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31 de dezembro de 2005

Novo Tempo

Há mais uma porção latente de Tempo. Tanto sadismo vindo de longe. E eu tenho que desfazer a casa para ele se alojar.

28 de dezembro de 2005

Lavar roupas

Lavar roupas equivale a prazeres artificiais. Há total isenção da alma. E, quando as águas vão mal, não há melhor alopatia.

24 de dezembro de 2005

Natal

Natal: dia de comemorar o Mundo; todo o Panteísmo. Dia das oferendas infindáveis à alma, dia de música de vidro entre os povoados do cerne. Até dona Tristeza dá um jeito nas olheiras. Mas depois... Depois das comemorações canastras, bate-me uma frigidez colossal.

23 de dezembro de 2005

Chaplin

A parte elétrica da casa faz mímicas da libido. Uma energia abraça as áreas habitáveis. Como a eletricidade da volúpia se misturando à linfa. Mais uma vez a vida imitando a Vida.

21 de dezembro de 2005

Saudade

Saudade é prorrogar o velório. Adiar o enterro. Olhar para o defunto e lembrar-se somente das qualidades do passarinho que até então era gente.

19 de dezembro de 2005

Investimento

Quero-o para saciar minha libido
Quero-o para ser a nova poltrona da sala
Quero-o para saídas e leituras...
Para brigar e me fazer sofrer.
Porque terei certeza da eficácia da droga.
Ele será parte da dieta recomendada pela nutricionista.
Tá feita a encomenda.
Quanto lhe devo?

11 de dezembro de 2005

Status

Pretendo gozar do meu status como o passarinho faz. A tranqüilidade de um jardim me causa inveja. Mas sou este gerúndio... Este paradoxo à inércia. Quero saber ter orgasmos perante este movimento vivo.

Frigidez

Fico frígida perante elogios que fazem jus à gramática. Estética é coisa de esteta; de lingüista. Quero idéias maravilhosas materializadas em não sei o quê.

10 de dezembro de 2005

Trabalho Forçado

A matéria tem me dado trabalho. Dias de mal-estar. Dias de vontade de "dexistir"... Mas o valioso é escapar ilesa destes empecilhos.

7 de dezembro de 2005

Brinquedo

A boneca faz mímicas da Vida. E, à medida que o encantamento impúbere surge na criancinha, a boneca vai se fatigando e sucumbe. O homem tenta imitar o fôlego da Vida. Mas o mundo humano equivale a estátuas perfeitas, enormes, bem talhadas e paralíticas.

4 de dezembro de 2005

Ao Lindeza

Uma única receita rendeu duas porções: a minha alma e a alma do Lindeza se equivalem. A noite foi maravilhosa. A matéria e a música em uníssono. A presença aguda do Lindeza promovendo bônus às iguarias da Alma.

3 de dezembro de 2005

Pérolas do joalheiro

Da última vez em que deixei Maurício tomando conta da tartaruga, ela fugiu.

...

Empurrei a Kombi e ela não pegava. Depois, depois de ter dado uma volta no quarteirão, descobri que ela não tinha motor.

1 de dezembro de 2005

( i ) mundo

Enfim resolvi as pendências deste universo paralelo cujas pretensões são atingir a coerência. Mundo de tijolos; tão certo. Tão brega quando se junta à vida. Meia de bolas com camisa xadrez. Mundo da lógica que desmoraliza a truque da vida. Mas me livrei dele. Como um convencional que, subitamente, atenta-se à Vida. UFA!

30 de novembro de 2005

Insônia

Depois de uma noite à mercê; sem papel, entreguei-me às lágrimas. Não havia outra oportunidade. Tive que chorar para atenuar um pouco o câncer da alma; a isenção do corpo e a agudez da alma.
Desisti de lutar com todo músculo da alma em prol do sono; do "off". Escancarei a janela usando a mais alta potência do desespero. O desespero, quando materializado, repercute em estouro, erosão, poluição. Assim arranjo à alma um enfeite vindo do mundo.
Estou no colo do desespero. Minhas carícias saem de suas mãos, Oh!Desespero.
E, de repente, de olho ao infinito, vem vindo um ônibus. E o ônibus é quase um truque que equivale ao inexplicável. Ele vem a desfilar sua grande vitrine de terra chinesa, se inicia perante a inércia de uma das faces do mundo e depois apaga-se como a morte ocultada por manobras humanas diante do ritual do enterro.

26 de novembro de 2005

Esquizofrenia

Minha esquizofrenia não demanda combustível. E acho que a loucura como conseqüência de uma dose de qualquer coisa perde seu mérito. Gosto de ser - eu e meu copo d´água - este letreiro de esquizofrenia

22 de novembro de 2005

Grite, Hospital

O silêncio - uma idéia cimentada por hospitais - contradiz com qualquer tipo de enfermidade: esta sempre equivale a um berro da natureza. Uma manifestação que não se acaba antes de ser percebida. Portanto, a partir de agora, infrinja a placa e grite em hospital. Em respeito à Vida.

TeXtículos

Meus orgasmos são sempre curtíssimos. Mas agudos. Não consigo encher uma folha de pensamentos. Nunca fiz jus ao padrão. E minhas idéias têm a força que se incorpora em formiguinha.

15 de novembro de 2005

Velha Vida, Alma Nova

A vida é velha. Coisa que já ficou invisível, à mercê de teias de aranhas. Não enxergo nada... Fico sem saber qual é a do Mundo. Vidas são inauguradas amiúde. A mesma vidinha que se manobra em um pernilongo é a vidinha que me serve de bengala. Sem esta imposição clandestina, minha equação culmina no Nada. A vida é velha... a vovó já levava na cesta de frutos o mistério do mundo. A engrenagem, que é dona de tudo, não usa o verbo "esbanjar, não explora seu lado cabotino. A vida que me é inerente há vinte anos rompe o acordo com um velho de setenta e quatro (hoje li na "Tribuna de Minas" que um sr. foi assassinado). E por que a força vital é tão tênue? Por que uma contração humana consegue extirpar a dedicação tão obscura do Fado? Temos uma interseção com a miscelânea que se organiza em ovo. E por falar em ovo, lembrei-me da metafísica da Clarice. E lembrar da Clarice é atiçar novidade à alma... E atiçar novidade à alma é demandar atitudes da Velha Vida. Afinal, sou fantoche.

14 de novembro de 2005

Tijolos do Mundo

Não sei o que é que fica incumbido de manter o mundo em dia. Meu corpo demanda matéria para se manter ereto. As frutas estão chegando. Maioridades se fazendo. Bebê desvirginando a epiderme da mamãe. Vento ventando, chuva chovendo. Matérias, enfim, se inaugurando à Vida. O mundo é a conseqüência do que não se sabe.

