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31 de dezembro de 2006

Desenho Animado

Condena. Protesta. Censura. Depois, é presa das próprias desenvolturas a que chegou para inocular na Humanidade. As próprias arapucas que sempre armou, num vento, cuja direção foi eleita pelo Destino, cercam-na, ferindo todos os sentimentalismos e o vasto ego complicado que lhe veio de nascença. É tudo tão Piu-piu e Frajola.

27 de dezembro de 2006

Brasília

O suor não escorre;
Caso haja um transeunte,
É protesto,
Manifesto,
Anarquia,
Passeata.

Endereço inusitado,
Árvore tropeçando no asfalto,
Português sem tendências.

Primos, gentes diferentes,
Tio, cemitério, tristeza unânime...
Céu repetitivo,
Extensão dos céus das Minas.

Meninas madames,
Rapazes elegantes,
Juventude movida a Diesel.

Só um instante,
Já estou aqui há dias e,
de nada sei,
desconheço os espaços por que já passei.

Sinto as sensações a que minha bússola me induz.
As geografias são pretexto a minhas melancolias...
Na verdade, é tudo tão superficial,
Quanto os maciços investimentos na estética.

19 de dezembro de 2006

Inconsciente, consciente

Sou? Nem pensar! Isolem. Abençoem-me com águas, ainda que irrelevantes, bem intencionadas. Águas-recepcionistas de apartamentos de luxo. Não posso cismar em querer achar que sou. Não sou. Na noite em que as dores no peito me apareceram e eu, enfim, dei um veredicto de que nada, até então, condizia com o que eu esboçava acerca da existência, gerei nitidez, enorme nitidez a minha ignorância enquanto compromisso às escondidas da Vida.
...
Vou com este caminhãozinho velho, com a vida em frete. A alma é tão vigorosa; um vigor nocivo, sabe? O corpo é frígido. Exceto nos momentos de libidos itinerantes. De súbitas e órfãs felicidadezinhas.

18 de dezembro de 2006

Criação

Adoro os seus dilemas. Não sei se compro um laptop grande ou pequeno; meia calabresa e meia presunto e mussarela? Não, uma inteira de frango com catupiry.
Os canteiros do centro da cidade, a esta época de natal, estão parecendo sopas escaldantes.
(de dentro do carro): uma boa noite aos rapazes.

14 de dezembro de 2006

Antônimo

Lísia não tem o poder explícito do Falo, embora possua possante masculinidade em sua dinâmica diária de se mostrar à vida. Carrega a vagina denotativa e a feminilidade e delicadeza e sensibilidade de um clitóris.

11 de dezembro de 2006

No elevador

Como um helicóptero de resgate em ação, a sensação do fim aproximava-lhes da cabeça. Oito pessoas. O limite do elevador marcava oito pessoas. Minutos se estendiam à validade de um dia. Foram vinte minutos imensuráveis de sufoco.
Espelho embaçado. Condição psicológica enfurnada na facilidade – então avessa – de se respirar. Pânico. Sistema digestivo comprometido. Calor oriundo de um complexo de neuroses.
A maior questão que lhe vinha à cabeça era: “como ficará minha família após esta asfixia de que morrerei?”. Tudo resultou como os finais felizes das histórias infantis. Acabou indo a um bar, deixando-lhe, em uma das paredes, um dos versinhos que costumava escrever.
Voltou para casa. Lavou-se. Tomou seu estimulante para o sono. Acordou esteticamente ilesa.

10 de dezembro de 2006

Grande Circo

Datas imprevisíveis
Artista: Mariana F.
Entrada franca

Mariana alude as pessoas mais observadoras à ingenuidade com que se apresentavam os mágicos de muito antigamente. Da época em que os avós iam ao circo com o propósito principal de ver truques tão bem feitos que esbarravam nos segmentos da realidade.
A família está dentro de casa, discutindo para que endereço vai se mudar. Todos opinam. Querem fidelidade à casa que viram na foto. Sem uma nesga de diferença. Pedro Paulo faz questão de que seu quarto seja de frente para a rua.
Robson, o patriarca, respeita o empenho dos filhos, mas já não possui tanto empenho com as coisas do Mundo. Há bem pouco, perdera o irmão com quem tinha mais afinidade. À mesa, eles festejam uma cobiça. Fogos de Copacabana. Barulho. Emoção. Empenho. Risos. Ao silenciar o assunto, parece que as pretensões não sairão do status de pretensões. Mas, acaba que tudo acontece. A dimensão dos planos é imensurável. A realidade é fúnebre como uma obra inacabada, embora aproveitada para bandinhas alternativas se apresentarem a preços de bananas no Brasil. Que sonhem, portanto a família de Mariana F.
O assunto segue um nexo. A evolução apresentou ao homem a coesão das coisas. Há, obviamente, as mentes vitimadas pelos distúrbios. Daí, pensam sem seqüência.
Ai. Não me interessa as porcentagens da Ciência, da Medicina. Muito me interessa a poesia que se dissimula em tudo que é permeável aos sentidos.
Mariana F., sem consciência disto, retira de uma cartola implícita, palavras que destoam da expectativa dos seus convivas. O marido fala de economia e ela cita versinhos da época em que fazia a quarta-série. E ri sozinha. Diverte-se como um recém nascido que é o mel purinho de autenticidade.
Conto-lhe casos dentro do carro, ao som dos nossos ídolos da MPB. Ela parece estar concentrada em minha amostra de palavras em esteira. Quando cesso, ela me diz:
- Esse Chico Buarque é mesmo um gênio.
Ela nos ilude como um mágico. Todos os dias, posso ter um circo gratuito à disposição. Exatamente um circo. Itinerante. Espalhafatoso. Performático.
Preciso deixar-lhe um bilhete. Faço-o. Quando volto, na tentativa de um pronunciamento mudo, olho-a e ela sugere ter cumprido o que eu lhe havia pedido. De antemão, sorrio a ela.
Partimos para o diálogo dito. Ela me agradece por eu ter lavado as louças. E eu novamente a olho, encharcada da pureza. Da pureza que bafora dos desatentos e ingênuos.
Nenhum bilhete é urgente. Nenhuma burocracia é urgente. A morte até que é um pouquinho urgente, demanda agilidade, velocidade... Antes que a Natureza inicie seu jantar e nos sobre os ossos daquilo que um dia foi imensa dinâmica, imenso mundo.

7 de dezembro de 2006

Prestes ao Xadrez

Que tranqüilidade elas têm para se enfurnar no hipotético cotidiano de certas pessoas que lidam na sociedade. Num ato obscuro, como bandidos hábeis, fartos de didáticas, Andréa e Alessandra prognosticam, equivocadamente, a lida das pessoas.
Ao invés de manufaturarem as sensações com filosofias, com citações abstratas, batizam as pessoas das alquimias a que a condição humana é submetida. É crime. É inverdade. Suposições de sentidos carentes de vitalidade. Por isso, intromissão na vida alheia. Banditismo. Merece, indubitavelmente, punição.

27 de novembro de 2006

Genialidade. Genitálias

Não temo perdê-lo. As minhas posses são inconsistentes.
Sou distante deste próprio corpo,
Das coisas que meu mundinho foi abocanhando.
Sempre me sinto pingente de mim mesma...
Sou o mundo esfumaçado.

Não temo perdê-lo.
De fato.
As águas se esgotam perante as movimentações da intimidade;
Intimidade que sonega as carências de meus sentimentos.

Maldita intimidade.
Maldito bicho esperto esse homem;
Estica-se em uma vitrine qualquer e sobrevive das ovações alheias.
Sobrevive da reputação.
Reputações são uma plêiade de enormes equívocos.

Quero, quando estiver encharcada de melancolias, conviver com trivialidades.
Nada de túneis entre mim e o outro.
Nada de pistas duplas e penetrações frígidas.
Dividir minha mesquinhez é estender o sofrimento, que se locomove feito o vôo de baratas aptas a fazê-lo, às pessoas.

Não há o que mereça a repercussão das aspas.
Vamos viver o comum.
Aceitar o comum,
Até que o segundo encontro fatal nos venha,
Meu Amor sem nome, sem status, sem orgânico.

26 de novembro de 2006

Equipamento da Antropologia

O vital mutável está inerte perante esse dia de orgias, curvas e irreverências.
Sábado.
Lira acostumou-se com a marcha dos dias úteis.
Promoveu o fim de semana à santidade.
Salvação.
Hoje, por lamentos orgânicos e prostrações íntimas, optou pela solidão.

Pouco lhe adianta:
A solidão bafora, amiúde, o verbo estendido de tudo que foi existido.
A solidão é um antro de memórias extraordinárias.
A solidão é a certeira nudez da estirpe humana.
A solidão é uma ingênua criança que é tapeada nas rodelas sociais,
Nos parques com ares virgens,
Nos frenéticos discursos sexuais.
Mostra-se, por vezes, ainda que cadavérica,
Lúcida.

Não o ama.
Não saliva amor.
Não é altruísta e, portanto, não carrega o sentimento alheio às próprias dependências.
Não tem muitas coisas a elaborar.
O fluxo de sentimento corta a cútis da mulher.

Sábado.
Produções salvariam um âmago penitente.
A beleza é uma mola imensurável ao bem-estar.
Mas funciona com a potência e com a fugacidade das alopatias.
A solidão, fatalmente, mostra-se, ainda que cadavérica,
Lúcida.

Elabora a forma de exterminar o grande martírio.
Basta-lhe extirpar a consciência.
Basta-lhe a coragem, a covardia dos que – num ato antropológico – mutilam-se por inteiro.

25 de novembro de 2006

Atchim

Num súbito, involuntariamente, os sentidos concentram-se na geração e no parto instantâneos do espirro. ATCHIM. A-a-a-a-a-t-t-t-t... Ameaça que não se consolida em atitude. Às vezes, tudo indica que o espirro está por vir e nada. Como tardes cinzentas que iludem o astro rei; como o amor traiçoeiro; como um homem com estampa máscula e voz demasiadamente aguda.
O espirro caiu no antro da obviedade que abocanhou a vida. Tudo é tão evidente que não é curioso investigar as diversas ramificações do existir. Encharcam a consciência com alterações econômicas, com teorias políticas, com apologias, com objeções, com padrões, com anarquias. Pensar, nas atuais conjunturas, denota laboratório de neuroses. Hesitar perante os bastidores de tudo que fica em vigília das existências – cujas conseqüências são nosso único acesso às vidas – é uma prática que muda nossas águas interioranas. Tudo se aglomera na Cohab dos Mistérios.
O ato de espirrar é um mandamento neonazista, afinal, intempestivamente, torna-se fantoche de uma ação que vem de forma outorgada. Que deus fica por trás desse empreendimento pleno de soberba? Quantos deuses são indiferentes às aptidões alheias.
Todas as coisas que desempenham função de ração aos sentidos e ao sentimentalismo são pretexto à arte. A arte bem lapidada possui considerável quantidade de remetentes na ignorância humana.
A destreza inerente ao espirro compõe a grande alquimia da minha tolice. Eu sou tola de mim mesma. As mais belas paisagens o são. O magnífico vôo de um pássaro o é. Tudo são tolices.

23 de novembro de 2006

Caridade

Finalmente, tenho restos e sobras de tempo. Estou corroída pela própria condição a que o Tempo me submeteu. O dia foi um gerúndio com letras ininteligíveis de um recente aprendiz da linguagem escrita. Confusão. Muita demanda a uma essência inábil a mil e uma burocracias vãs.
O bicho civilizado andou a passos velozes pelo dia todo. Correu feito répteis assustados perante o colosso de um bicho-gente. O meu colosso são os prédios imensuráveis do centro da cidade, as falações que assassinam meu ouvido defeituoso, sapatos altos exalando maus hábitos, sóis dissonantes com a fome da minha cegueira.
As pernas se desgastaram a uma proporção que equivale a dez anos de uma máquina comprada com garantia de troca (em caso de surgimento de desgastes precipitados). Envelheci muito do que a Fatalidade tinha para me envelhecer. Num ato presunçoso e dessabido, ignorei a Natureza.
Nem a rixa inerente ao existir foi respeitada. A consciência, brigando com o frenesi da inconsciência, culminou em desrespeito a ambas. O ritmo continuou, a tentativa de calmaria foi vã e arrisquei-me nos parâmetros da indiferença. Enganei-me. Equívocos acontecem. O organismo, em sua homogeneidade, peregrina – com seus pés possantes – por toda a agonia de quem tenta abdicar-se da própria vida e não consegue. O organismo é um vestibulando despreparado para a potência que se imagina da Morte.
Meus devaneios já estão inaugurando um manicômio próspero de grandes existências intraduzíveis. Espécies inimagináveis pelos grandes sábios cientistas lançam-se a mim; num, ainda que involuntário, gesto de carinho ao Homem, acolho cada novidade viva.

