia. A morte da alma repercute em morte dos peregrinos amigos, pais e mães e filhos e irmãos, afins, enfim.
Por que se morre vivo? O defunto que, naturalmente, abstém-se da Vida com suas mazelas inerentes, fica vivo. Por quê? Grande Artesão de mãos foragidas, por quê? E a vida que se projeta em escala agigantada nas paredes claras da existência faz ciranda no Sofrimento. O sofrimento se apropria das terras. O sofrimento abusa do usucapião. E não existem fiscais a desviá-los dali. A solução é se rasgar com facões para despachar os posseiros.
Malditos posseiros... Mas nasceu sofrimento. Quando se nasce é preciso casa. E as casas do cardápio de sentimentos são ciganas; fisgam existências nômades e as habitam. Sem pudores; sem hesitações. O banditismo, cujo destinatário é a alma, é um musculoso ousado... Vive sob as rédeas do instinto. Fúnebre instinto.
Tinha-o como uma macia poltrona velha de quarto individual. Na qual me esparramava sem formalidades... Éramos sujeito e predicado. Éramos. Quando se morre o orgânico, ainda nos restam os ecos do que foi bom; chora-se; chora-se pela viagem de destino embaçado... Totalmente embaçado. Depois se chora com alegria das lembranças de momentos cômicos. Chora-se o corpo que se reduziu à pedra... Pedra que um dia comoveu comoções alheias. Pedra-ponto-final.
A morte orgânica é mais salutar que a morte de alma com corpo pleno de sentidos em alerta.
Banditismo. A violência sempre emperiquitou com decalques meus poros. A violência transcendente não aguça ódios, raivas, redundantes primitivismos. Mas mata o corpo abstrato sem o qual o corpo orgânico não vive.
Abaixo o Banditismo às almas.

5 de junho de 2006

Saudades (vigésima vez)

Patologia nos rios, no grande mar. Saudade é intransferível aos castelos humanos de que se dispõe o Globo. A saudade atinge o cume de meus esforços para se esparramar, através de minhas mãos, à folha virgem de um papel áspero, liso, rascunho...
Muita potência voluntária... Força de parto. E a saudade de não sei o quê não me sai. A saudade me enclausura a tal ponto de polícias me transferirem ao xadrez de segurança maciça, onde só tenho acesso a feixes de cinco centímetros de luz. Xadrez. Todos estamos abaixo das condições subumanas a que estão submetidos os possantes bandidos. Viver é preto e branco, são as grades resistentes dos presídios concentradas em cada objeto vital, viver é penitência. Este é meu único e insistente lamento. Quanto lamento. Quanto pessimismo. Mas sou induzida por uma cocaína qualquer de endereço sem registros.
Saudades do que eu provavelmente era... Saudades dos tempos de inconsciência... Saudades de um futuro por que aspiro. Em que me trajo de borboleta... Borboleta sem instintos reconhecíveis. Borboleta livre... Livre de corpo, das vaidades dos pincéis do Terreno. Quero o vôo, a íntegra dessabedoria do vôo. Porque passos em solos formais são pontiagudos e a sola dos meus pés é tênue, não suporta pregos espessos.
Saudades de não sei quem. Existe-me uma vasta carência. Nenhuma idolatria que emana de fora para dentro a sacia. A carência é vastíssima. A carência é tatuagem de nascença. Não sei como me abster definitivamente disso... Dessa persistência em erros. Paliativos não me faltam. Mas a cura, a tão cobiçada cura não se esboça sequer. Preciso da cura... Ainda que seja sangrento, ainda que haja estiletes deslizando sobre a epiderme mais sensível do cerne, demando a cura. Não me importo com o processo. Não me importo com a ampulheta que culminará em extirpação do tumor de carência, que se proliferou muito rapidamente.
Tornar-me-ei devota de qualquer entidade, se for preciso. Só não quero é viver à margem de um rio que me engole com sua composição de lamentações e carências.
Rio vermelho... Vermelho denotativo. Não agüento.

3 de junho de 2006

Siddartha Gautama

A primeira entidade de agressividade o fisgou quando sua consciência ainda não alcançava a planície da inconsciência. O trejeito da irritabilidade, o primeiro gestual de irritação veio-lhe quando ainda era bebê. O instinto passava-lhe reto; sem depurações da razão. Mas é regulamento do Cosmos. Inevitável chefe a que se deve submeter.
Toda cautela com que se pega um nenê estava armada. Trinta graus do círculo trigonométrico a postos do contato pleno com o serzinho que se sentia ainda inconsistente sobre o colchão do berço. Mais uma vez se treinava a dinâmica das teorias de Trigonometria. Pegou-se, enfim, aquela incipiente existência. Aconchegou-a na carne já firme. Sentidos embaralhados à mercê de sentidos mais íntimos de si.
O mimo não se restringiu à pegada da criaturazinha, ao balanço do objetozinho sem bússolas, a cutucadas na plenitude. Falou-se à pequenina Vida o nome que lhe fora dado. Toda exagerada delicadeza que emana dos bebês foi atropelada pelo trator cuja potência era: SIDDARTHA GAUTAMA.
“Siddartha Gautama” foi explanado por um ar de um túnel imemorável. Não se sabe NADA acerca do indivíduo que promoveu a gigantesca modificação de Siddartha. Este se tornou desprendido, desapegado... Após o império instantâneo do trauma que lhe entrou pelos ouvidos e se espalhou amargamente pela alma.
Decidiu seguir o esboço da abstinência em prol da busca de um mísero sentido à Vida, em prol de paliativos aos traumas por que passara. Insistiu. Persistiu. Resistiu. Até chegar à onipotência de um simples batismo, embora de um extenso cerne: Buda.

1 de junho de 2006

Empada

Insiste esta alma na intolerância à existência. Existir conforme a bússola das arquiteturas oriundas da Civilização corrompe as ginásticas da alma.
O corpo é insuficiente à liberdade do cerne. Este não pode estender-se, ficar à vontade no interior desta receita orgânica.
Casa inimaginável.
Cortiço.
Humano perante condição subumana.
Sub-Humano é Ser-Humano.
Há equívocos quanto a nomenclaturas.
Etiópia de conotações.
O Mundo Interior lamenta. Lamenta o que a carne vê e conseqüentemente o abstrato sente. Lamentos que emanam das frestas das janelas dos asilos.
Quantos crochês demando para enganá-la, Oh! Vida? Toda porção de Tempo a tapeia: as crianças empanturram-se de ficções para suportá-la, os jovens usam da hesitação como solo e se emperiquitam com modas, tatuagens, piercings, drogas, roques sem voz, sem autonomia e se enclausuram em suas depressões e se suicidam e se sentem inseguros e se rebelam contra eles próprios. Os adultos depositam o dessentido vital em excesso de trabalho, sexo previamente programado, cerveja outorgada aos finais de semana... Velhos... Inevitavelmente se inclinam a tricôs, crochês, pontos de cruz, igrejas e mais igrejas e mais religiões abundantes. Querem um carinho ao serem concluídos e exterminados pelo Tempo; talvez seja por isso que enveredam às máximas de Jesus. Desejam recomeçar a estória com o mínimo de dignidade, com solos consistentes. Temem a queda. Parece-lhes que a morte é um avião a quedar. Sensação pavorosa... Peregrinação das caretas do abstrato. Morte é o íntegro desrespeito que equivale ao viver.