12 de novembro de 2005

Inconsciência

Sou um pronunciamento de matérias cheias de formas, cores, texturas, espessuras. E assim é o mundo em sua íntegra. Somos a consciência da epiderme de tudo. Somos a conseqüência de um mundo a que não temos acesso. Assim como minha massa inaugura-se a esta existência, a forma inerente à formiguinha o faz. Tudo com que convivemos no ínterim da vida é um desconhecimento total. As vidas são estréias de matérias oriundas de um lugar revestido por um sigilo absoluto. A vida é uma orquestra acontecendo, um tricô autodidata se fazendo, um grande e enigmático instantâneo.
Somos coisas concluídas, ainda que em infindável mutação. Somos um universo dinâmico, rápido, forte e, no entanto, mudo, dissimuladíssimo. E ficamos à mercê. A ignorância já nos elegeu padrões. E assim a gente fica à espera das matérias que se agigantam ao longo da vida... E assim a gente associa as incertezas que constituem o âmago aos acontecimentos mundanos. É assustador ter a vida como a própria bengala e desconhecê-la por inteiro. Somos todos cegos que se conformam com matéria pronta.

9 de novembro de 2005

Sobrenatural

Tudo que fica na vigília da vida é sobrenatural. Bônus de matérias me seguem até o último grito de vida; a alma com sua versatilidade inerente é minha bengala. E dela (da alma)eu nada sei. A vida é utopia pura. Ela vai me seguindo à frente; jamais estou em dia com ela.

8 de novembro de 2005

Matéria Humana

A matéria humana é pretexto para o mundo se pronunciar. O mundo nítido a estes olhos órgãos estrangeiros e o mundo de que não se sabe nada.

6 de novembro de 2005

Flores gringas

Uma flor no ápice do vigor se elege a mim. Vem gringa a me pegar absorta. E, de repente, muda de textura, resseca e, ainda assim, insiste em, pelo menos, manter seu esqueleto ereto.

4 de novembro de 2005

Tudo é instantâneo

A vida é súbita. Não há prévios esqueletos e planos. Não há reserva ao futuro. Tudo é instantâneo. O futuro se resume a um instantâneo da Natureza se manifestando em cernes de gente, em cores de frutos, em confecção de passarinhos.
Enquanto a sociedade se preocupa em fluir de acordo com a bengala da lógica, a vida, a genuína vida - a qual esmagamos perante o dia-a-dia, tem como tônica a ilogicidade.

29 de outubro de 2005

Universo Paralelo

Sou o mundo. Mas o mundo duo. Enquanto meu materialismo coincide com o materialismo de formas, cores, texturas, espessuras, dinâmica, meu impalpável enxerga as abstrações do âmago. Olhos: tenho-os aos montes, em excesso. Olhos estrangeiros, que saem do mundo do Nada e desembocam no mundo do Tudo. "Olhos órgãos". Olhos virgens ao dia-a-dia. As minhas sensações trazem consigo olhos: alguns míopes, alguns hipermétropes, alguns puros e perfeitos.

23 de outubro de 2005

Mundana

Nesse fim de semana me esqueci de meus jardins intrínsecos. Abstive-me das flores de hesitação. Dediquei-me ao corpo. À diversão da carne. À dança mundana. Ao jogo de fêmea que demanda seduzir alguém apaixonante. Pus uma indumentária preta, uma nova epiderme a minha epiderme diária, horária, cansativa e fui à rua, ao som, a gentes de todo tipo. Diverti. Preenchi a plenitude dos solos mais superficiais da essência. E hoje estou mais alma. Estou mais Carolina. Ontem fui uma alegoria qualquer.

21 de outubro de 2005

Rapaz libidinoso

O jardim da saudade se sobrepõe ao jardim da libido. Esta sai do baú de tempos de fundo de caneca. Novas águas equivalem a novos tempos. Novos tempos me sopram a libido e as ervas da saudade entram em uma orquestra perfeita.
Aquele rapaz é libidinoso. E a libido faz bem a minhas terras murchas. A libido faz crescer flores raras, faz colorir meus céus, faz atrair pássaros inéditos.
A libido é matéria de que necessito. Mas depois que meus ventos intrínsecos erradicam o instantâneo da libido, ficam lacunas em minha vigília.
Libido e cerne nunca entram em um acordo.

16 de outubro de 2005

A mais fresca insegurança

Mudam-se as estéticas das flores. Mas a engrenagem que as faz é a mesma. Estou à mercê de uma insegurança. Estou perante um jardim versátil, moderno e, ao mesmo tempo, tradicional.

14 de outubro de 2005

Receita Errada

Há quem possua um ingrediente indevido. Às vezes sobressai o mal. Sobressai o monstro. Em todo resto há mesmas vidas sendo setas à nossa condição.

12 de outubro de 2005

Terreno Baldio

Abstenho-me de depilações amiúde. Detesto estabelecer cancelas à velocidade da Natureza. Estou com o terreno cujas gramas são orquestra em incessante atividade. Fiquei nua ao mistério, à estranha existência dos pêlos que não param de se proliferar. Não cansam de existir. Vêm do mundo do Nada e desembocam no mundo do tudo. Os pêlos são da religião das gramas.

Com licença

Meu corpo é um desrespeito. Vão acontecendo bônus de células sem minha permissão. As tristezas, à deriva, reúnem-se em sindicatos. A volúpia rompe águas de lagoa, delineia-se ao vento da vida e se faz inteligível a meu interruptor. Liga-se, enfim, radicando eletricidade ao asilo do corpo.

11 de outubro de 2005

À espera do livro

Estava ansiosa para que meu livro chegasse. Compararam tanto as minhas escritas com as da poeta da década de 70, que eu fiquei aflita, aflitíssima para conhecê-la, apalpá-la, estuprar a minha curiosidade. Demorou. Demorou muito. A avidez foi gritando a mim, expandiu-se, tornou-se uma árvore robusta com direito à mudança de cores e de espessuras. Minha árvore foi assassinada hoje, com a chegada de uma vida travestida de palavras a minha casa.

9 de outubro de 2005

Milagre

Consegui estar. E depois disso vivo um sexo infindável com o delineador dos dias. A vida coincidindo com asfalto, sinais, cimento, uniformes, roupas, maquiagens. Viver é a maior força da tapeação dos dias. E nem se dá importância à existência. Os nossos jardins começam a se manifestar de acordo com as circunstâncias banais do cotidiano.

8 de outubro de 2005

Orgasmos Múltiplos

Viver é estar à mercê das oscilantes intensidades que se inclinam a tudo que compõe a vida. Até a palma da minha mão atinge o clímax quando, entregue a um feixe de água, culmina no que há de mais agradável à pele. O ouvido chega ao ápice quando coincide com os fios sonoros criados por Bach. O paladar transcende quando cutuca a tônica do brigadeiro. Meu olfato vive sua multidão com os ares da cozinha logo cedo, habitada pelo café. A visão chega à plenitude no momento em que um pássaro preto e branco esbanja a vitrine exímia de uma vaidade da Natureza. Viver são orgasmos múltiplos oriundos da fluidez do Tempo.

Segredo

O segredo tem prazo curto. Curtíssimo. O segredo não vive. É segredo por não contribuir à engrenagem da existência. No entanto, no momento em que deixa de ser a inconsciência, ganha todo o palco da existência. A partir do "dessegredo" é que se tem acesso à vida.

7 de outubro de 2005

Uníssono

Por que nasci gente? Que estranha fatalidade da vida: incumbir minha existência da condição humana. Eu queria nascer pássaro, que vive em uníssono. Viver o duo de ser humano é mero martírio.