15 de novembro de 2006

Agonizar

Como sempre, ela. Ela, que é o meu regimento, embora seja genérica e insensivelmente tratada como vida. Parece tão simples como a arrumação de uma pessoa que ainda não se percebe, embora se sinta atraída por alguma força sexual.
O interior humano são coletâneas de sentimentos que culminam numa eternidade de águas. Tudo é amor. As águas em que culminam as nossas veias são iguais. Tudo é amor.
As aptidões pelo ontem que ainda era futuro promissor foram medidas a partir dos parâmetros imensuráveis do desejo de um amor utópico. Ontem. Futuro. Hoje. Passado. A vida, tão genérica e reduzida a uma besteirinha paraguaia, quando analisada por uma concentração de psicologias que emanam de uma existência, torna-se casa de costureira altamente requisitada.
Hoje repete a melancolia que arremata as minhas diárias neste planetazinho de sentimentos equivocados por temer o risco.

14 de novembro de 2006

Sala de cirurgia

Abstenha-se, não sei através de que apelos, de toda soberba que envolve sua linfa. Neste instante, é o orgânico o único fluxo de experimentos. Constranja, enclausure sua essência. Senão, ela chegará ao estopim do desespero. Os sentidos todos ficarão em alerta.
Mate sua alma. Reduza-se ao bicho que deveras é, embora se esqueça dele por vezes. Agora, no ínterim da peregrinação temerosa ao açougue entre congêneres. Morra. Que o orgânico viva sem a vigília da existência intrínseca.

7 de novembro de 2006

Um belo chupão

Por Thalita Oliveira
Homenagem ao chupão de maior repercussão que já aconteceu nas imediações do meu pescoço.

Uma denominação um tanto quanto pejorativa a esse ato de amor.Amor ou sacanagem?Eis a questão.
Violenta-se um pescoço.Sim, o pescoço.O chupão poder ser dado em qualquer outra parte do corpo e pode ter a pior marca que não causará tanto rebuliço quanto no pescoço.
Nos brancos, o vermelho.Nos morenos,o roxo.Ninguém escapa ao constrangimento da marquinha indesejável. Pode ser dada a desculpa que for: “É alergia a cordão”, “Fui trocar o perfume,olha só no que deu”, “O gato da minha vizinha me arranhou” e pode até ser que sejam mesmo desculpas verdadeiras(menos a última que é pouco improvável,ou não, se interpretada em outro sentido),mas as piadinhas sempre aparecem tão fortes e insistentemente como o chupão.
Para esconder ou eliminar essa temível marca todos os remédios são aceitos. A blusa de gola é a mais usada,mesmo em um calor de 40°,melhor morrer de insolação do que ser vítima do deboche alheio.Os lencinhos amarrados no pescoço, que um dia estiveram na moda, também aparecem com força total nessa época do ano.Já ouvi falar até em passar o pente no lugar da marca para acelerar o seu desaparecimento.Será?Não custa nada tentar!Tem pessoas que até cultivam e cultuam a marquinha expondo como se fosse um troféu.Vai entender!
Mas sem hipocrisias!Quem nunca teve um chupão que atire a primeira blusa de gola.Acontece sim,nas melhores e piores famílias.E não ficarei dando dicas de como evitar.Ser humano nos permite tudo até mesmo chupar e sermos chupados.Pode ser um absurdo pra sociedade,mas é fascinante para quem recebe.Então usem essa arma do amor ou da sacanagem e boa sorte!

5 de novembro de 2006

Desamor

É como se, ainda que eu não escolhesse o objeto de minha lascívia e de minha necessidade de apego, a vida me induzisse a desejá-la (o). É como se tudo de que tenho conhecimento me tornasse fiel, dependente de um grande desconhecido que me perturba com sua ausência. Sim, quando não se ama, sente-se uma ausência em irreparável vigília. O desamor é o incumbido-mor da melancolia que me abate. Quando, enfim, aproxima-se de mim um indivíduo amável, na mais léxica instância, a consciência faz uma nova leitura da tristeza. Numa demissão de pensamentos e de sensações, prevalece sempre a tristeza. Por quê? Meu incansável e humilde questionário desbotado pela eterna disposição: por que se sentir assim?
Tudo são tolices. Porque, felizmente, a memória reconhece e tatua a existência da morte. Caso pensasse com sustância, não reclamaria do afeto, do desafeto, da frustração amorosa. Meu pensar é penoso. Meu pensar é ignorante; colossalmente ignorante.
Pormenorizar o sofrimento não é sadio. Mas passa; passa como aquele amor perfeito e involuntariamente findado. Num átimo de instantes, acorda-se e o veneno do equívoco aparta-se do corpo, deixando-o permeável à capacidade de amar o novo.
Quero muito destacá-lo. Pô-lo vivo nas limitações de um advento humano. Quero muito estender os sentimentos ao governo da Escrita. Como a pretensão de cada artista com sua penitente arte.

2 de novembro de 2006

Amar

Rejeita minha consciência o elemento natural que atribuem ao amor. O amor parece às gentes um automatismo cósmico. Não deixa de sê-lo. Embora, para atingi-lo, é necessário romper o desconhecimento com que a vida surge.
Antes não o conhecia. Meu conteúdo estava em incansável alerta quanto à própria capacidade de se sustentar. A solteirice é nociva quanto um amor hesitante. Todo amor é hesitante. Aquela se desespera perante a solidão de ser individual, de ser incapaz de se ajeitar com os instrumentos de que o Cosmo nos dispõe. Este outro nos torna carnavalescos ostensivos sem recursos. Carnavalescos frustrados, munidos com oratórias – justificativas.
Sentidos que me são irreparáveis. Desde que o Mundo me é Mundo, sentidos. Ah! Sentidos. A estatura de quem não sucumbe me alude ao amor. O amor é um decalque que, aos pouquinhos, colocam-se por entre nossa composição intrínseca. À medida que se vive, tende-se a crescer, crescer, crescer, crescer... ... ... Crescer, crescer, crescer. Ainda que meramente organicamente. Enxertos sem remetentes se apropriam do nosso despropósito diário. Assim é o esquema de que não se sabe do Amor.
Os sentidos precisam fulgurar, inconscientemente, alguém para que o amor dê as caras a quem lhe procura. Ou a quem não o deseja. Os sentidos possuem a capacidade autônoma de seleção. Elegem. Optam. Estendem-se a um desconhecido. Inicia-se um processo de emperiquitar o enigma com verdades inconsistentes e persuasivas.

28 de outubro de 2006

Ivonete

Não tenho a que recorrer. Fico iludindo minha própria sensação de piedade. Esta não foi feita para viver. O ideal é nascer e, imediatamente, morrer. A piedade existe porque algo de triste existe. Esse sentimento poderia ser um gringo ininteligível a novas safras das criaturas que pertencerão ao nicho de evolução.
Penso que vai haver um jeito. Haverá uma forma de salvar todas as mazelas do mundo e emperiquitá-las com a grande potência da paz intrínseca. Estando em paz com a aura que nos acoberta, o Mundo não pesa. Os sadismos repercutem em entusiasmos das nossas próprias grandezas.
Ivonete. Não havia tido contato com uma capacidade da Fatalidade tão apelativa. Um montinho de vida vem à Terra com o propósito de, involuntariamente, gerar a sensação do trágico-cômico às pessoas. Venho revelar a você a piedade de que tem sofrido meu coração. Meu sentimento se mutila perante sua presença. Você chega-me com uma doçura transbordante que desafia os sigilos escrotos com que a estirpe humana acostumou-se. Sua doçura cavalga com os clichês tão salutares dos sorrisos legítimos, que têm impulso no cerne. Ah, Ivonete, como você é doce.
Não tem noção das regras convencionadas pelo bicho civilizado. Não caiu nas seduções desse mundo que inibe a própria condição. Na hora de fazer os serviços domésticos, levanta uma população de equívocos. A mesa é composta por copos somente. Ao telefone, como um ser incipiente que se assusta com o próprio som, emite sílabas incompreensíveis. Não a entendo. Não imagino que monstrinhos a assolam. Você é o meu mais novo Mistério. O enigma mais tecnológico da morte e da vida Severina é você.
Creditarei forças no inimaginável... Apelarei a ajudas e mais ajudas. Neste próximo conteúdo de tempo, não estaremos mais juntas. No entanto, todos os dias, quando meu pensar se arriscar no impensável, pedir-lho-ei. Pedirei momentos de conforto. Diversão a sua moda. Amor. Amor ao inanimado, por que não?!
Nunca a esquecerei. Jamais. Enquanto o sempre me existir, lembrar-me-ei de você. Fica-lhe a minha boa vontade.

27 de outubro de 2006

Perda. Perdão.

Qualquer intensidade de morte gera um frenesi chocante nas dependências do intrínseco. Adriana, artista por nascença e por investimento, fizera um lindo trabalho a respeito de uma cena que presenciara de longe enquanto freqüentava, por necessidade, o centro urbano. Havia um casal de noivos sob posições cadavéricas a fotografias.
Veio-lhe, como de praxe, um monte de insinuação:ela crê em uma mudança radical de sentido; na transmutação ágil da essência. Ele, incomodado perante a série exaustiva de fotos, propõe-se à tradição, com a confiança de que a eternidade é bem provável. Não há um sentimento forte da fugacidade. Que bom. Legítimas crianças que escolhem e descobrem as ondas do mar.
Infelizmente, tomei nota cedo que os movimentos são previsíveis e atormentadores. Vez por outra é que o mar se mostra mirabolante. Às vezes para anunciar o caos; o irremediável. Às vezes para mostrar uma face fascinante do existir. Mas são vezes históricas.
Por uma distração muitíssimo rápida, Adriana perdera a arte que talhara a uma folha fina de papel de seda. Lamentou-se aguda e velozmente. Agora se perdoou, como alguém que dissolve maus sentimentos e se torna permeável às boas novas do Amor.
Está tudo tão contraditório. Como o peso do status de se existir.

26 de outubro de 2006

Inanição

Os sentidos demandam uma dieta demasiadamente salutar. Senão, sucumbem. Vivem, quantos vejo, enovelados em inanição. Psiquiatras, psicólogos, terapeutas nada resolvem... São congêneres; não há o que se fazer, pois que são enxertados com as falhas inerentes à condição do bicho homem

25 de outubro de 2006

General

ESTE É DEDICADO A UMA VOLÚPIA DE SENTIDOS E DE ORGÂNICOS ILÍCITOS

Ele segue sempre à frente. Vai, empertigado, humano – pejorativamente humano – a assolar as existências mais autênticas a si mesmas. PUDOR. Masoquismo eternamente a dispor da nossa contra - vontade.
O pudor segue a minha frente; com seus instrumentos de corte, faz cirurgias emergenciais em minha própria essência. Tira-me o que me indica o coração. O pudor é uma quimioterapia agressiva que estraçalha trechos saudáveis do âmago.
...
Segunda-feira, fim do expediente escolar, à espera do ônibus. Eis que me surge, ranzinza, frígido e horripilante o pudor. Quando se mostra, fatalmente, é porque alguma regra civil está despencada como um quadro cheio de porte afixado a um prego magérrimo. Pois o pudor se lhe instala. O bom-senso é uma grande presunção que cismamos respeitar. Ele é um artesanato humano que repercute em malefícios ao próprio homem. Devido a tanto pudor, ele enclausurou suas aptidões, enfartou a alma e a matou; agora vive desalmado, com o peso do orgânico e os sofrimentos inerentes a ele. A inteligência é afrodisíaca. Li isso numa volúpia de procuras de alívios ao tédio. Em procura de meu remédio anti - monotonia. Deveras, ela dá um empurrão inicial na libido. Estetas, patetas, canastrões, carnívoros ou sensíveis demais em fora de hora dão aos cachos nessa Terrazinha. Um inteligente, um incumbido de transmutar o Cosmo em uma tecnologia humana é fascinante, apaixonante. Por isso, meus prós estão em um enorme sindicato em nome dele.
Ainda bem que, quando chego aqui, quando me vejo enfurnada nos meus pertences, há Nelson Rodrigues a me aliviar como a mais eficaz alopatia. Lancho, todos os dias antes de dormir, todas as verdades de que minha linfa necessita para se aceitar.

22 de outubro de 2006

Excursão

Jane percebeu, num estalo de tempo, o quão importante é, como um processo avesso às ondas do mar, enveredar-se ao conteúdo intrínseco de si mesma. Caso a dança dela dependa das musicalidades que se codificam a partir do irmão, da irmã, do grupo de amigos, do pai, da mãe, das pessoas enfim, inevitavelmente, o corpo ficará encharcado de dores crônicas.
Decidiu, obviamente que devido a estímulos cósmicos, sê-la. Explorar as próprias hortas é tão fenomenal como aquela única vez ao ano em que se faz uma viagem prazerosa ladeado por pessoas importantes à vida.
Prováveis fumaças inconvenientes que emanam dele, dela, deles, do complexo de gentes e mais gentes não mais surtirão efeito à consciência de Jane. Assim é que as atuais conjunturas ditam a ela. Mas, sabe-se lá. A essência transfigura-se em uma nesga de intervalos. Hoje está valendo a regra suave de ser a unicidade a que a Natureza induz

20 de outubro de 2006

Vômito

- Boba, mal resolvida, sem personalidade, doença de alma, bem feito, volúvel, pseudo-intelectual, grosseira, você não é mais sensível que ninguém, somos todos iguais, mimada, cala a boca, não estou falando com você, BOBA, eu já fui assim um dia, isso passa.
Lágrimas de um lado, lágrimas de outro. Bom a quem tem pressão baixa. Lágrimas doloridas, autênticas. Não de enterro de desconhecido. Lágrimas. Mais nada é preciso para estabelecer ao dia um pouco de tristeza... A tristeza que é filha de quem possui essência asmática.