5 de outubro de 2005

Recepção

Enquanto minha vida morre à noite, diante do estupro do sono, o mundo prepara a recepção a mim, para logo cedo, quando eu retomar a consciência da vida.

3 de outubro de 2005

Dessabedoria

Tenho a cega capacidade de enxergar. A insipidez que culmina no paladar. O surdo dom de ouvir. A inodora fonte do prazer de cheirar. A insensível sensibilidade de tatear. Viver é gozar o tudo de que não se sabe.

1 de outubro de 2005

A Mariana, meu amor

Mariana, que fado pesado para o tempo, hein?! Incumbir-se de você não é atividade fácil. Incumbir-se de você demanda trabalho árduo, diário, horário. Não sei por que você ganhou existência como gente, querida. Você, com essa sua essência evoluída, merecia um patamar superior de vida. O bom é que eu posso degustar da sua companhia, do seu amor, da sua plenitude, da sua perfeição.
Mariana, involuntariamente, meu cerne elegeu você como o grande amor da minha vida, como a evasão para meus momentos de solidão, de depressão, de sofrimento, como a complexidade que me assalta diariamente perguntando: por que brotei nesse lugar habitado por criaturas tão fantásticas?
Marianinha, ser espectador de você é presenciar o céu em dia de estética privilegiada, é ouvir "ária na 4ª corda" e transcender até os bastidores da existência. Estar com você é me esparramar integralmente e aliviar meu coração.
Te amo. O tempo nunca se esquecerá de manter nosso amor casto em dia.

Do seu bichinho-da-seda,
Carol.

30 de setembro de 2005

Ao garoto que é meu avesso

Hoje não estou exata à consciência. Não sei por que delinearam formas aos sentimentos, afinal o curioso da abstração é a abstração. O tempo me consome com misturas indecifráveis, com forças órfãs como a minha existência.
Amei com o sublinhado da libido meramente. E isto culmina em escassez de vida; em erosão, em solidão, em sabotagem à própria alma. Mas, com isso, saciei certas tendências inerentes à vida. Refleti inúmeros fluxos de vida. Avistei outras vidas até então latentes em mim.
Não quero podar jardins alheios. Quero sexo com meus jardins intrínsecos. Quero transcender o tempo como caracol. Redundantemente voltada a mim, à minha descoberta. E depois sairei com pé-sim e pé-não ao mundo.
Só serei o outro quando eu me for.
Decidi.

28 de setembro de 2005

O mesmo pronome

Ele pode ser um novo verbo à minha vida. Uma promessa que atiça certas raridades. Uma experiência que se assemelha a blusas idênticas sobrepostas. Ele é um dia de sol tímido, de chuva rala, de ventos gozando com pudor, sem derrubar vasos de jardim.
Ele é este milagre da existência, mas sem sabê-lo. Ele preocupa-se com a estética e em ser sociável. Mas é a eloqüência de um troglodita. Carrega uma volúpia que jura dela ser isento. Ele é um travesti... Afinal, fala o contrário das palavras originais que lhe vêm à mente.
Ele é a repetição da Natureza. Mas usa da bengala (que nos torna deuses) como instrumento de erosão às flores do inconsciente. Quero um incumbido da Natureza mais dedicado à linfa, mais espectador-ator dos versos que se delineiam espontaneamente à consciência.
Queria um amor - ponte à área de difícil penetrabilidade às ondas do cerne. Um amor que me conduzisse a um crime qualquer. E o fizesse involuntariamente. Queria o sabor mais agudo das manifestações da Natureza. Porque, quando isso se faz é a hora de desvirginar-se de vez. E obter o orgasmo de cada engrenagem viva que se compromete com a Vida.

25 de setembro de 2005

Reflexões

A vida é moderna. Ela sempre se apresenta seguindo a mais recente intervenção do Fado.
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O inconsciente é esteta. Ele é exímio na preparação de uma sensação.
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Engravido de vida todo dia.
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A vida insiste em minha vida.
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Tempo é o nome que se dá às mudanças de máscara do mundo.
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Delineio meu inconsciente. É tão exótico desenvolver estética à abstração... à abstração intrínseca da gente.

22 de setembro de 2005

CAROLINA

Carolina rima com menina. E o que é menina? É ter uma vagina? Ou aspirações diferentes das dos meninos? Às vezes nem me lembro do Fado de menina. Fico apenas sendo essa vida assexuada das vidas que me habitam.
A tristeza não se exibe com saias, com paetês na indumentária. A depressão não disfarça olheiras com base, a alegria não pinta as unhas de vermelho. O mau-humor não se segura em um sutiã.
Sou palco à manifestação do mundo, como sr. Zé, Dnª. Zuleide, o cãozinho Xavier, a tartaruga Ruth, a begônia Marli, o passarinho Zeca, O Rio São Francisco, o milho Chico.

21 de setembro de 2005

Inveja

Inveja é inerente à existência. Como a manifestação ousada das sensações. Invejar é colorir o âmago com uma só cor e castrar assim a manifestação da selva colorida e heterogênea que é a vida. Imagino a Floresta Amazônica escondendo o verde, o marrom, o vermelho, o roxo, o azul claro, o rosa e exibindo somente um cinza insípido que não atiça sentimentos humanos. Isso é inveja.
Inveja é estar com a piscina "cheia de ratos". A inveja consome nossa linfa, nossa poesia, nossa oportunidade de estarmos a par do Tempo. Meu "eu" é vencido pelo Império Onipotente da inveja. Mas, eu "desafio o instinto dissonante".

Viva Renato e Cazuza... os quais, com certeza, já se manifestaram em outra forma de existência. Em uma coisa mais valiosa e mais superior que a condição de humano.

18 de setembro de 2005

Depois da Festa

Depois da intensidade, da inconsciência estimulada pelas cores, formas e sons mundanos, restam lacunas cinzas, secas. Feito a morte vivendo sem findar. Gozar à noite é válido para a noite. Para o dia já seria muito labor: sol a exibir-se, azul purinho. Felicidade seria demais, seria demanda enorme a disposições pequenas. As almas ficam sem sentidos, ficam fracas como a profundidade dos estetas.

15 de setembro de 2005

Espiões

A vida me espia. É isto. O céu está vivendo inteiramente sobre a vida que me habita. O passarinho passa rapidamente incumbido com essa gigantesca receita que é a vida. O vento surge com sua vida outorgada. A palmeira esbanja seu talhe, seu verde recente e seu amarelo que sucumbiu à força da vida que vive por detrás do sol. O som do raio existindo e as cores menos exploradas pela Natureza se pronunciam. A vida é esse feixe de matéria e de essência de que não se sabe. A vida é a força de um roxo-violeta, de um músculo se manifestando, de uma onda anêmica do mar, de uma tempestade instantânea, de um cochicho das aves, de um contorcionismo de macaco. A Vida. A vida. São em nome de que essas tapeações ao Tempo? Para que ir, resolver e concluir tudo? Não se sabe o resultado da infindável equação de existir. Soma-se tudo e chega-se ao Nada?