19 de outubro de 2006

Mr. Grazinoli

Esta é dedicada a você.
O amor se infla em momentozinhos banalizados pelo civilizado. Não há pretexto, não existem terceiros à espera. Numa miscelânea de súbitas gangorras que o ônibus em dinâmica faz com a gente, nossas essências vão se descobrindo congêneres.
Músicas, artes, inquietações que não se enfileiram em citações frígidas de alguém que cobiça projeções e repercussões. Músicas, artes e inquietações que compõem a química da nossa linfa. Nossas químicas se jorram como uma brincadeira com duas mangueiras face a face.
Encarando a essência. Encarando a verdade? Revelando a monstruosidade de ser gente. Tapeações de nobreza à condição animalesca a que pertencemos. Críticas sem sadismos medíocres. Críticas egocêntricas... Sarcasmozinhos originais.
É assim que tudo começou.

17 de outubro de 2006

Da nascença ao óbito

Receita fresca.
Ainda que tenha sucumbido à obviedade inconsistente de tudo, o bebê atrai gentes do Pantanal. Inconscientemente, a perplexidade que se ajeita mostra suas arcadas. Magnitude.
Velha novidade que espanta. Todo dia me espanto. O Mundo é vivo. A morte faz gambiarras que culminam em vida. A vida é um gato que se faz com a rede elétrica.
O bebê cresce. Evidencia suas próprias percepções. Ingenuamente, denota suas máscaras. Escolhe. Avança a um lado. Opta. Pára. É devoto do animalesco que o assola. Começa a estipular – involuntariamente – a verdade. Carrinhos que andam retos, corretamente; carrinhos que se estraçalham. Faz o dia embasar-se nas performances do carrinho.
Matriculam-no à escola. Certas crianças revelam misantropia. Acostumaram-se à união solitária com as próprias máximas. Num súbito, um antro de verdades diversificadas as repele. Há os que se entrosam rapidamente com seus contemporâneos até então ocultos. É preciso condizer com os paradigmas do civilizado.
Puberdade. A aragem rodriguiana passa a ser a bússola da existência. Até a entrada a uma loja pode processar o constrangimento. Este tem grande quantidade de remetentes na conturbada sexualidade. Todos já beijaram, todos são expert em masturbações alucinantes. Um; apenas um não beijou, não deu rações à sexualidade. Temeu o ato... Encharcou-se de exércitos. E fica envergonhado naturalmente, conforme as baforadas do enorme ditador. A insegurança o aliena da massa exagerada que emana da essência.
Cresce e envereda a uma carreira, habilita-se para dirigir, é impelido à envergadura da compostura. Nesse instante, essas burocracias desempenham o carrinho de outrora.
Atinge à velhice. O grande alucinógeno é “ficar à espera” da novidade – vasta ignorância dos que vivem.

15 de outubro de 2006

Fragrância

Iniciou-se, agorinha, uma estação com novas lâminas de fragrância. Sinto-me nostálgica. Sinto-me melancólica e, até aqui; até este momento, ainda que tenha passado por intempéries desesperadoras, meu orgânico agüentou as mazelas que emanam das intempestivas fragrâncias que me existem.
O redemoinho de vida fada meus tempos e deixa os veredictos a meus domingos. Domingos que massacram qualquer coisa concebida pelo Homem.
Na época em que quase sucumbi à indecência da morte, os domingos me valiam flores, os domingos me faziam de pirata que avista, ao longe, ouros e ouros. Domingos e os agregados da semana. O tempo – presunçosamente em marcha ao homem – era-me o templo de meus sentidos em dinâmica.
Tempo? Genuína guerra unilateral. Guerra com armamentos de soberba. Tempo? Primitivismo a que somos submetidos.
Minhas fragrâncias culminam em minha própria náusea. Queria a destreza de ativar e desativar a vigília dolorida dos sentidos em sindicato com os sentimentos. Hoje estaria tudo em silêncio de funeral noturno. Amanhã, mansamente, levantar-se-iam minhas luzes. Novamente, como uma vida recente, encharcar-me-ia de hesitações perante os tubos de ensaio que compõem o Cosmo.
Cobiço; como cobiço diariamente, o retrocesso de passar a consciência em um processamento de desintoxicação e, finalmente, todos os dias, descobrir a totalidade da ignorância que me assola. Quando se descobre a legítima tolice, o Mundo torna-se tão simples. Tão digerível. Muito menos agudo do que o terremoto de burocracias medíocres que se tem a resolver.
Preciso bloquear minhas lembranças. Preciso nascer, nascer, nascer, nascer e me tornar sabiamente ignorante amiúde.

14 de outubro de 2006

Chazinho de Deus

Bem. Certas criaturas têm um cacho de pudores para se falar em evacuar. Evacuar é, friamente, a lágrima, o repentino aparecimento da chuva, as súbitas coloração, temperatura e liquidez do xixi.
Como Ele está em incessante vigília. Perplexidade perturbadora.
Pequena xícara de chá ao domingo insosso.

10 de outubro de 2006

Alaska

Dá para parar com essa barulhada? Meus nervos não agüentam essa dissonância dos gelos praticando masoquismos de se chocarem de encontro às paredes do copo. Gelo brindando o sadismo dos sentidos da Terra que persiste. Por que a Terra insiste nisto aqui que me torna inquieta? Infeliz, deprimida, sofrida à beça. A ingenuidade dos gelos me irrita. Incumbo-os do meu tédio de ares e ares. Deveria me esquivar dos sentidos humanos. Eremita seria uma boa saída. Mas, certamente, o desespero materializar-se-ia como um chafariz às avessas. De mim mesma, brotariam químicas perturbadoras. Turbilhões e turbilhões de momentos póstumos do efeito da cocaína. Tanque de experimentações. O inanimado torna-se volúpia diante da maestria humana. Tudo pode culminar no orgasmo dos meus sentidos em incansável vigília de Mundo. O inanimado torna-se depressão às criaturas. O inanimado comprime e comprime o processamento da Vida. Intercepto os outros planetas. As habitações me assustam. As mazelas mais graves estão soltas, embora enraizadas em corpos de condições de gente. Focam os primitivismos de essência em casinhos irrelevantes. Os mesmos bichos têm uma intolerância mútua.
A clausura me faz carícias sexuais. A esteira hipotética de luxúrias precisa permanecer pingente nas fantasias. As fantasias é que me cegam e a cegueira é que mantém minhas pernas devotas da gravidade. Abstive-me das bengalas fajutas. Quero uma mata arriscada. O cume da adrenalina malvada.
Ainda bem que as portas são pálpebras que se beijam. Ainda bem que nossos elos outorgados privam-se de entrosamentos estreitados. Fase de misantropia integral. Fragrância que rejeita fragrância.
Vá fazer barulhos com os gelos do Alaska.

8 de outubro de 2006

Estupidez

Tudo que exporta, inevitável e involuntariamente, desce-lhe ardendo pelo côncavo receptivo da alma. O inferno é o outro. O trabalho por que Tâmara optara ou fora despercebidamente induzida a fazê-lo demandava o instantâneo sentimento que se consolida perante a dinâmica dos atos vitais.
É domingo. Os céus, as flores, os ares, as roupas abobadas dos varais, as cirandas urbanas... Tudo parece uma plêiade entrosada. O silêncio. O silêncio é o maestro dessa reunião. A melancolia fica ao fundo, como coadjuvante de um dia que se repete no ínterim dos dias. Domingo.
Tristeza. Pilha de roupas propositadamente a lavar. Movimentos corporais que mexem com a sensação de Nada que existe na cabeça.
Lava as roupas. Os braços doem. A cabeça peregrina ao encontro da serenidade. Esta, intempestivamente, encontra-se com a melancólica musicalidade que envolve a Humanidade.
Fica o duo encostado em um feixe de consciência da mulher. Ela assenta-se à frente do computador. Coloca uma música clássica e, rapidamente, escancara as portas e as janelas de suas casas virtuais, que lhe promovem contatos, convívios, encontros de amores que moram bem longe. Primo do Pantanal. Está quieta e com os sentidos concentrados em plenitudes da música clássica e em escritos que importa de um sábio primo, pelo qual possui um sentimento enorme.
Percebe o vulto de sua irmã – Sarah – a transitar pelo lado de fora da saleta do computador:
- Sarah, venha ver as fotos do casamento.
- Ai, deixa-me ver. Devo ter ficado linda, né?!
No meio deste pequeno baralho, entra à conversa Augusto – irmão das meninas. Com uma grossura de praxe, diz à Tâmara:
- As fotos estão todas tremidas; isso porque você mexeu nas configurações da sua máquina.
Tâmara é muito sensível. As atitudes alheias sempre lhe batem e geram, de imediato, químicas e químicas. Às vezes, amargas, às vezes, plenas e salutares.
O irmão detém uma incomensurável quantidade de evoluções. No entanto, a tônica da deficiência humana – inseparável a qualquer um – bate-lhe em grossura.
A grossura é uma orquestra dissonante que enclausura por horas e horas uma platéia enorme e sofrida.

Lanternas

Quando, de supetão, atenta-se à ignorância, qualquer recinto, qualquer aura, qualquer circunstância, qualquer estirpe de comportamento podem desencadear-lhe interesse. A consciência e a edição das idéias portam-se serenamente. Os serenos têm o privilégio de sentirem a magnitude que emana de um artesanatozinho de Deus. Mas, são sempre objetos de atuação de cabresto de senhorita Melancolia.
Não importa. Sofridos, incumbidos, penitentes, os serenos – seja naturalmente, seja por vias ilícitas, seja por não sei o quê – têm probabilidades e probabilidades de utilizarem a proposta da razão lapidada da espécie humana.
A eletricidade exacerbada, que assola a maioria das gentes, sopra-lhes com tanta agudez que acaba por lhes espalhar as idéias sobrepostas a chãos, a paredes inaproveitáveis da essência.
A missa foi interessante à Heloisa. Missa soava-lhe como um fascismo ingênuo oriundo de seus pais – criaturas sociáveis e dóceis. Na verdade, ir a missas era ato de prestígio a alguém. Altruísmo purinho. Helô não alcançava este veredicto. O tédio corria rapidamente, ao cume do gráfico da irritabilidade. Desprezava o som que provinha da boca do celibatário. Ir a missas era-lhe um desrespeito à audição: eram dissonâncias e dissonâncias.
Nestes novos tempos, neste artifício avançado de tempos, de tudo se podem colher intenções. A oratória do padre da missa a que fora no sábado é de encantar, de anestesiar os empenhos burocratas e fazer florestas instantâneas em que o vegetal que mais prospera é a reflexão.
De volta a casa, por dentro do carro, vê um cãozinho corcunda a subir sozinho e sofrido em direção a outra área. O acordo dos sentidos, por momentos, fá-la sofrer com demasia. A partir das rações empurradas aos olhos, os sentimentos – despercebidamente informados do sabor – entram num processamento danoso ao corpo, ao cerne, à razão.
Então, a vida é isso mesmo.
O amor nada mais é do que as vãs tentativas de compensar as hipóteses levantadas pelo ego.

6 de outubro de 2006

Soldado

A razão ultra-tecnológica é que me transfere ao primitivismo da prostração. As amebas são felizes. Sim, as amebas são felizes. Simplesmente por não se saberem.
Ser informado do que me rege mutila meu patrimônio de poderes. A informação desce-me secamente pela goela. A ciência de se auto-saber é vã. A ciência de ser é uma casta da Índia.
Queria me emperiquitar com a soberba dos que mandam e desmandam neste mundo burocrata. Faça uma limpeza nos vidros desta dependência; limpe o quarto dos fundos; arrume tudo que estiver em lugar indevido.
As arcadas da prepotência tentam vender-se a mim. Prostituem-se. Inibo a visão e, duramente, entroso-me novamente com as máximas da minha doçura.
O Mundo é um grande dedo elétrico que se aponta a nós. Meus sentidos resultam em farrapos. Sou mendiga da serenidade. Faço emendas à constituição que me induz a isto, àquilo.
A doçura arcaica de tempos da candura original resiste. Como um soldado esteticamente imparcial.

4 de outubro de 2006

Bandeira

Mais um livro surge-me como a trivialidade do ar. Bandeira. Ajeito minhas dependências, de forma que a introdução – elaborada e consolidada por um anônimo – torna-se tão interessante quanto à aura que envolve os escritores célebres. O mundo civilizado inicia-se em um processo de encaixe, a partir do manuseio involuntário dos instrumentos que compõem minha percepção. Fala-se de guerras, das novas químicas políticas, do deslocamento econômico, dos radicalismos da Direita e da Esquerda. Fala-se das calamidades que gerou a tuberculose. Hesitação outorgada entre a vida e a morte; inevitavelmente, genialidade se apossa do objeto orgânico afetado.
Destrinchar a obviedade das coisas é tão complicado quanto dosar perfeitamente a serenidade indicada a cada dia. Modernismo. Farelos de Romantismo empertigado. Amores com novas safras de presente inconsistentes. Por isso, amores!

Nova empreitada no Amor

O Amor.
(clínico geral) - Isso é coisa da sua cabeça. Você precisa colocar os pés no chão.
O Amor.

(irmão mais velho) – Você é muito infantil. Eu já passei por essa fase. A realidade não é assim.
(irmã mais velha) – Cristiane, abra-se comigo. O que você tiver a me dizer será respeitado.
O Amor talvez seja um empecilho que a assola. Aos vinte e cinco, ainda não encontrara um quem que condissesse com a melancólica necessidade de inflar-se com uma alquimia inorgânica inimaginável.
O Amor é um monumento a ser observado de longe. A tentativa de transferi-lo ao cômodo da realidade rejeita os processamentos cósmicos de amar. Corpo a corpo é um investimento oriundo da luxúria. Acaba-se apegando ao egoísmo de sentir o outro em eletricidade nela. Dantesco. Animal. Muito animal. Deus. Deus são todas as articulações vitais.
Ai, o Amor.
O Amor que vai de encontro às tecnologias de ponta, que transcendem a distância e o tempo e dessa forma prosperam. O amor se aguça perante um horizonte infinito com perspectivas inconsistentes.
Decalco alegorias e alegorias ao Amor. Quando chego-lhe bem perto: ai, é cadavérico.

30 de setembro de 2006

Prisão Perpétua

Mais uma vez fui ao tribunal. As Themis humanizadas e estrábicas me levaram a um júri. Sem que eu soubesse, um segredinho com más intenções tomou impulso em uma goela e atirou-se à consciência alheia, tomou impulso nesta goela e atirou-se a uma outra consciência... De repente, o segredinho ganhou dimensões de uma verdade rígida.
Ela leu um fragmento de um poeta europeu radicado na América do Norte, que viveu o ínterim da década de trinta.
Não é a primeira vez que me acusam de plágio. A primeira vez foi um tanto quanto interessante. Irei contar-lhes.
O rapazinho que me acusou disse que eu havia copiado o trecho de um livro que eu nunca li. Com minhas bases empíricas, ciente das repetições que a Natureza faz, pensei: quem sabe o canal de percepção entre mim e a autora do livro que nunca li seja o mesmo? Quem sabe sou a nova safra dessa escritora morta? Listei hipóteses e terminei meu ritual em meio a gargalhadas. Sim, porque considero meu pincel um tanto quanto egoísta. A arte é egoísta. Se eu fosse uma prostituta de escritos, provavelmente, eu faria plágios e plágios de escritores obscuros dos silêncios e meditações da Índia. Ganharia muito dinheiro, status, poder, estátuas. Minha arte, no entanto, é uma forma de dar banquete a meu egoísmo, de socorrer as solidões desesperadas que me assolam, de me masturbar freneticamente.
Bom, desta vez, em um evento de arte, tive de fazer um textinho instantâneo. Como de costume, optei pelo duelo entre vida e morte. Disse exatamente: a vida me induz incessantemente ao crime. A vida é suicida. À medida que ela faz-se maciça de vida, mais se aproxima da derradeira goela da Fatalidade.
Um senhorzinho que se intitula escritor falou, empapuçado de certezas, a uma amiga artista plástica: achei lindo quando ela leu o fragmento do poeta europeu que foi radicado na América do Norte na década de trinta.
O senhorzinho é temido. Uma jovem de vinte e um anos não tem repertório e percepção de mundo suficientes para se entrosar com as baforadas da Metafísica. Num espirro, tratou de inventar um alguém ilustre a me representar. Comparações? Atchim! Querem sempre dar aos Nadas uma aura de Da Vinci, de Pessoa, de Gullar. Com a funda garantia de que não passamos de um nada que dá pulos que se fatigam e acabam sucumbindo.
Uma entidade Fernanda Young se introduziu em nesgas de disponibilidades em mim e estou aqui, não a reclamar, mas a espirrar consecutivamente sobre explanações deficientes que têm remetentes em meus congêneres.
Por hoje é só.

Celebração

Congêneres. Dissonâncias. Há de haver. Afinal, nos nossos entrosamentos, não existe maestro. Ali estávamos a bebericar a corda consistente de um R.G. possante que nos encobre. Dançávamos com um frenesi-espécie-rara. Regozijávamos a simples atitude de comungar a mesma ambiência. Nada melhor, àquele quilômetro de instante, senão a vida.
Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?
Isso surge no Pós-acontecimento.
Na lambada do encontro – incrementado com despudor súbito, muita música, gente e gente com a interseção da carência do mesmo Eterno – Analice beirou o prazer que não se agüenta transcender. A integridade do corpo passou a ser um grande clitóris, em que uma empreitada mais valiosa de ventos culminava em um orgasmo mirabolante. Tudo que lhe surgia desencadeava prazeres colossais, que faziam a eletricidade se alterar.

27 de setembro de 2006

Terapia de Casais

Recomendo-lhes, de antemão, que renovem – ainda que voluntária e forçadamente – as águas diariamente. O processamento é lento, custoso, sofrido. No entanto, viável.
Há de se destrinchar a própria sabedoria para se fazer prosperar um “nós” incipiente.
Que sua arte seja cuidar de flores; que a arte do outro seja observar-se com os parâmetros da própria delicadeza.
Gostar é um espelho individual em que o outro se vê a todo tempo. Gostar é deter alegorias que não lhe pertencem.

POR HOJE, ESTÃO DISPENSADOS.

Expediente: de segunda a sexta: das 9:00h às 11:30h/ das 14:00h às 18:30h

26 de setembro de 2006

Rato de Laboratório

Todos os anexos vitais foram pensados a partir do Amor. Ah! O Amor. Parece tão bonito. Parece desfilar as estéticas mais perfeitas dos sentimentos. O Amor é tão promissor. Seus novos tempos ficam estagnados na esperança. Ah! O Amor. À medida que se destrincha às consciências, dá a entender que é um componente imprescindível à conotação que emana do caos.
O Amor é o estopim do egoísmo. Quer-se o outro decalcado nas arcadas. Deseja-se salivar o outro. Ama-se o efeito que o outro desencadeia na própria linfa. Caso o efeito seja colocado em risco, imediatamente, descontrole. Não há pitadas de altruísmo em amor de casal. É estranho notar a capacidade outorgada de amar-se; amar-se com demasia.
Cobiço-o em seções. Há ares oriundos dele que me repelem. Amar é animar-se a um esporte radical e, na hora do salto, falhar. A Cohab que é construída prospera. As imediações se entrosam facilmente. Tudo é lindo e pleno nas dependências do camarim de minhas fantasias.
Quando transporto minhas fragrâncias à realidade: insipidez.
Perscruto os casais que andam pelas ruas, que saem para dançar, que vão a restaurantes. Provavelmente, pelo “nós” inconsistente, demandam um terceiro pretexto para que os encontros sejam tesouros: eu, você e muita gente dançando; eu, você e o telão de um cinema; eu, você e um rodízio de pizza; eu, você e um casal de amigos.
Adoraria me intrometer em uma relação budista, em que o silêncio culmina em safras e safras de um frenesi qualquer. O silêncio é sábio. Assuntos que dinamizam a inércia inerente ao mundo me repelem. Refiro-me à escassez de poesia. Refiro-me a plágios irretocáveis da realidade bruta de vulgaridades, de anomalias, de ocasiões, de tudo que se torna previsível e nocivo.
Enveredei – inevitavelmente – ao amor às artes.

25 de setembro de 2006

Guerrilha

Inaugura-se, na percepção da comunidade interiorana dela, um frenesi. É Gabriel. Os incipientes contatos eram ovacionados por uma dissonância que, a princípio, parecia impenetrável, irredutível.
A configuração da Comunidade interiorana do rapaz nada tinha a ver com os trejeitos da alma de Cássia.
Cássia e Gabriel.
Saídas com assuntos enxertados de assuntos de outrora. Gastura. Insipidez. Inércia de libidos promissoras. Alma com ampolas renovadas a cada dia. Cássia.
Quietude. Sentimento murcho. Pobrezinhos. Incompatibilidade. Gabriel.
Por parte dos remetentes intrínsecos da rapariga, um processamento de esboço de encantamento surge.
Agora a tendência é ficar à espera de uma explosão bilateral.

22 de setembro de 2006

A Pianista

Ela é a melhor. Visão embaçada e simultaneamente tão autêntica da criança. Não sei por quê. A criança empenha-se ao estender o pai, a mãe, o irmão, o agregado de que gosta enfim, a proporções ovacionadas de deuses utópicos.
Idolatrem-na. Ela é minha mãe.
Um desejo inimaginável e não pretendido de a criança ser a conseqüência especial de um ser especial planejado pela Natureza. O pai de toda criança que tem tempo para perceber a Vida é sempre rei.
Malu, malgrado não ser criança, embebeda-se da taça que lhe nasceu nas redondezas das afetividades. Malu enlouquece perante o ato celestial de a mãe – Eunice – romper a inércia de um piano. Eunice, despercebidamente, é uma incumbida da Eternidade. Faz viver, afinal, a cadavérica vida de um instrumento sem destrezas a manuseá-lo. Faz viver, afinal, a habilidade de os ouvidos ouvirem.
Palmas e explosões à mãe da jovem.
Perante a família de cinco elementos, elas compõem a maior agudez de interseções. Falam sem o mal-estar dos pudores; riem de assuntos indexados pela rigidez tradicional das famílias; brigam; implicam; abraçam a felicidade que deveras as envolve.
A arte é a forma que Deus encontra de se enfurnar na vida de seus artesanatos atônitos de tanta vida a viver... De tanta vida a tapear... De tanta vida por que esperar.

21 de setembro de 2006

Sob Encomenda


Encomendaram arte.
Talvez o Mundo ande com hipovitaminoses de alma. Fatalmente, a velocidade desumana fará motim nos humanos. A arte tem perdido sua característica mais ovacionada: a de pertencer, de nascença, aos indivíduos.
Passam, como militantes coreografados, perante as próprias emulsões que são jorradas pela linfa.
"Por favor, faça uma arte; veja se consegue tirar arte da arte".
Apelos.
Confusão de bolsa de valores.
O faro dos olhos mecânicos, que nascem aos montes, cheira o Mundo enquanto bailarino.
A cruz arrisca-se num movimento que não lhe convém. A Natureza, ainda que maciça, sucumbe à rigidez de certos ares. E, na foto, todo Deus que se disfarça naqueles troncos colossais é dissimulado pelo poder da Inércia.

18 de setembro de 2006

Caveira

Vejo-o e é inevitável não memorizar todo o laboratório de químicas arriscadas que ele me causa. O risco é o messiânico que escapa a vida das cinzas que, diariamente, ela assopra.

16 de setembro de 2006

Justa causa

Maria Vitória exalava e farejava amores em mesmas proporções. Provavelmente, vitimada pelos bailes a que a Eternidade costuma ir, a quantidade de amor que vomita, numa espécie de asfixia, será mais possante que a demanda de amor. Ficará solitária a rir e a chorar e a sentir e a morrer com os efeitos que a solidão pode lhe trazer.
Ela é muito jovem para tatear, com consistências peculiares, cada posição com que a vida se apresenta.
Fotografou um João de Barro humano. Ele, em meio à civilização já acomodada pelos acabamentos das casas prontas a futuras e futuras gerações, está fazendo um enxerto nas imediações. Exatamente como o passarinho age, o pedreiro embebeda-se da incumbência. Numa habilidade invejável, sob um físico cuja anatomia entende-se com os esforços, ele martela, enfileira os tijolos, mexe e remexe uma tina onde fica o cimento. O sol é seu grande vigia. O suor talvez seja o grande protesto.
Acordara cedinho. Bem disposta. Calmamente, cedeu eletricidade a todo corpo. Primeiro, como de costume, relaxou a mente inteira e, à mercê de efeitos de sons suaves, relaxou com consciência o corpo inteiro. Levantou-se da cama. O mundo novamente se lhe inaugurava.
Bom dia à empregada. Bom dia à mãe. Bom dia ao irmão. Bom dia à irmã. Bom dia ao pai. Saudações inconscientes ao céu, ao sol, ao ar, às galinhas, à tartaruga, às plantas. Paulatinamente, o dia foi se eriçando. Os nervos, idem. A tarde culminou em gastura de existência... Por isso, ela planejou catar tesouros aleatórios da vida. Avistou um monte de oportunidade.
Vida a que o homem se propõe.
Carros se juntando em populações.
Mendiga com as arcadas dentárias em ruínas.
Cão sem dono lambendo o rosto de um homem que, humilde e ingenuamente, é devoto do Tempo. Cão e homem sem aconchego. Plenos de desamores. Fartos, talvez, de amores gratuitos a panfletar.
Desencadeou-lhe sentimento. O sentimento despido. O sentimento com que mais se convive. Não o sentimento instantâneo e fugaz de uma temporada bacana em um momento improvisado da vida. O sentimento que se constituiu a Maria Vitória é a melancolia que acentua o Amor. O Amor e todos os seus anexos.