14 de setembro de 2005

Carolina e Natureza

Não consigo. Tento, tento, tento. O céu muda de moda, o canto do galo cala, os pés se preparam para a volta. O dia se foi. A noite prepara-se a um novo dia. A menarca assalta a vida da mocinha. A vida se cala e eu não chego a conclusões. Não chego a conclusões. Não-chego-a-conclusões. Nãochegoaconclusões.
A Natureza nunca se finda... tantos vermelhos em rosas, em bicos de passarinhos, em bicos de bustos. Vermelho é força. Como o músculo adquirido em um trabalho árduo. Vermelho... minha tara. O vermelho gritando em maçãs, desfilando em rosas, exuberante em bocas libidinosas. O vermelho anêmico pelo cansaço. O vermelho pálido da derradeira fatia de vida. E vem o amarelo, o VERDE para eu poetar sempre mais e mais. A força da vida que vive em tudo. O suor com sua transparência inerente me habitanto agora... O mundo é o que não se sabe. Sabe-se muito até atingir o patamar de plena sabedoria: a de não saber nada.

13 de setembro de 2005

Quantidade de Vida

Não sei o quanto de vida tem para me ser.
Será que ainda há muita vida querendo me viver?
Quando será que meus ouvidos se cansarão de ouvir?
Meus olhos, de ver?
Quando meus sonhos deixarão de sê-los?
Quando?
Quando a vida não mais me for,
será que outras vidas virão em corpos
Com bustos por se fazer?
Quando a vida não mais me for,
De que virão os incipientes seres?
Virão pretos?
Virão ricos?
Virão em época de trabalho árduo da Natureza?
Virão junto às flores?

12 de setembro de 2005

O Mundo em nossas mãos

Com a caneta grito meu mundo mais íntimo. As eloqüências mudas da alma ganham vida. Como o amarelo que fica até certo ponto latente e depois se manifesta em uma rosa à deriva. Como a acústica dos passarinhos que entra na engrenagem de existir.

Mundar

Viver é mundar.
O som é porque meus ouvidos são
A cor é porque meus olhos são.
Não haveria Bach se não houvesse ouvidos.
Não haveria vermelho se não houvesse minha visão.

Vivo? Não.
Mundo.

O mundo me é.
A cada passo o céu se exibe
A cada ida a volta se aproxima
O Tempo é meu sexo infindável.

O Tempo é a libido, o desespero,
A morte, a solidão, a alegria.
Ojeriza. Tesão. Fugacidade.

10 de setembro de 2005

Nascer

Quis nascer em outrora. Para ter o paladar do "não ser". Só sou porque existe em mim uma tal de consciência. E ser consciente da inconsciência é enlouquecedor.

7 de setembro de 2005

Companhia

Demando companhia
Como a estrela demanda a escuridão para cintilar
Como a maçã demanda o vermelho para ser maçã
Como o som demanda trampolim para ser som.

Demando companhia
Como o desespero precisa de grito,
Quebras,
Entrega,
Desejo de morte.

Demando companhia,
Como a necessidade imposta de um espirro.

Demando companhia,
Como a salvação de um "mais lá que cá".

5 de setembro de 2005

Vivendo

A vida é viva
Como o som pronunciado
E, só então, sendo som.
A vida é viva em orquídeas
No contorcionismo dos passarinhos.

A vida é viva na minha tristeza
Nesta casca que é o máximo que conheço
A vida é viva nas casas com cheiro de bolo
O cheiro é vida
E o senti-lo também.

A vida é tudo que, despudoradamente, gruda na alma
E fica latejando e fazendo rir e fazendo crescer
Os troncos do nosso império.

Nosso império de insistências
Nosso império de paixões unilaterais
Nosso império de libidos e "dessabedoria" de tudo.

2 de setembro de 2005

Saudade

Saudade é um abuso à nossa fatia esteta
É reconhecer rosas tênues em grande quantidade de rosas
A saudade é uma moda forte, de inverno
Amores indo bem são modas de verão
Mas o que precede são panos, panos
E os efeitos são sempre
Estéticas monumentais.

Saudade é adrenalina que gruda
E leva a longas caminhadas
E retorna cheia de seqüelas.

Saudade é alienar-se do Mundo
E desvirginar a metafísica
Que vive como espiã da Vida de tudo.

30 de agosto de 2005

Versos de um Amigo

Eles chegam a mim como o mundo nasce ao meu despertar.


"... Colhem de minha expressão
muito mais do que eu
posso dar; muito
mais do que sou."

"Exista, tão somente
para perceber
que os meus versos
são livres,
apesar de presos
a você."
Hernany Tafuri

Acho que o amor é essa vassalagem à inconsciência.

29 de agosto de 2005

Engrenagem do Mundo

Quantas carecas incipientes
Crianças com o primeiro passo da existência
Olhos decididos: serão azuis
Local em que irá brotar mais uma vida:
África.

Ganhar existência nem sempre é privilégio
Às vezes o Fado é pesado.

Ganham vida como cão,
mas em corpo de gente.

27 de agosto de 2005

Anticorpos

A Vida é anticorpo à própria vida. Pele, cílios, pêlos. Por que não se pode ficar desprotegido e, absolutamente nu, estando à mercê das vidas outorgadas de tudo que se vive?

26 de agosto de 2005

Plenitude

Rosas povoando o território com suas formas, cores e indecência inerentes. A Natureza sabe a exata hora de ser plena, feito amores de amantes, feito a tristeza e a séria alegria de criança.

24 de agosto de 2005

Estética de tudo

Conheço minha superfície mais fina e a estética das variações da alma. Somos todos estetas. Tenho perfeita consciência de minhas fatias, de minhas doses de bondade, maldade, pequenez, grandeza e nada sei disso tudo. Conheço somente o arremate da minha vida, nada mais.

23 de agosto de 2005

Tempo Maestro

O Tempo afina minha voz. Emenda meu crescimento com perfeição. Desvirgina a planície vigente da infância: palco à nova estampa: o busto. O Tempo vai declamando a vida amiúde, faz o itinerário do martírio ficar mais próximo, me mostra as cores horríveis de amores unilaterais. O Tempo são meus passos, meu atraso, minha poesia, a paixão, a volúpia, a compaixão, a ditadura, enfim, a vida. Nunca estou só. O Tempo se incumbe diariamente de ser esta menina.

21 de agosto de 2005

Fim de noite, início de dia

Dia incumbido.
Noite mal dormida.
O dia flui como um riacho:
Contorcionista

A sombra me espera de tarde
E o sol se esconde
E aparece
E eu me escondo
E ele aparece

Não posso reclamar de solidão
Afinal sou o mundo.

O mundo só é porque eu sou.
O dia em que eu não mais for
O mundo também não mais será.

19 de agosto de 2005

Jardim

Decidi me incumbir dos cuidados com o Jardim. Isto é ponte à Metafísica. Tantos amarelos, tantos rosas, tantas formas, texturas e eu com esta minha ditadura inerente. A Ditadura de existir... e de ser soprada ao Nada depois. O Jardim me espanta... é carona ao infinito, aos bastidores desta Vida transeunte. Como diria meu grande amor, Clarice, somos um espasmo do mundo.

14 de agosto de 2005

Tudo sai do Nada

Consegui concentrar a dedicação da Terra
Consegui existir
Agora estou fadada ao ar
Às cores e formas
Às enormes sensações,
Mudas,
Silenciosas,
Mas, às vezes, danosas
Erosivas.
Este é o preço de existir.