Fraude de Arte

Nas atuais conjunturas, parece que tudo se faz partidário da estranha e incessante mania de ter fé na vida. Outro dia ouvi: A vida não foi feita para dar certo. Uma avalanche de entusiasmos postiços nos assola. A permanência crua é evitada. Adiemos a genuína forma de se existir, a fim de se existir com mais dignidade.
não sou
não vou
não ou
sim sou
não sei
não veio
não tem
não quero
que você
vou ser
você
vai ter
que ter
vai ter
que crer
que me
entender
é crer que sou

aquilo que ninguém vai ler
sem sacar o óbvio do ócio
se o sentir
é invisível

paradigma
paradigma
para
para indignar
você

para que padrão?
se amar é construção

mineração
ação
ação

depois da ação um "o"

Apresentação: Carolina Fellet
Poema/Poesia/Arte: Igor Amin

14 de setembro de 2006

O pão nosso de cada dia

(Fatia dedicada a Nelson Rodrigues)

Mateus. Quarenta e seis anos. Herdeiro da padaria que seu pai – Seu Ubiratan – português radicado no Brasil desde 1968 - com muito esforço, construiu em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Luce. Vinte e um anos. Escritora incipiente. Estudante. Filha de joalheiro.
A trajetória estipulada pela conveniência do dia-a-dia é uma ficção que desvia sua cobiçada proposta nos momentos de estréia. Os sentidos não delatam o apetite que deveras lhes chega. Os sentidos se contraem conscientemente. Mostrar-se é arriscado. Talvez, humanamente fatal. Nada disso oscila a serenidade que abriga as verdades de Luce.
A garota costuma ir à padaria lanchar. Além de suas salivas mudarem de discurso, os sentidos que promovem felicidadezinhas ao orgânico se eriçam. Mateus faz cócegas – involuntariamente – nas oscilações de encantamento que ela detém. Há flutuantes e instantâneos sentimentos de interseção entre o padeiro e a jovem.
A fornada que o trouxe ao Mundo precipitou-se. Ele, afinal, apesar de gozar do mesmo impulso que me mantém, não me é tão acessível, uma vez que já se casou, já se encolheu nos ostentosos disfarces da monogamia, tornou-se precocemente avô.
Por esses motivos, não pode ser devoto de si mesmo. Demanda fraudar o próprio faro. Vive sob a identidade clandestina de ser uma ingratidão ao tesouro que lhe bafora o inconsciente diariamente.
O pão nosso de cada dia alimenta a carência orgânica, a carência elétrica, a carência-vigília de qualquer solidão.

9 de setembro de 2006

Prognósticos líricos

Maria Inês inocula verdades a cada coisa viva que intercepta a dinâmica de seu tempo. Uma prepotência que se revela nas disponibilidades dos gestos causa-lhe um frenesi instantâneo. Como os excrementos são artesanatos instantâneos da Fatalidade.
Os dois rapazes mais velhos, nos quais ela pousa o olhar, exalam destreza de leão fajutamente disfarçado. Salivam uma carne que atingiu seu estopim. Querem metonímia de corpos. Um opta por um bumbum que tem sua própria oratória. Outro escolhe seios que quase se esparramam do sutiã. Leões ingenuamente incorporados na linhagem humana. Quantos equívocos do Divino.
A mulher se produziu. Antecipou momentos e, numa certeza consistente, acreditou que a Vida poderia dar-lhe, naquela noite, um broto de inovação sentimental. À espera de uma carona, com perfeita assistência a todos os sentidos (olhos maquiados, nariz alimentando-se de fragrância noturna, boca pintada, unhas pintadas, anéis, música que eriça a adrenalina positiva), ficava esboçando a própria arte de ilustrar anseios sem demandar despistes.
Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. Estranha mania de ter fé na vida. O veredicto de um Mundo Novo penetra-lhe. Várias vezes, em projetos involuntários, Novos Mundos se lhe apresentavam. A insipidez da peregrinação de dia-após-dia se exaure. Como salvação dos vitais, os deuses vêm e – como um enfeitezinho de docinho caseiro – põem fantasias nas casas humanas. Alegorias que sucumbem ao primeiro ventinho de melancolia. Ao fim, maquiagem fora dos focos... Reinício da decadência inevitável de cada dia.

8 de setembro de 2006

Casualidade

André combinara com Clarissa de ligar para ela durante o feriado. Promessa vã. A garota já se acostumou com as prorrogações dos encontros. Decidira sair com sua prima para dançar e apelar, ainda que inconscientemente, a emanações de seduções. Sempre que se sai à noite, fatidicamente, cobiça-se uma presa. É preciso buscar hipóteses na alienação de se viver.
Descompromisso. Encontro face a face. Espectros de se existir manejam certamente os destininhos da Existência. Não combinaram, embora tenham se encontrado farejando a mesma ambiência.
Ele revelou a Clarissa:
-Não queria encontrá-la hoje. Sequer queria falar “oi” a você.
Clarissa, numa decepção grave, indagou-lhe:
-Poxa, mas por quê?
-Porque, para me encontrar com você é preciso estar preparado, concentrado. Você não me é banquete meramente.
No ápice de um brinquedo de Parque de Diversão, focava-se a adrenalina da garota.
Sentiu-se um Nietzsche temporário... Inflou-se de plenitude fiel da vida.
Como as carnes são leões que cobiçam carnes e carnes, ele lhe disse:
-Bem, não queria encontrá-la, de fato. Mas, já que estamos aqui e, já que estou carnívoro hoje, a gente poderia se entrosar na mais rodriguiana conotação.
-Eu, André, estou carnívora e meia hoje.
Num embalo orquestrado, as línguas esbanjaram-se umas às outras, as salivas compuseram uma receita velha e sempre no topo da moda. As línguas são quilométricas felicidadezinhas do orgânico.
Houve papos. Sexo de idéias. Gravidez de entusiasmo por parte de Clarissa. Acordou farta de memórias.
Meio.

2 de setembro de 2006

Solstícios

Não posso me pensar.
Porque, como os sentidos,
Como o latido,
Como a brisa que vai indo
À população ribeirinha,
É tudo veredicto de ordens clandestinas.

As águas ficam estagnadas
Na remessa de quinquilharias que vêm chegando
Para sabatinar este invisível
Que corrói, devagarzinho,
O corpo inorgânico, que fez usucapião na overdose de organismo.

Sou o que não se sabe.
Sou a cobiça das tecnologias de ponta.
Sou o faro que falha.
E, ainda assim, persiste.

Surge-me, com requinte de ouros, épocas em que o desprezível era general.
Surge-me, em conservas eficazes, a aragem da infância.
Estranhamente,
Épocas de altas melancolias.

Não há um porquê.
A lanterna cismou enveredar a esta miscelânea
De Eras sobrepondo-se à mais atual conjuntura.

Fica assim...
O barco à mercê das águas a serem vencidas.
O céu me obriga a simuladores de morte.

Boa noite.

1 de setembro de 2006

O anel

Ele lhe olhou. No estopim de seu gabinete de trabalho, não como um trabalhador convencional que engole sapos em prol da própria sutileza e elegância e discrição e reputação, abordou-a:
-Olá, eu trabalho com artes instantâneas; você gosta de estrelas?
(senhoritazinha) -Adoro estrelas.
-Caso eu fizesse uma estrela decalcada em um anel você a aceitaria e contribuiria com dois reais?
(senhoritazinha) -Pode fazer sim. Contribuo sim.
Num feixe inimaginável (de tão fugaz) de tempo, o rapaz fez-lhe um anel. Delicado e pálido e fininho como as mãos de Lina. Ao abocanhar um minúsculo entendimento entre o artista e a garota, deu para se saber o nome dela: Lina. Ficaram por algumas pequenas ampolas de tempo a conversar:
(Artista): -Como é seu nome?
(Lina): -Lina, prazer.
(Artista): -Você faz o quê?
(Lina): - Bom, sou uma escritora ainda mal sucedida, mas tenho mais de duzentos textos e pretendo reuni-los em um livro e publicá-los.
(Artista): -Como é seu sobrenome?
(Lina): -Pafé.
(Artista): -Muito bom; quem sabe amanhã de manhã eu adquira um livro seu.
Agudez de entusiasmo. Ambos os orgânicos se regozijavam perante a adrenalina de viverem enclausurados em um Amor possante e genuíno e ao mesmo tempo hesitante: o Amor pela arte que se opta por fazer.
Ambos tinham uma coincidência enorme e esparramavam essa interseção através das mãos. Porém, enquanto um embalava suas destrezas em síntese de céus e de flores e de tudo que pode ser perceptível à estirpe humana, Lina ousava falar o desconhecido; inventar a inimaginável certeza. A garota artista era mais pretensiosa que o rapaz artista. Mas, o gozo disso tudo se conclui em ter a ciência de que a Arte é um flexível processo que flui conforme a intempérie e a bonança dos Tempos de consciência humana.

28 de agosto de 2006

Filipinas

Tânia. A Natureza, por um tropeço de memória ou por não sei o quê, priva-se do original e se repete. Repete-se. Repete-se. E fatiga quem é incumbido da Vida. A garota cansara de acordar, escovar-se, ajeitar-se, inevitavelmente ir ao encontro das burocracias sagradas de cada dia. Atchim! Estopim de tédios congêneres.
A esteira de aulas, de intervalos entre uma teoria e outra, reunião à mesa, danças, ioga, paqueras, fetiches, bom dia, boa tarde, boa noite, cumprimentos plenos de canastrices ao ascensorista, risos fajutos oriundos de uma dentadura fajuta de cadáveres antiqüíssimos. Tudo. A integridade da existência deslocara-se a um sentimento de Natureza insípida.
Tânia, no topo da juventude, demandava uma extravasada. Um devaneio maciço, possante... A existência outorgada de cada feixe de instante maltratava-a. Num frenesi de emoções diluídas em tédio de se respirar, decidira ir às Filipinas. Filipinas. Susto unânime. Mas, Tânia, Por que as Filipinas? FILIPINAS? Por quê? A Tânia me disse que vai para as Filipinas... Estranho, né?! Era preciso, naquele momento carimbado de aridez e cobiça de fim, ousar a ponto de incrementar os presentes mais próximos com uma alegoria qualquer. Bebericar novas águas é sempre tesouro, é sempre o paliativo eficaz a crises de todas as estirpes.
Em uma involuntária homenagem a Vinicius de Moraes, que amou muito, que amou muitas, Tânia esparramou-se nas Filipinas. E abocanhou pedacinhos de Mistério. Embora não o tenha descoberto.

26 de agosto de 2006

Dias

Era uma vez existir.
Existir são as fábulas que acalentam e/ou apavoram a postiça maturidade dos adultos. A goela da vida cospe e engole esta coisa que nos mantém eretos. Existir. Existir. Existir.
Quilômetros de prosa em prol do porquê de se existir. Quilômetros de balelas. Ficções à Eternidade. Nas atuais conjunturas somos tapeados por um mágico exímio. Nas atuais conjunturas, tudo segue em ritmo dissonante. Segue-se a vida não sabida com uma velocidade incompatível com este orgânico.
O final não é feliz. O final é tão embaçado quanto os incipientes momentos de captura involuntária de oxigênio.
Era uma vez existir... Campos, bosques, hospitais que estréiam vidinhas ignorantes – extremamente ignorantes de si -, funerárias que emperiquitam as derradeiras baforadas do Grande fôlego.

24 de agosto de 2006

NÃO!

Não sou bioquímico para promover mutações em essências alheias. Não tenho vocação para Gandhi a ponto de colocá-lo antes de me colocar... Em qualquer lugar que seja.

6 de agosto de 2006

Obrigatoriedade

Numa freqüência audível à Humanidade: É TUDO CAMPO OBRIGATÓRIO. Conseqüentemente, obrigatória e imperceptivelmente, Clara regou os próprios canteiros de expectativazinhas com cuspes enfileirados da própria saliva, provocando gélidas sensações em dependências com temperatura ambiente. Expectativa. Boa expectativa. Amor?! Não. Porque este sentimento, quando se entrosa em corpos fartos de orgânico, traveste-se de lascívia. Portanto, lascívia.
Lascívia optando por um organismo. Cobiçando uma promissora coincidência de genitálias. Farejando um nós da cintura para baixo. Aspirando a um sentimento de quase comunismo aos pares.
-Que dê certo!
Vozes, timbres variados do Inconsciente lhe suspiraram. Bendito; nocivo dessaber.
Corpos enovelados, alma em incansável alerta. O Mundo se resolvendo... As notícias que tremem as réguas não lhe alteram o âmago. Porque a linfa está acesa aos bilhetes cujo remetente habita os áridos e inundados túneis das genitálias.
Goza ao ressuscitar inúmeras vezes Nelson Rodrigues. Sente-se no direito de ser hedionda, promíscua, errada... Ainda que o perfeccionismo dos pudores venha censurá-la. Nelson emana uma aura messiânica que conforta todo índex posto em um vastíssimo mostruário pela Civilização.

5 de agosto de 2006

LP

Bonitinha. À medida que o esboço da feminilidade foi se aguçando, bonita, linda, maravilhosa, gostosa, gostooooosa! As gostosas são estigmatizadas de descerebradas. As insossas, no entanto, carregam um mostruário enigmático de inteligência. É o provável. LP, provavelmente, bêbada das próprias hesitações, quis escancarar à Humanidade: sou bonita E inteligente.
Soa-me canastra a manifestação: ela é inteligente. A belíssima deve ter se enclausurado por umas épocas em novelos de épocas, lido livros cogitados pelas plêiades, adquirido uma pomposa erudição e enfim, tornado-se a vitrine impecável de beleza e recente aprofundamento; conhecimento de meia dúzia de superficialidades. Conhecimento - dentadura.
Não tenho muitas dúvidas... Creio que LP lustra com freqüência as dependências onde se aloja sua soberba. Vê-la amiúde por detrás da translúcida textura de um televisor sintetizava amargas salivas orgânicas e temíveis espectros. Finalmente, os sentidos da peregrinação das consciências estão absolvidos de LP.

28 de julho de 2006

Boate

PRIVILÈGE, 27 DE JULHO DE 2006, JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS

Libidos nômades que se inauguram em coincidências de genitálias e segregações de amor. Hoje o Amor abdica-se do seu Falo. Hoje o Amor é a cortina dos bichinhos, o céu provável, o vento que se comporta diferentemente no segundo andar... Vento Humano, inconscientemente sem réguas. Gráfico cardíaco que equivale ao estandarte da Vida. Arte: a única fidelidade que me sobra.
Corpos coerentes com sons lapidados por uma mão sem relevos de trabalho. Belas indumentárias que tapeiam os corpos, os rostos, os gestos, os gozos...
Indumentária orgânica, voluntária. Minha insipidez não beberica boas hipóteses, novas farturas de contemporaneidade. Minha insipidez perturba-se em cálculos para a grande isenção.
Antes, meu coração saltava como aves antigas de vôo. Pintinhos que cobiçam, em vão, a transcendência aos céus é que me moram. Ditadores pintinhos. Minha aptidão é anã. Não o quero. Não a quero. Não me quero. Não quero o Mundo.

Vida

TEXTO DO CONCURSO DO CAVE SOBRE O EINSTEIN

Minha vida: circunstâncias que, até então, foram incumbidas de sê-la. Eu era mero ser vivente que acompanhava o itinerário dos acontecimentos frígidos do dia-a-dia. Acho que sempre transcendi o Tempo sem perscrutar o que é ser. E agora, que tento dar uma sublinhada racional ao porquê da vida, dou as mãos à “dessabedoria” das coisas.
Um dia desses pensei na ditadura que me é inerente. Cheguei ao mundo sem manifestar palpites, na condição de vassalo de um tango infindável chamado ser humano. Ser humano é estar à mercê das manobras do tempo: tantas carecas em andamento, menarcas, menopausas, riso: vitrine das cócegas, unhas ultrapassando o limite do território que lhes fora dado.
O frio saiu dali, mas vive aqui em mim. Sou tão frágil; demando casaco e fico, por conta disso, distante desse incessante sexo com as vidas outorgadas dos ventos. Que ares estranhos esses que se embalam com a nudez dos “beira-mar” e que murcham ainda mais os velhinhos dos asilos.
O Mundo sempre foi o sindicato inquieto do meu âmago. Jamais enxerguei com meros olhos órgãos a mecânica dos céus, a aquarela clandestina das onças, o talhe das folhas. Desbotei a interrogação acerca do porquê de tudo. Quis saudar a fonte do castanho de tantos olhos que passaram por mim hoje; quis conhecer a matéria-prima que se esparrama com tanta singularidade em cada transeunte; quis o segredo da praticidade da aranha, o traquejo despudorado da maritaca.
Briguei com os espasmos das minhas pálpebras quando, com uma esponja eficaz, eles me isentaram do Mundo e abriram atalhos a pesadelos horríveis. Discordei da minha natureza em momentos de epidemia de idéias cancerígenas. Mas sou escravo. Sou a mísera consciência de tudo que me é.
Tanto fiz e tanto faço. Dedico-me a isto, àquilo. Sou atleta que extravasa a própria pressa. Bem sei que isso não é vida. Isto é uma grande tapeação dedicada ao tempo. Ao verdadeiro tempo. Ao tempo das versáteis modas dos céus. Eu poderia não sucumbir às demandas mundanas e dedicar-me à poesia de estar vivo.
Quando ponho em orquestra este pensamento meu, percebo fascínio em cernes alheios, mas eu não sou nem especialmente inteligente nem especialmente dotado. Sou apenas curioso, muito curioso.

25 de julho de 2006

Arredores

A redondeza, como uma devoção ao Comportamento Gigante, esquiva-se da vida. O céu priva as coisas do próprio reluzir. Dona Iranir e senhor Guedes são metódicos; é o que se espera de um casal que já transcendeu os oitenta e poucos. Tudo. O total. Os comportamentos de qualquer artesanato pousado no Mundo tornam-se prováveis pela repetição à qual se adapta. O bebê acostuma-se com os chiados dos chinelos da vovó. O som entrosa-se com a incipiente audição. E a audição se sociabiliza com sua ração. As engrenagens vão se encaixando a ponto de: confio em tudo; tudo funciona e não há por que perguntar por quê. Tudo isso é trapaça do Inconsciente. Quem envereda a desafios do Inconsciente beberica poções de Loucura e ameaça, conseqüentemente, a senha da Vida. Grande perigo. Humanidade, macieiras, céus, sóis, aromas, texturas, vôo, nado sob o domínio de um recente poeta. Artistas demandam muita cautela.
Pedro Augusto e Helena saíram. Foram extravasar a vida redundante de cada dia. Foram a uma festa que ressuscita a contemporaneidade dos anos oitenta. Cazuza, Legião, Xuxa, Angélica um pouco menos emperiquitada pelos arames do topo da moda. Muita ginga, muita intimidade, nostalgia benéfica.
O enxerto de gengiva com céu da boca impediu Marta de sair. Mas, esta nunca curtiu noites de sextas-feiras. O sábado sim, era-lhe sagrado a transcendências agudas que culminavam numa anestesia geral do corpo e da alma. Sábado. Enclausurada pela cirurgiazinha bucal. Talvez, sem esforços, faria um pacto com a aura de uma boate qualquer. Não se entenderiam perfeitamente. Cada qual em sua concentração recomendada.
Havia duas janelas em cada cômodo daquela casa enorme. Uma janela de madeira que, durante o verão, através de suas frestas, permitia que os ares índios aliviassem a temperatura dos corpos dos homens. Uma janela arrematada com lâminas de vidros que valorizavam o design da casa e apartavam os moradores do frio que lhes surgia nos invernos brasileiros como estiletes presunçosos. A parte de madeira estava aberta. A escuridão estava-lhe nítida. Os postes de luz ficavam na vigília das casas – as quais diziam: não estamos plenamente adormecidas; estamos em alerta; é preferível não tentar nos sabotar. É preciso artesanato humano para que a Natureza proteja-nos de suas ramificações. Casa escura pode fazer cócegas em instintos de furtos. Não se pode expor-se, porque se arrisca demais ao fazê-lo. Num futuro não tão invisível, farão indumentárias às árvores, uma vez que elas representam patrimônios comunistas.
A noite remete a caçula Marta ao imensurável Tempo. Que quantidade de tempo foi necessária para que as pálpebras da vovó caíssem gradativamente até o momento em que se selaram? E disso não se sabe mais nada. O afastamento da Terra através dos olhos obrigatoriamente omissos é tão chocante, hediondo, frígido, dolorido como, de repente, um brinquedo de mau gosto, uma porçãozinha de Nada degustar o Mundo através dos sentidos. Quanto tempo foi preciso para que os pêlos gringos que encarapuçavam a cabeça do vovô sucumbissem e deixassem-no mais próximo das ameaças dos vendavais com sua careca? O tempo é o proprietário das eternas novidades das estéticas do Mundo, o tempo é a oficina com infindáveis matérias-primas que incrementam o Grande Tempo das novas safras de existências. O tempo é o infinito reconhecido por uma consciência qualquer. O tempo é um dicionário de incansáveis conotações.
Enquanto espectros de empolgação e excitação e encantamento pinçam a consciência dos irmãos que saíram em busca de uma tapeação fajuta à vida, espectros de espanto fisgam a cútis de Martinha. Ela sempre se surpreendera com a inquietação do “existir” repleto de personalidade. Fascínios cutucavam-lhe a infância. Imaginara o remetente de cada coisa que fica exposta à Grande Coisa que atingira o mais alto pedestal: o céu.
A noite inaugurava-se a ela como um transeunte desenxabido, sem harmonia com as oferendas da vida. Parecia-lhe que o Fim, os ataúdes expostos na Avenida Rio Branco ser-lhe-iam a Felicidade plena. Inconscientemente e, justamente por isso, plena. Plena da tranqüilidade por que se espera. Mas o acaso estende os braços a quem procura abrigo. No ínterim de um beijo de pálpebras, veio-lhe à mente uma lista desmedida com um par de patins que a levaria às beiradas do Feliz.
Toda quietude, toda provisória morte das casas, das roseiras e das cores de tudo faziam jus a seu único capitão das linfas: não há em o que se pensar, não há pureza para se brincar de realidade. Se soubessem as crianças do quão maçante torna-se a penitência dos adultos, jamais elas incrementar-se-iam de gente grande. Seriam somente as ficções típicas da infância.
O nascimento daquela noite atiçara a tênue ponte que comporta maciços sentimentalismos da menina. Poderia ter dormido entediada com os pontos da cirurgia, poderia abdicar-se dos tarjas-pretas e desesperar-se, mas, entendeu-se com a poesia que se pode sugar da crua disponibilidade irrecuperável da noite.

21 de julho de 2006

Insight

Baralho lacrado das sensações. Ri-se da infração aos silvos das réguas. Chora-se perante uma carne viva que sucumbiu. Alegra-se diante da notoriedade do próprio ego. Frustra-se quando ele a troca por outra. A vida naturalizou-se. Mas, Stela espanta-se, involuntária e estranhamente com cada posição em que o Tempo fica.
Stela sempre fora inclinada a perscrutar o Mundo. Genuína observadora de Mundo. Observações, pensamentos, filosofias vão empanturrando-a de uma necessidade de extravasar, codificar o mistério que a assola. Optara pela dádiva das mímicas de Deus; decidira desenhar, pintar, rabiscar a Vida; os céus com seu temperamento inerente, as habilidades das formigas, o dessabido vôo, a tez das ervas, a gelatina dos peixes, o grande diário encadeado dos oceanos.
Artes. Quadros. Vida com apelos a fôlegos artificiais para suportar as demandas das burocracias. Artista que cobiça um destino posicionado sobre a própria arte trabalha os músculos da tolerância, da paciência. Mas faz fronteiras com a Metafísica; quase beberica a estranheza. Infelizmente, negam-lhe a entrada. Ninguém pode descobrir. Este é o mandamento fundamental da existência.

19 de julho de 2006

Farsante

Lílian completara anos. O dia não fora suave, alegre, como, geralmente, a biruta de quem festeja a vida se comporta. A garota, que acabara de fazer vinte e um anos, lembrou-se, no tapete desenrolado do dia inteiro, do seu tio que morrera havia três meses. Ele era o primeiro a lhe ligar, fazendo alterações na voz para tentar, sem sucesso, enganá-la. Os pontos do dia eram doloridos, longos, incontáveis.
Tristeza não tem fim. Acordara cedo e a eternidade que compõe cada dia estava munida de estiletes afiados e atuantes. Ganhara presentes. Não sentira nada. Perdera a empolgação de criança; da criança que se eriça perante um embrulho farto, com fitilho. Acomodou os presentes com a insipidez que lhe era o governo.
O céu, em sua coreografia infalível, encolheu-se... Apartou-nos do Mundo e a noite fez-se; estendida a todas as consciências deste pedaço de continente. Algumas estrelas se emperiquitaram e mostraram as caras. A lua, como não poderia deixar de ser, estava belíssima. Qualquer moda da Lua é bela.
A noite desvirginava Lílian. A campainha tocara...
Um motoboy ninava um embrulho. Provavelmente era um presente de uma tia velha, uma lembrança de uma amiga.
(motoboy): - Uma entrega para Lílian.
(aniversariante): - Sou eu mesma.
Lílian descera as escadas que a levavam às beiras da calçada. Sorria meio constrangida. Passaram-se uns trinta segundos – tempo necessário para a moça entrosar-se com a fechadura do portão. Num súbito, Vivian, Roberta, Rodolfo e Robson - o suposto motoboy - apelaram a uma potente clave de sol e entoaram um “Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...”. A mocinha paralisara-se como quem vê uma anomalia qualquer da Natureza. Nunca haviam surpreendido-a daquela forma tão extraordinária. Era de costume, na data de seu nascimento, pessoas com quem ela não tinha grandes afinidades visitarem-na. Comprometimento com as burocracias. Cartões com dizeres denotativos, clichês sem tintas de batom do âmago.
Ficara enormemente feliz. Como há muito não ficara. Sentiu-se plena. Deusa onipresente. Festejara sua carne delgada e seu cerne maciço, farto. Regozijou. Pingos, pingos, pingos românticos de felicidade. De repente, o orgasmo da Felicidade; da genuína Felicidade.
...
Era uma terça-feira. Os farsantes; a máfia que armou o esquema de surpresas estava cansada. Haviam trabalhado no ínterim do dia. Foram-se a suas casas nos incipientes momentos da grande noite. Por volta das dez e meia.
Como arremate de um lindo embrulho de contos de fadas, Lílian recebera, quando os ponteiros quase fisgavam a meia noite, Felipe – carinha com quem estava mantendo um macio e promissor novelo. Entregaram-se a diálogos salutares às salivas e às essências e bebericaram diversas alterações no medidor de intensidade de libidos.
Verdadeiro final feliz. Ainda que pela eternidade de um dia.