13 de agosto de 2005

Beijo: Matéria-prima à Filosofia

Natureza viva esta nossa. Sempre alerta. De repente, a volúpia latente se manifesta. Grita a nós: "Eu existo". Como o sorriso do âmago que existe quieto e, às vezes se mostra. Como o salgado da lágrima. Como as modas da alma que se repetem sempre perante o novo, perante o velho, perante o agorinha.

6 de agosto de 2005

Rio de Janeiro

Amanhã irei ao Rio de Janeiro com Mariana e Mario. Meus amores. Meus amores simultâneos. E, malgrado eu não gostar de sol e de praia, quero ter o mar por uns momentos. É que ultimamente a Natureza tem me deixado perplexa.

31 de julho de 2005

Ganhei uma tartaruga

O mesmo enigma que se vira com a minha vida é o mistério que encobre a dinâmica da tartaruga e sua natação perfeita. Tão estranho o monstrinho que não sucumbe à força dos mares. Mais um fantochezinho ao Acaso. Um medo sem consciência. Um instinto de que não se sabe. Um meio de a infindável Vida se manifestar. Quanto será que ainda existe de vida? Quanto tem de vida querendo ser vivida? Eu se fosse vida, escolheria ser árvore num campo virgem. Num campo que ficasse incessantemente à mercê de mim mesma se manifestando em outras caras: Céus, ares, chuvas e sóis tímidos.

29 de julho de 2005

Gentileza

Grande gentileza é a chance de viver
Não apelei por nada
E, ainda assim, deram-me o mundo
Maior filantropia é a vida.

Filantropia sem anúncios em jornal
Filantropia desprovida de vaidades.

Palmas à vida.

A qualquer coisa que é

GENTE: Palco à manifestação do Mundo. Palco com chão incessantemente modificado.
Palco às diferenças. Palco a tudo. Não sou. O mundo é que, ousadamente, me é. O mundo me é brigadeiro. O mundo me é o cheiro de tinta fresca. O mundo me é Bach. O mundo me é a beleza que constrange. O mundo me são cólicas horrorosas. O mundo me é grande nostalgia e rara vaidade. O dia em que o mundo quiser, ele não mais me será.
Se fosse por mim, eu não seria o mundo assim. Eu seria o mundo antes. Ou seria uma árvore: Também palco para as manifestações suspeitas das cores e das formas. Eu gosto de ter livre acesso a tudo. Gosto de ser transeunte.
Eu acabei sendo, talvez para dar chance a amores ganharem verbo. Acabei sendo para que as lágrimas pudessem ser. Acabei sendo para assistir ao espetáculo indecente da rosa se exibindo. Acabei sendo a fim de idealizar com mais realce o que, duramente, é real. Sou, na verdade, a total entrega às manobras do Tempo.

28 de julho de 2005

Coisas

Faço meu mundo: Seleciono folhas e céus. Vivo a clausura do Paraíso. E, depois, um sopro vindo do mesmo nada que dita as modas da alma, apaga tudo que estava na lousa. À mercê de olhos alheios.

Fugacidade

Tão pequenas minhas pernas
Tão anêmica minha chance:
Posso fazer esculturas com o tempo futuro
Mas meu fôlego não o alcança.

Mamãe Natureza grita:
1,2,3 e já:
Processo,
Está pronto: Pode viver
Desgaste: Manobra do corpo
Fadiga à alma
Perde-se o Mundo.

Perde-se a chance de estar
E estar, de vez em quando,
É bom.

27 de julho de 2005

O Elemento Fogo

Nunca um instantâneo foi tão presente como no fogo. Fogo: Imediato calor, imediata cor, imediata dinâmica, imediata velocidade. Viver é um grande experimento. Nada é concluído e sempre tudo está disponível. Disponível a acontecer. Disponível a incumbir-se com este feixe que faz a vida pronta viver de fato. Fogo: A identidade com a libido que surge e se alastra à consciência, ao corpo vivendo incessantemente. Somos encarregados da natureza. E, quando enfim se adapta ao mundo, às tristezas, às boas sensações, é a hora de dar chance a novas safras de coisas e de gentes e de seres viventes.

26 de julho de 2005

Grande concorrência

Quais essências são ávidas por este experimento que é a vida? Chega-se já sendo. E degusta-se o mundo amiúde. Com gosto ou mesmo indigestão.

24 de julho de 2005

Hoje

Hoje já está virando antigüidade
Amanhã o hoje já será coisa concluída
Hoje não.
Hoje ainda está tudo virgem
A se descobrir
A se fazer
A se constatar.

A alma está sendo delineada
E somente depois deste instante
É que se conclui o que se foi.

Hoje é o vento que se sente
Com o sopro.
Hoje é a conseqüência.

Hoje é a maior afirmação
De que se está vivo ainda
Acordei!
Mais incumbência ao Tempo.

Acústica

Força das entranhas
É o som.
Balde pesado que sai do fundo do poço
Esforços tênues
Desgaste íntimo.

Quanto véu sobre o nosso som
Não estou mesmo sozinha
A Natureza é infindavelmente viva
Em mim.
Neste mundo que me é.

Meu som.
Tambor de veias, esqueletos
Minha voz... única
Os bastidores do som
Da voz.

Minha interseção com pássaros
O que inspira a invenção de um piano:
Deus personificado.

Deus sou eu com este mundo
Em dinâmica íntima.

E tudo do homem
São deuses personificados.

Queria entender o esforço
Que permite meu verbo
E os ouvidos, ouvem sem preço.

A voz demanda labor.
E o som é um átomo de deus.

15 de julho de 2005

Meus sisos inclusos

Desconheci minha natureza. Desconheci o que me era. Dois sisos a tirar. Nada de pânico. Nada de medo. Nada de ansiedade. Apenas matéria-prima para a razão manipular. Fiquei dias a pensar na timidez de meus dentes, na brancura, na rigidez, na origem. Principalmente na origem dos dentes. A Natureza, coitada! tão incumbida. Tantos e tantos a crescer. Tantos e tantos a nascer. Tantos e tantos em início de calvície. Tantos vermelhos a tantas rosas. Tantas formas e pouquíssimos erros. Tantas águas a movimentar. Tanto vento a ventar. Tanto sol a esquentar. Tantas menarcas. Tantas menopausas. E a Mãezona preocupou-se com meus sisos. Ela é o melhor exemplo de simultaneidade. Enquanto o corpo cresce em mim, ele murcha num desses atletas do tempo. Enquanto a felicidade é moda à minha razão, o desespero paira no corpo de um coitado. Quanta digressão.

13 de julho de 2005

Solidão

Uma nova existência culmina numa nova solidão. Em nova fonte de cores de onde se pode tirá-las. No sabor e no reconhecimento do sabor. No odor. No semblante do mundo. No barulho do mundo. Ser novo é a conseqüência de grande concentração da Natureza. Atingir a condição de ser é um privilégio.

Viver: O Destino

Viver é o meu destino. Eu poderia ser matéria não-viva; aliás, matéria viva a quem realmente tem vida. Uma areia, por exemplo, que é vida a mãos, a pés de um vivente. Tudo sai do mesmo e grande balaio. E por que é que eu fui incumbida?
Há o que vem para exposição. Como um rubi. Como uma esmeralda. Há o que vem para ser processado. Como uma flor atingindo a condição de árvore. Há o que vem como fantoche. Um sapo vivendo o que vive nele. Há o que vem como palco à manifestação do mundo: Eu, você, ele, ela, nós, vós, eles...
Antes de eu existir o mundo era latente. As cores não eram porque meus olhos ainda não eram. O som não era nem silêncio. O som simplesmente não sucumbia à escuridão de tudo que ainda não existe. Mas a escuridão existe. Não consigo imaginar o que é que não existe. Como será a não-existência? O sabor era a insipidez. Mas esta é mero repouso bucal. Talvez a maçã fosse só um esboço. A fragrância da noite passou a ser, de fato, depois da tarde em que eu e o mundo resolvemos ser um uníssono. Enquanto eu não era a vida, não sei qual era a incumbência do mundo.

9 de julho de 2005

Nada

Leveza virgem ao peso dos momentos.

Tapeação

Existem sensações que preferem o celibato. Ainda assim, insistem em lhes arrumar companhia. Ao tédio dão toda a arcada, na tentativa de, com mandíbulas em pura dinâmica, fisgar uma felicidadezinha.

O mais novo superlativo à literatura

Dia insosso aquele. Ali estava eu: Entregue ao tempo - que se consumia meramente; que sequer esbanjava o azul renovado do dia-após-dia.
Tempo anêmico. Sentimento anêmico. Pilha de jornal lido, manipulado, estuprado. Total desinteresse. Estava vivendo tudo que me vivia. E tudo que me vivia estava frígido.
...
(Mamãe): -Carolina, olha aqui no jornal: Uma matéria sobre blogs.
(Carolina): -Rapidinho mãe, tô ouvindo música.
(M.): -Tá aqui separado o jornal.
(C.): -OK! Daqui a pouco eu leio.
Carol reserva o som a um outro feixe de instante. Vai para a sala e avidamente lê os aplausos aos textos de Danilo. E depois lê alguns trechos de Danilo. Trechos que são decotes a rapazes libidinosos. Sucumbe. Vai à grande caixa de textos do Danilo. E apalpa aquele dia como uma boa fragrância se faz sentir.

www.danilozero.blogspot.com

4 de julho de 2005

Grande balaio

À espera do meu ônibus. Fluxos das filiais de todos os lugares indo e vindo e quebrando no meio do caminho. O Brasil ali, esperando um conserto rápido. O Brasil querendo chegar em casa. O Brasil cansado do trabalho redundante. O Brasil em trapos. E eu distante. Equivalho a toda a quilometragem diária da linha 526. E isso em átomos de segundo. Vi uma jovenzinha a ostentar sua linda barriga. Acho que ela está na idade do excesso de libido, da demanda de auto-afirmação. Um velho atônito neste mundo de novas gentes, de sínteses simultâneas de gentes. Ele é um mártir que não sucumbe ao tempo. Com certeza, já viu a arquitetura se mudar. Já foi à última hospedagem na Terra de um grande amigo. Já tem deficiências orgânicas. Tem que se salvar um pouco todos os dias. Quanto do mundo já se perdeu e ele, o velho, o sr., o que um dia já me foi também, continua concluindo seu tempo. Quando meu tempo for o dele ele terá se tornado um buquê de nem sei o quê.

Às claras

Ser, de fato, é tudo que se vive por aí
A onça não é dinâmica a se admirar.
A onça é a vida do seu pêlo,
A onça é a porção de bravura
A onça é o berçário,
A maturidade,
O poder bandido de seus dentes.

O sapo são verde e marrom
São o movimento sempre presente
São a elasticidade
São olhos atentos.
O sapo é um incumbido de amostras.
O sapo é a vaidade de um experimentador.

As pétalas reprimidas são a margarida
As pétalas respeitando o círculo
Ego de alguma professorinha mal amada
Que manda em nome da estética da ordem.

Minha voz é uma fatia dos sons disponíveis
Meu pensamento é o moinho que me foi cedido
Desde que vim a este Estranho
Meus cabelos são as infindáveis safras de ninhos
Meus olhos são o observatório do mundo
Do mundo em sua escala original.
Estranho!
Arranha-céus gigantes e olhos tão pequenos
E estes vêem aqueles em tamanho real
Meu ar: Uma discórdia involuntária
Precisa-se viver.

E quando se precisa de vida
Há sempre o que se respirar
Viver é o inesgotável;
É o tudo de que não se sabe.

26 de junho de 2005

Frete

Neste itinerário Vida X Morte, em que serei transformada? Virarei matéria-prima a buquês lindíssimos de rosas vermelhas, serei meras minhocas a trabalhar na terra, serei o verde da vitrine dos grilos? A vida é o incessante processo. Talvez eu sirva de azul ao infindável céu das tardes. Talvez eu seja a cegueira de uma vida que virá em um corpo qualquer, num barraco sórdido ou num palácio impregnado de nostalgia. Quando se morre congela-se tantos ares, tantos comportamentos da alma. A alma repete-se. Usa a mesma indumentária. Quando se morre, aumenta-se a vida do nosso poço inerente. Quando se morre, aproxima-se da cortina vermelha dos bastidores desta coisa efêmera. Destas trocentas carcaças incumbidas de me ser. Morrer é conceder toda a vida às outras coisas viventes.

Moda da Bondade

Creio que a bondade tem sua própria vaidade
Quando se é bom, a alma se produz
A alma chega à razão num galopante desfile
Desfile que agrada todo o âmago.

Ser bom é transcender a conotação humana,
É dar atitude à pretensão do cerne.
Ser bom não são ensaios, nem eloqüências.

Ser bom demanda sentido à natureza.
À natureza do intrínseco.

Ser bom vem dos bastidores destes corpos.
Sai da aquarela dos céus.
Sai dos talhes das flores.
Sai do calor que grita no verão.

22 de junho de 2005

Pote do Tempo

Hoje de tarde saí. Saí como espectadora das matérias em sua dinâmica. Vi um velhinho com as pálpebras gastas, à mercê. Imaginei aquelas pálpebras jovens e fiquei em dúvida: Onde será que o tempo guarda a matéria que se consumiu? Onde será que o tempo guarda o preto dos atuais cabelos brancos? Onde será que o tempo guarda a planície que hoje é o relevo imposto dos meus seios?

20 de junho de 2005

Festa

Preciso extravasar. Já não agüento este império redundante dos dias. A própria ambiência demanda excessos: Chuvas em escala industrial, sóis que transformam o chão em frigideira, vermelho indecente de flores inéditas a estes meus "olhos órgãos". Preciso sair da clausura que tanto me agradou nestes dias, mas que já virou clichê. E sair desta clausura é entrar em outras clausuras. As dos indivíduos muito mundanos. A prisão dos convencionais. A prisão dos que contemporizam a modas vigentes - Ora as dos céus que estabelecem o que deve se fazer de acordo com o semblante do dia, ora a recomendada pela razão, pelo bom senso. Disseram-me para não falar, para não olhar, para não comentar. Preferem o gozo na clandestinidade. Eu não escolho lugar a gozar. E querem um gozo moderado. Que paradoxo: Gozar é exceder-se. Não quero a mim uma vida previsível. Não quero sucumbir ao peso da manada. Quero ser este fluido enigmático que é inerente à existência.