18 de julho de 2006

18 de julho

Já vi esta idéia esfumaçada por outras consciências, mas como a tinha comigo, não considero plágio; sequer reprodução. Comemorar o quê? A mim há sim imensos e espessos motivos a se comemorar, uma vez que desde um tempo, tenho tido grande excitação pela Morte.
Agora, cores, balões que sugerem prosperidade, bolos deliciosos, risadas frenéticas, risadas de bruxas Onildas? A cada 18 de julho as pegadas aproximam-se do suave e atenuante Fim. Aniversariar é a decadência vital. São as células nos rejeitando. Cansando-se de ficar em nossa vigília.
Tenho apetite por faixas de lamento, telefonemas de pêsames, lágrimas de profunda tristeza. Estou me embaçando a cada número que se soma. Uma grande e única palma de mão sinaliza a despedida. O possante sofrimento de ir-se e apartar-se dos que se ama.
A morte engatinha como a Vida.
A morte é uma mulher dissimulada como a vida. Às vezes se pensa em um grande segredo. Num grande tesouro que uma mulher linda e secreta camufla. Mas, amiúde, pensa-se que as conseqüências são meras conseqüências sem causas, sem sentidos transcendentes.
Que a morte seja melhor que a vida. Que ela se disponibilize a extirpar a consciência. Anseio pela Inconsciência.

14 de julho de 2006

Centro da cidade

Tapetes chiques sobrepostos à nudez vital. Taco insosso, chão antiestético. Vida. É importante emperiquitar-se e afofar-se para que não haja rejeições à própria pessoa. Que o enxerto prospere. Assim fizeram Nívea e Maria Antônia; esta mãe daquela.
Esperam a claridade do dia reservar-se; abster-se da obscenidade de fulgurantemente ser. À medida que o céu se acorcunda, elas se enfeitam, elas se tapeiam para ir à rua. Ao centro de Juiz de Fora. Minas pequena é tão tímida a ponto de se portar como cão vira-lata que nitidamente se constrange ao cruzar com um espectro vivo em certas avenidas, ruelas, passarelas.
As moças saem para comprar cancelas à potência prepotente da Natureza: cremes depilatórios, esmaltes, aperitivos... O Universo não se cansa da incumbência de detetive. Persegue-as, como se infiltra despudoradamente na vida da humanidade. Grande cutícula.
Sinais a indicar o momento de se atravessar as avenidas, euforia dos bichos humanos, crianças entediadas em colos que lhes são o melhor conforto, aglomeração em nesgas de calçadas a comportar toneladas de cardápios humanos maciços.
Entra e sai nos patrimônios comunistas. Alguns esboços da Existência. Centro da cidade. Mendigo, velho caído, novo rico, pretensões truncadas das juventudes. Saltos e artificialidades. Tende-se a se privar dos incrementos, porque, à medida que se chega à beira da goela da Vida, sente-se, possantemente, as mãos, as grandes mãos do despropósito.

13 de julho de 2006

MAXI PÃO

Aurélio tem uma padaria. Diferentemente dos velhos proprietários de recintos comerciais, o homem exercita seu xodó pela loja, através de maciços investimentos na estampa do lugar, no perfil dos pães e dos aperitivos e no linguajar demasiadamente formal dos funcionários. Não preza pela legítima qualidade, mas pela repercussão e pelo status de sua posse.
Não zela pelo impecável, pela limpeza, pelo bom atendimento, mas pelo luxo. Cada vitrine, cada cadeira e cada uniforme têm seu próprio R.G.. O anti-convencional é interessante, ainda que espante pessoas quando estas mantêm contatos incipientes com o Novo. Mas, Sr. Aurélio, todo empertigado, insiste no requinte diário.
As preparações de fim de semana da juventude já me levam à exaustão, o incansável processo de se emperiquitar amiúde equivale a meu lápide.
Para freqüentar a Maxi Pão é necessário escolher uma indumentária que condiga com a aura do local; é preciso coreografar as mandíbulas, a fim de que o ato primitivo de se comer seja disfarçado pelos pontilhados da civilização; é imprescindível se acostumar com a morte do você e com a ressurreição de termos já carecas da gramática.
Uma vez que o luxo é a tônica do quarteirão onde fica a padaria, sugeria a Aurélio, a Sr. Aurélio, que arrematasse o requinte da loja com o hastear diário de uma bandeira com códigos que nos aludissem ao espaço. Como uma fita acetinada que leva um embrulho de presunto à beira da Perfeição.
Platéia de saudações à Maxi Pão.

Dentadurinhas

A Ditadura incumbe a massa, os sentidos da Vida. E afasta-se, sem remorsos, dos vitimados pela obrigatoriedade de ser. Ser, de repente, a plenitude de um céu puro, sem interferência de nuvens; ser, num grande susto, o lamaçal de tristezas sem remetentes a que ficamos submissos.
Ora em esteiras de martírios, ora em planícies tênues de felicidadezinhas, o Amor vigora. Vigora. Porque é a bússola-mor da condição humana. Às vezes extirpa integralmente, em uma única empreitada, os bons ares; e aí, estampa-se, instantaneamente, a necessidade de se abster do Real. É preciso editar a realidade com temperaturas artificiais, com tons mecânicos, com alucinações alopatas. Farmácia. Felicidade postiça: dentadurinha. Não há o sorriso oriundo do âmago e estendido na coreografia das arcadas. Existe um paliativo antinatural ao mal. Deuses alquimistas e farsantes que inibem as intempéries. Reprimem a dor dessentida.
Importar salvações demanda trabalho árduo... Chega-se à exaustão. De lá de dentro é preciso tirar as ampolas de venenos naturais. Mas os sentidos são iludidos pelas praticidades e, inevitavelmente, sucumbem às lápides humanas. Drogas. Ciência avançada. Tecnologia anti - monotonia. Excessos. Abrevia a vida. Aos poucos, perde-se uma fração do que é bom numa fajuta tentativa do Bem. E a morte se mostra viva gradativamente, com a chegada da transparência cósmica da Vida. Da lâmpada acesa inclusive nos momentos de ensaio da morte.

Amor

A voz lhe fora bloqueada. Nascer com uma habilidade e perdê-la ao Acaso é sofrido. Golpes do Deus Onipresente. Um lindo sentimento reduzido a um tapete de palavras estava sendo digitado quando, num aperto trocado de botões, perdera tudo. Memória fraca. Reproduções do Original geralmente são falíveis. Sequer tentara repetir o que lhe fora embora.
A tônica, como a tônica de qualquer expressão sentimental de sua vida, era o Amor. O Amor lapidado pela razão afiada, inevitavelmente, era amor deturpado e desconfortável. Procurara desenvolver o auto–amor após uma marcante aula de geografia explanada por um professor troglodita que lhe dissera: amor– próprio é coisa de hermafrodita. Sempre tivera fascínio pela poética profissão de professor. Desvirginar mentes com sapiência era-lhe tão magnífico. Mas Agildo – este é o nome do mestre – sabotou inconscientemente um sentimento cândido de mocinha de 14 anos. Tatuagem de agulhas. A jovem tentou desenvolver, desde aquele momento, um amor-próprio que suprisse a carência de um amor altruísta. Suas próprias vaidades, que visavam ao rebolar de sentimentos alheios, inibiram-se ao ponto de beirar a morte católica. Acreditava que o amor próprio era o espectro do genuíno Amor. E o professor lhe diluiu o sentimento.
Amor egoísta epidêmico. Amor ao inanimado. Frigidez com o Amor de alma, com o amor das genitálias. Amor pianista, Amor artesanal. E alma que idealiza e se contenta com o utópico sentido de idealizar.

10 de julho de 2006

Overdose

Sonhou os aperitivos que os olhos orgânicos degustam no ínterim de um dia. A realidade mecânica diluía-se no ensaio da Morte. O lustre dissolvia em ventos inertes, embora possantes. O quarto reduzia-se à estampa de um projeto de morada. Projeto ainda em processo, como a vida quase consolidada, como os esboços quase desempenhando a incumbência de ser uma mísera e ignorante conseqüência.
Os céus repousaram um pouco. Capacidade dos sonos; dos sonhos. A língua lambia abajures derretidos, lustres derretendo e todo o porte da civilização empoeirado. Não mais lhe havia concretizações oriundas de mãos humanas. Retornara-se ao primitivismo. Ao primitivismo benéfico. Às arvores e às ginásticas para se pegar o fruto delas e devotar-se às aptidões da Natureza. À naturalidade de vira-lata. À nudez denotativa e conotativa.
O sono era – lhe profundo e a transcendência era exageradamente verossímil. Os sentidos apalpavam a realidade espectral. Entrega despudorada, destemida à vida. Ao momento que se agrega a momentos e culmina em dia-a-dia. Dia-a-dia; noite-a-noite. À noite a existência parecia-lhe mais valiosa. Ouro de Brasil. Os dias não lhe faziam bem.
As oferendas da morte não aguda abusavam de todos os talentos divinos de Emília. A musicalidade do ato de sonhar a sedava. De repente, um barulho material, comido pela audição explícita, interagia com o devaneio da mulher. Miscíveis mundos... Extensão de Mistérios.
Empanturrou-se de Mistério. Arrepia-se perante folhagens, cores de olhos, estaturas, quantidade de carne disponível em corpos fartos de bichos, insetos, fetos.

Descoberta

Deveras alcançara a Inteligência. Muniu-se de erudição e, de acordo com uma comilança enorme de Tempo, acreditava que sabedoria era o espectro inerente à culturalização da mente. Felicidade maléfica, nociva. Efeitos instantâneos e fugazes.
Atingira a Inteligência numa noite, intempestivamente, em que questionou o Mundo e seu agregado estado de gerúndio.

5 de julho de 2006

Aniversário (emenda)

ESTE TEXTO É DEDICADO A UMA RECEITA QUE DEU CERTO: AO MARCELLO

Telefonemas, flores, olhos nos olhos. O dia em que se nasce ganha a memória dos céus, das formiguinhas que transitam aos arredores da casa, da mais atual conjuntura. O dia parece estender uma bancada especial àquele que faz aniversário.
Dezoito de Julho. Aniversário de uma Carolina, de uma Dolores, de um Saulo, de um Mauro, de um Eduardo... Todos acordam sobre o salto do constrangimento. Parece que detêm extravagâncias e que seus pais e irmãos ou os mais cúmplices, que são os primeiros a parabenizá-los, estão maltrapilhos, empobrecidos.
Parece-lhes que a nobreza daquele dia é oriunda de atitudes ilícitas e/ou de ações relapsas. Aniversariar constrange, inibe, maltrata. Toda pequenez do aniversariante se reúne em um mostruário colossal... Toda imundície à mostra. E os olhos de quem a vê, num comportamento canastrão, acaricia-a e a tapeia.
-Feliz Aniversário a você que é um doce... Um amor de pessoa... Um(a) menino(a) tão especial.
-Obrigado(a),,, obrigado(a),,, obrigado(a).
Reais emoções, emoções artificiais. A estas se poderia gravar todo pronunciamento dos que sofrem o castigo das comemorações.
Enquanto a vida útil do dezoito de julho resistir, haverá estouros esmagadores para festejar os objetos vivos que ainda prevalecem. Quando o céu se recolher e encolher o Universo, Carolina, Dolores, Saulo... ... Já estarão encarapuçados de mais quantidade de existência e livres das pendências sociais de receber telefonemas convenientes.
Que paguem juros, contas de água, contas de luz... Que protestem o aumento dos impostos. Que resolvam esses tipos de burocracias, mas, quanto a aniversários, deixem-nos às pinceladas da Grande Ampulheta que os comporta.

1 de julho de 2006

Acordes

Sábado. Toda a parafernália soprando ao encontro da Felicidade. Isenção de pendências sociais. Liberdade à Vida. Esta oferece às vezes o nocivo... Vai, sutil e gradativamente, extirpando as boas possibilidades de se viver bem, com tranqüilidade ao menos.
Ontem apelei a meus dotes culinários, decidi fazer um bolo, uma vez que o ovo do tédio iniciou-se num processo de trinca. Tapeio. Tapeio com meus próprios novelos... Com os tricôs que, quase outorgadamente fui induzida a aprender fazer. Ainda bem que desenvolvi o escapismo através das mãos... Ainda bem que consigo dissimular fortes intempéries com o compenetrado comportamento das palavras.
Mas ainda há restos de um côncavo solitário... Que atrai poeiras, que sofre o frio sem anticorpos, que sofre o calor que esturrica, que sofre a prepotência inabalável dos Tempos ditatoriais.
A orquestra flui nos ensaios... A consciência fica em vigília e em infindável refeição do bom, do apetitoso. Num súbito, quando se chega a hora da amostra, há um deslize, um tropeço inconsciente. E me quedo a depressões. Malditas, bruxas Onildas; não estava apta à vida.
Meu muro de lamentações tem massas salgadas frescas... Que não esbarrem em sua mais nova arquitetura. Meu muro de lamentações vive em reformas. Mas o coquetel de vitaminas e antidepressivos e tarjas pretas tem me ajudado a suportar. Suportar um gringo intragável que insiste em se alojar nas minhas dependências.