16 de junho de 2005

Ele

Enfim cheguei à conclusão de que existe o mundo porque existo. O dia em que eu deixar de existir, as árvores perderão suas cores inerentes. As árvores ficarão a novas criaturas. A morte e ressurreição dos beijinhos americanos serão cinema a outros. O sol não mais me esquentará, que estranho. Minha consciência não terá mais consciência. E a vida, esta minha vida, não vai além de mera consciência. Sou fatias. Sou circunstâncias. Sou dores.
Ele emendou diversos sentimentos que são o solo da minha natureza mais intrínseca. Ele me fez sentir mais a minha própria vida. Ele encaminhou-me, sem senhas, ao poço. Ele me mostrou a grandeza frágil de se viver. Ele intensificou minha imunda condição de transeunte, de objeto fugaz. Ele foi nada para um espectador qualquer. Ele é esteta, pequeno como criatura humana, ele se esparrama com facilidade em vidinhas alheias.
Ele foi trivial para a manutenção de sensações das quais a Natureza sozinha não dá conta. Ele foi importante feito os apelos didáticos dos professoresinhos. Ele é enciclopédico e isso, às vezes, irrita. Porque acaba sendo um pote de vaidades. E vaidade esconde o jogo, rompe com as verdades mórbidas da gente.

13 de junho de 2005

O Presidente viu meus textos

Num dia desses, ao abrir este sustentáculo à minha sobrevivência, deparei-me com um parecer acerca do meu texto. Antes de constatar o que estava escrito ali, fui inflando meu ego. Quase explodi. Mas me salvei, ufa! E, à medida que lia o comentário, minha vaidade foi murchando, murchando e morreu. Morreu naquela hora. Não havia elogios, não havia menosprezo, não havia sequer indiferença. Havia uma grande insipidez que pediu emprestado ao abecedário algumas formasinhas para se tornar nítida. Será que, pelo fato de ter sido alguém renomado o leitor do meu texto, eu posso completar o tanque da minha vaidade? Será que a mera contração das mãos de um mito já é o suficiente para eu me gabar pelo resto da vida? Sei lá! Prefiro elogios vindos dos olhos nublados do sr.Júlio, do sr. Raimundo, do sr. Zé, do sr. Mário.

6 de junho de 2005

Pequeno Dicionário

AMAR: Sinônimo de seqüela. Como comer pão com lingüiça em lanchonete suspeita. Quem se inicia no processo de amar está fadado a receber súbitos gritos e dores que assustam o âmago.

DETESTAR: Verbo transeunte. Não há estacionamento a este verbo. Ele é efêmero feito o rosa-vivo dos beijinhos. "Detestar" é o minuto que acabou de passar e, com certeza, erradicou vidas e desvirginou uma fatia de ar com novas vidas.

TEMPO: Toda estética dos céus. A montanha-russa - única diversão da temperatura. O insuportável peso das poças d´água que se manifestam como chuva. O exibicionismo indecente do sol. A aeróbica inerente dos ventos.

28 de maio de 2005

Sorrisos

Não se escreve o sorriso. No máximo o abre nas correspondências: Proteínas básicas para minha perpetuação.

25 de maio de 2005

Expectativa

Saio com o meu fado indo à frente. Nunca fiz o tipo mandável. Ainda que aos hipermétropes e míopes pareça exageradamente flexível este meu jeitinho que agrada e desagrada, que faz desperceber ou engasgar. Meu fado me alimenta, me salva dos dias, me incrementa, me garante sabores atípicos. Sem minhas utopias, eu seria um vegetal enjaulado. Queria poder enxergar o mundo em pedacinhos e desvirginar novidades diariamente. Queria congelar o tempo dos segredos. E, quando enfim se descobrisse o embrião dos esconderijos, quando finalmente entendesse a despoesia de quase tudo, se findasse a carne com um derradeiro suspiro de qualquer sensação forte. Uma dor demandando um alívio, uma libido com memória incessante na vigília; sem a insipidez de voltar à condição de servo dos dias, de atleta que transcende os ponteiros.

20 de maio de 2005

Sinais de Vida

A vida são as inquietações íntimas ou um espirro que se consolida?
A vida é o carro-forte em que desejo esconder minhas fraquezas ou a próxima safra de cabelos?
A vida é minha voz saindo do estado latente e concorrendo com as maritacas?
A vida vem de fora, como o vento rebolando meus cabelos?
A vida vem de fora extraindo meu susto interno?
A vida estimula o que existe silenciosamente em mim?
A vida é querer exageradamente?
O fantoche é a miniatura do que é a vida?
O buquê de rosas é o espelho da vida da juventude?
A vida é fascista. Indiferente a minhas vontades.
A vida é orquestra em dissonância.
A vida é ser travesti.
A vida é assexuada.
A vida é a delicadeza das pálpebras de um velhinho.
A vida é o músculo-flor de trabalho de tantos Zés.
A vida é ser espectador de comédias e tragédias.
A vida são pedaços de sons e imagens.
A vida é uma mistureba de sentido.
A vida não é unidade.
A vida são...
A vida não é braço, ouvido.
Embora braço e ouvido sejam componentes da aquarela do viver.
O que é a vida?

19 de maio de 2005

Doutora Ênclise

(Carolina)-Bom dia, tudo bem com a senhora?
(Drª. Ênclise)-Pode sentar-se na cadeira. Suspenda as suas mãos assim oh!
(Carolina)-OK.
(Drª. Ênclise)-Pode levantar-se e dirigir-se a esta máquina. Olhe neste espaço e diga-me que letras enxerga após a luz acender-se.
Carolina, com sua lentidão inerente, atiça a avidez que se escancara em doutora Ênclise que, coitada! se preocupou, ou melhor, preocupou-se tanto com a exatidão da gramática que se esqueceu da vida. Esquecer de ser. Como pode?! Há quem precise de lembretes em "néon": "Viva, depois se incumba de fazer, não se esquecer...". O tempo dá um prazo curto demais às vidas. E as vidas, acomodadas às incumbências, quase não vivem... porque quando chega a hora de se viver de fato há bônus de cansaço, fadiga, necessidade de dormir. É bom viver agora de uma vez, porque amanhã já se tem menos a se viver.