29 de junho de 2006

Janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro

O quanto a vida tem se entendido. De repente, os moinhos de ar me perseguem, me garantem o vigor, ainda que um vigor anêmico de, simplesmente, ter o Mundo a meus sentidos.
Atualizo minha arte que agora sucumbiu ao Populismo das mais novas tecnologias. Há os registros de todos os textos publicados, há os meses do ano, há os dias do ano, há os meus fôlegos temíveis. Há créditos à matéria. Grande camaleão. Grande clichê bordado com novos recursos.
Comungam a mesma hesitação. Quem se dispõe a isso torna-se, numa manobra de céus, arteiro. Os demais vão tapeando os ventos com janelas delgadas feito a eternidade em que se acredita. Quem duvida a vida envereda a um vício qualquer. Inevitável. Fatal.
Sem o advento da linguagem, talvez meus sentimentos pronunciar-se-iam na gangorra de berros e contorções. Seria o reflexo de sóis, de matas, de qualquer substância culminada em Mundo.
Mas as palavras concentram minhas vicissitudes... Censuram e endireitam os primitivismos. Mas não conseguem encontrar o que me assola. Apenas batizam as ramificações dos martírios. Batismos enfileirados... Fileiras à espera de martírios. E idolatram quem deu nome aos bois. Meros observadores das conseqüências com que convivemos. Observe. Esteja alerta. Novos Einsteins despedaçar-se-ão em promessas de vida humana.

Terreno Baldio

Passeio diário. Necessário. Comum a meus dias de juventude. No ínterim da velhice, se é que minhas tendências ciganas não falhem, enveredarei a programas agitados e serei pretexto a chacotas. Porque a natureza púbere é ágil, dinâmica, inquieta. E a minha puberdade é o lado avesso que não pinica. Sinto-me à vontade ao colo do sossego, da liberdade sem propulsões.
O carro agiliza as canelas e me encanta, ainda que a tecnologia me remeta a um plágio furreca, vez por outra. Mas os genéricos têm surtido bons efeitos. Os teatros têm tido boa repercussão. Fomos passear desvirginando superfícies previsíveis. Na volta, também previsível, num súbito, perscrutei, involuntariamente, o terreno que fica a uns cinqüenta metros da minha casa.
As gramas entraram em maturação rapidamente... Estão enormes, verdinhas, e aos mutirões. Transcenderam os muros que as condenam. Há até uma porta de ferro sugerindo que ali existem habitantes. Habitantes que não se contentam com a imensidão daquele terreno. Habitantes que demandam notoriedade. A porta fica fechada, mas se sabe exatamente o que se acontece naquelas dependências. A vida ali é fácil. Tão disponível quanto matérias e matérias humanas.
Morada do inanimado. Requinte de portas e muros ao inanimado. Há deuses que prescindem dos agasalhos humanos: as gramas o são. E deuses que sacodem a Vida moribundos desde os primeiros segundos de exposição à aragem precisam da dignidade de civilização para sobreviver. Quantas gerações de vidas quaisquer devem ter sido extirpadas? Penso fixamente nisso. O deus – homem é sim muito potente. Sabe sustentar seus fortes instintos de sobrevivência através de uma fila de adventos.
Casaco, sapato, portas, janelas, temperaturas-dentaduras, dentaduras, telhados, casas, linguagens...

28 de junho de 2006

Devoção aos ponteiros

Bussunda.
O próprio batismo já se tornou uma boa conotação de uma estrofe ilustre. Tanta fidelidade à fragrância que lhe era inerente: humor. Devoção ao talento, desafio... Enorme desafio para se chegar ao trabalho – lazer.
A Natureza, numa distração em que o balão de gás sobe, privou Claudio Besserman Vianna, o Bussunda, da maturidade – quando iluminada por luzes pejorativas que o ser maduro pode vir a ter. Bussunda era um quarentão criançola.
Morte súbita. Naturalmente, as arcadas se apartaram, como símbolo da perplexidade. O Brasil, no frenesi da Copa do Mundo parou... Não como a brincadeira “Estátua”, mas como a necessidade outorgada de um espirro.
O previsível da vida é taxado a mixarias. Sabe-se em que culminará a vida. Sabe-se, porém, não se sente a vastidão de negritude que acolhe a monstruosidade de se existir.
Ícones da mídia, utopias, aqueles que formam o novelo das famílias parecem ter um contrato sigiloso e inédito com o Tempo. A morte, em nossas filosofias, é a praia onde a onda do mar quebra-se e não atinge nossos pés. A morte inclina-se ao diálogo lúdico com a ingenuidade de adulto. Não se sente a morte. Como não se sabe os incipientes momentos da vida.
Os espectadores pensavam que Bussunda seria emperiquitado pelas gradativas decadências agregadas à evolução da condição humana. Evolui-se agudamente para se voltar ao princípio do qual nada se sabe.
Mas, Cláudio, Sinvaldo, Murilo, Sofia, Carolina, Nina, André, Marcos Paulo, Juscelino... Pertencem ao comum da Vida. E o trânsito vital é um extenso dessentido. O comum é uma anomalia enorme. O Mundo é anômalo.
Ficaram tristes durante o funeral do humorista. Enorme instantâneo. Instantâneo aparentemente sem ecos. Porque já sucumbiram aos decotes palpáveis. Já riram. Talvez isso seja uma tapeação fajuta ao martírio. Mas, creio que, quando é hora de se martirizar, é necessária a vassalagem à pose dos ponteiros.

27 de junho de 2006

Semblante dominical

Terça-feira. Ampulheta se mutilando para culminar em não sei o quê. O dia se constrange e acaba sucumbindo à prepotência da noite. O dia seguiu em aeronave. Lavaram-se roupas. Fizeram sanduíches. Interagiram com as mais frescas destrezas do computador: instantâneo.
O dia quietou-se. Agora mostra sua outra face. Ou esconde sua nitidez. À tarde, seleção em campo, inquieta, ávida, estendida a todos os continentes através da pretensão dos televisores. A tecnologia me surpreende e me é raquítica. Esta quando penso que é mero plágio da Onipotência. Mas é sábia porque demanda labor intelectual.
O futebol culmina em estouros, gritarias, ansiedades, empolgações e irritabilidade. Quem gosta, em época de Copa se eriça todo. Quem detesta, em época de Copa beira o suicídio.
Terça-feira com todo o instrumento de que se dispõe o domingo. Quietude, insipidez, sumiço dos ecos da Copa do Mundo. Silêncio de Hospital. Os bichos humanos, em suas moradas artificiais, escondem-se uns dos outros. A própria espécie é uma ameaça a todos. Canibalismo disfarçado. Todos temem a genuinidade. Porque podem acabar nas arcadas dos receptores de sentimentos e de emanações de qualquer estirpe. Resquícios de presas em caninos alheios.
É mais conveniente se tatuar de anticorpos, de cercas elétricas. Mas, inibe-se a vida, inibe-se o Deus inerente a cada vital ofertado. É preferível quebrar-se amiúde a ser canastrão e se privar de ser em prol de um temor.
A arte salva a carência. A arte tem dignidade suprema... Não deturpa o que há de bom, como acontece com a espécie humana. O processo humano deforma os tesouros com as salivas do sadismo. É uma pena. É uma penitência se viver em meio a gentes e gentes. Tenho certeza de que em um formigueiro há muito mais respeito e lealdade.

Primitivismo

Por que a prepotência da Vida a fisgou? Pô-la como espécie humana, a se arriscar em violências íntimas? Assim tem sido. Há vinte e um anos. E só agora Clara descobriu o quão ríspido é disputar os ares.
À mercê do comum. Do que eriça tristemente as epidermes desmedidas da população interiorana. Um legítimo sarcasmo lhe é mais digerível que um menosprezo frio e intelectualmente aceitável.
Percebeu, de acordo com seu processo de maturação, que os incompetentes desdenham de outrem em prol de um anel de ouro dezoito quilates ao tão abominável ego. Ter ego e diariamente demandar a lida com o bichinho camaleão é-lhe algo maçante.
Envolve-se com seus congêneres por pureza, por acreditar que a dissonância entre os espectros vivos e os sinais da carne é evidente. Esparrama-se nas dentaduras. E mastigam-na, sem grandes esforços, até reduzi-la à péssima sensação da perplexidade. Esta lhe causa descontrole corpóreo, inquietude da alma.
A Candura e a Bondade e a Autenticidade eram suas máximas. É óbvio que, perante a condição humana, diamante ela não era... Mas sua espontaneidade aromatizava a ambiência com um bem-estar enorme.
Maurício, amigo por quem Clara tem grande admiração, desnuda-se amiúde a ela. Mostra-lhe as arcadas potentes. Mostra-lhe o silêncio anárquico. Mostra-lhe que as ficções têm remetentes somente nela. E é assim que é: o bom é depositar empenhos e liberdades limitadas no inanimado ou naquilo que não se aproveitou de quem não mais compete com o Tempo. Que saudade do meu tio Walter, com seus radicalismos engraçados, com seu capricho explícito com a vida. Que saudade do que me é agora utopia. Mas, Maurício apenas bafora seus hálitos de ervas de origens desconhecidas. A Natureza o colocou em cesto de razão... Mas não o fixou à humildade do dessaber. Racionalizar pode ser nocivo a certas carnes. Nada tem as próprias bússolas... E, dependendo da musicalidade do expressar-se, dependendo da escolha do carnaval, desmorona-se o mundo de Clara.
Volta para a casa com uma goma de mascar. Decepção. Preço de banana. Em qualquer canto de qualquer amontoado se consegue essa goma. E no momento em que a língua torna o sabor insípido, a relação fica frígida, alegórica, dinâmica, embora paralítica. Conclui-se que a grande companheira da vida é a Solidão.
A onipotência nos enfia o Mundo goela abaixo. E, hesitante, nossa ampulheta se consome... Erra o círculo. Passa com sofrimento a outras partes a viver. A providência ousa com o outro, porque não se arrisca. Para pôr a própria pele em estiletes é necessário insanidade. Esta é interessante a se observar. Grande laboratório. Depois, chega-se a hora de materiais recentes serem degustados.
Baralho de solidões.

24 de junho de 2006

Van Gogh

As janelas, à noite, que me são contemporâneas, acalentam minha solidão. Solidões aos mutirões, devotas do Nada. Respeitam, pincelando no embaçar, o Nada. Uma solidão agregada a outras solidões culmina num triste e estendido solitário padrão.
Abro a janela de vidro... Entrego minha face à aragem que se excita com as frestas da janela de madeira. Numa fatal decisão ajo e escancaro as árvores talhadas em janelas. E espio a ambiência. Vejo um edifício que, neste instante, provavelmente simula mortes. Uma janela de banheiro mantém-se acesa. Talvez para clarear indiretamente o quarto... Talvez para acolher um incômodo orgânico do morador.
Tudo está provisoriamente morto. Os homens morrem para ter fôlego ao desenrolar do tapete amanhã. As cores... Houve um genocídio oriundo da negritude dos céus que as matou. Lei do recolhimento. A Natureza flui com seu pedantismo inerente... E eu não compactuo com o Nazismo. Por isso morro paulatinamente.
Sinto o esfarelar da ossada... Diminuo as medidas... E a alma enclausura-se em um pequeno quadrado de ar viciado.
Acabo por trocar os desenhos de um único sentido.

Bolo

Júlia competiu com o fôlego daquela sexta-feira inconveniente. Empecilho de provas chatas a partir de matérias teóricas. Júlia tem integral ojeriza a teorias, a didáticas, a lógicas. Júlia vive porque lhe é outorgada essa infindável ação. Vive transcendendo a utopia dos céus.
Incrementa o vital com o incogitável. E ri plena perante o Mundo elaborado de criança que se atenta aos sentidos. Ri plena... O palhaço é real. A maturidade das óticas inorgânicas é de verde intenso, brilhante, vigoroso.
Os compromissos lhe atropelam o dia. Retocar o corte de cabelo. Como de praxe, pintar as unhas e lanchar a tempo de chegar em bom horário à prova. Toma chá de camomila, esquenta um pão e o arremata com pasta de queijo... Todos desempenham incumbências de pedreiros na hora da fome. Todos desempenham os talentos dos confeiteiros quando se saliva um destino ainda não predestinado.
Júlia fez a prova, voltou para casa a tempo de dar tempo ao telefonema. Ligou para o celular de Arnaldo; como detesta insistências, deu um tempo. Ligou novamente, chamou, chamou, chamou... À medida que a chamada era-lhe um eco, desnudou-se das expectativas. Ligou mais três vezes. Nada de atendê-la.
O dia passara preenchido, cansativo e a garota debruçou-se sobre a feliz expectativa da sedução primitiva e pudica da noite. Fez todos os afazeres com o grifo do bom sentimento. De repente, tudo o que o cigano havia predeterminado inverte-se. Não haverá encontro. Júlia frustra-se, como é legítimo no manual da Grande Proprietária da Vida.
Mas o bolo não terminará seco, mal acabado, insosso. A menina preparou-lhe uma linda cobertura... Cobertura de irritabilidade, frustração, desilusão, incipiente frieza e desprezo. E depois, apelando aos serviços do Sedex, mandará a obra arrematada para o doceiro despreparado.