11 de maio de 2005

Conclusões acerca da vida

Não há conclusões a se chegar quando o assunto é vida. Vida é ter a consciência das manobras dos bastidores de tudo isto; vida é a dinâmica da Natureza; a exposição da Natureza; a beleza e estranheza da Natureza. Vida. Tão estranha é a evolução, a dessabedoria das coisas, a incessante condição de vassalagem, as sensações que se desbotam até o dia do findar de tudo. De todo o estado de consciência pelo menos. Qual é de fato a vantagem de ter a noção de tudo isso sem poder influir em nada? Qual o privilégio em ser ciente dos monstros sem poder remediá-los? Não há engenharia o suficiente para muros anti-erosões íntimas, mares de forças que vêm, não existe ciência mais forte que o que não se sabe. O que não se sabe é sempre o Império onipotente. É o que É de fato; o resto sempre fica na condição de transitoriedade. As confecções ficam sempre à mercê e, conseqüentemente, com a oscilação da moda do tempo, mudam-se. Mudar é a vida. Sair do miolo dos arbustos e ir em direção às civilizações, entrar na imundície de outras vidas fortes, que não sucumbem à precariedade, falar com a eloqüência cedida, emprestada, gritar todas as dores latentes de uma só vez, chorar até tornar-se mera carne; erradicar toda a fonte desta estranheza toda. A vida são as incumbências que nos foram dadas por um desejo de eterno repouso de alguém que teve a pretensão de enxergar a dinâmica de longe; ser espectador das idas, vindas, das vidas. A vida é um feixe desprovido de matéria que nunca vence pelo cansaço; que está sempre em vigília das aberrações do intrínseco. Vida: Vitrine inerente das plantas, acústica perfeita de passarinhos, consciência castradora dos indivíduos humanos. Talvez ser sem saber que se é valha mais a pena. Talvez vida de inseto seja mais gratificante.

9 de maio de 2005

Assaltos

Funerais livres de aparência e de hora marcada são a tônica de um domingo pós-ressaca de extravasada do sábado. A Natureza mudou a moda, desfilou todas as indumentárias disponíveis enquanto estive acesa e a minha natureza peculiar manteve-se inalterável; desbotou no fim do dia. Funerais e lágrimas sem águas do mar vinham a mim com a nitidez mais nítida que conheci neste até então itinerário pela vida. Minhas modas, minhas estações são versáteis. Depois de funerais, nada como um lindo buquê em nome da felicidade de ainda se poder lembrar de uma tristeza que agora esconde-se por trás destes limites ditatoriais. Todos os meninos, as meninas, uns e outros, meus previsíveis sentimentos e os excessos vivem latentes. Tudo que não se vive agora está latente. Há sempre uma pré-existência. Basta o fato sofrer uma mudança de estado. Para que minhas rosas ou meus solos áridos com chuvas raras adquiram um semblante. Não sei por que tenho mania de arquitetar o ininteligível.

8 de maio de 2005

Dia das Mães

Contração que foi incumbida de ser. De me ser.

Invisível

Toda história sem semblante
Toda eloqüência muda deste íntimo
Tudo que me vem e que vai a tempo
De a razão dar as conclusões finais
São o findar dos oceanos,
São o preparo das rosas,
são o arremate das vozes dos pássaros.

Toda minha acústica
Toda minha miopia
São a simetria dos troncos e galhos.
Tudo isto sai das fontes utópicas.

Quantos desvirginaram uma fração de ar
No instante de juventude de uma árvore?
Quantos saíram de túneis ao encontro de um grande buraco?
Quantos foram incumbidos de ser a partir de hoje?
Quem tentou em vão a última balbuciada?
Hoje quantas rosas brotaram?
Por que há tanta sintonia na Natureza?
Por que o sol curte braços de fora?

Eu poderia estar em outra moda?
Este feixe incumbido de ser e de pensar
Poderia habitar outro transeunte?
Poderia estar em outro tempo?

Por que se cresce?
Como é o processo?
Quais as incumbências dos que não têm aparência?
De onde sai o sabor que é latente em mim?
E que vem junto à morte das coisas?

Estranheza

Tanto pudor diante do desconhecido e ousadas florestas ainda por se fazerem. Vêm sem consultas, sem licenças. Natureza. Que estranha e magnífica! Tudo me vem assim, assaltos incessantes como galhos de árvores que não sucumbem às máximas do tempo. Tempo... labirinto de sensação. Chuvas e intempéries que nos chegam como a manada que passa, com toda força que a máxima força que já se viveu pode ter. A máxima força é sempre esta do atual instante. Não sei por quê. Vida: Estranheza pura e mistura de segundos planos, ilusões de ótica. Começo: Flor do eco de outros instantes, itinerário sendo moldado de acordo com a pretensão do acaso e fim. Final da dinâmica, dos pagamentos rápidos, das vozes, dos beijos, das mais paradoxais sensações, das lágrimas que vivem latentes neste pote gigante. Final de todos os tempos que se incumbiram de nos transportar aos momentos, de nos moldar, de nos mostrar a verdade- às vezes cactus e às vezes rosa macia. Todo dia há fins, há conclusões, há pontos finais. E todo dia se começa, sente-se um desvirginar da atmosfera nova. Haja tamanho para tantos ares, tantos verdes, tantos sons. Haja sabedoria para não entender nada.

4 de maio de 2005

Interseção, céu e mar

Como o tom inarrável da interseção Céu e Mar são minhas esperanças. Elas têm vida própria estando bem longe de mim. Quando ouso aproximá-las à realidade, há uma anemia de um verde-pálido. Verde-capim ou aquele verde a qual nunca sabemos dar o nome certo. Minhas certezas são vírus fracos que sucumbem a qualquer aspirinazinha. Ainda assim, ainda convivendo com conselheiras e companheiras que moram em endereços cujo acesso é sempre difícil, há um pouco de mim nelas e um pouco delas em mim. A gente se corresponde através de tudo que não tem semblante. Minhas esperanças são sopros tênues de crianças aprendizes. São as vicissitudes: Verdadeiras convenções travestidas da adolescência.

1 de maio de 2005

Mamãe e Papai

Maçãs entregues à dissimulada personalidade do Tempo. Ávidas por aconchego. Toda carência demanda conforto. E a terra é a mãe das maçãs órfãs. Na hora da crise, na hora da queda é a terra quem as consola. Toda crise de existência das frutas é acolhida pelo tão generoso solo. Aquelas se derretem de desespero e o chão se abre a elas. Assim são mamãe e papai em minha tão estranha vidinha. Sigo a tentativa de me contemporizar ao mundo. De me contorcer de acordo com a posição das arcadas. Tento erradicar naturezas equivocadas em caras manjadas. Adoraria manobrar as circunstâncias como a Terra nos manobra nesse "dia-noite" incessante. Haja músculo à Terra. Haja fexibilidade em meus mitinhos que entendem meu despertar azul e no outro dia total indiferença a um dia ter sido aquarela.

30 de abril de 2005

Vaidades

Já tive as vaidades típicas de todas as idades que existiam em mim. Agora não tenho mais idade. Estou integralmente entregue às manifestações do Tempo. Não se consegue diagnosticar a quantidade de vida que vive. A quantidade de vida que ainda se tem. Não se pode saber o que é a vida, afinal. A vida são todos esses dedos emendados? A vida são meus ralos cabelos? A vida são os seios que sublinham meu Fado de menina? A vida é esta memória incrível que, com todo seu sadismo, martiriza demasiadamente a (in)consciência do meu dia-a-dia? O que é a vida? O que são todas as circunstâncias? Vaidades são exigüidade de sentido. Vaidade é incumbência de meras matérias vivas. Vaidade é a sedução desenxabida dos acontecimentos que se findam muito rapidamente. A vaidade existe para os que ficam unicamente em beira de praia. Quem arrisca a perder-se no próprio oceano faz, involuntariamente, abstinência de vaidade.

27 de abril de 2005

Natureza Morta

Subitamente me sinto órfã. No ínterim desta minha existência estive, até então, à mercê do tempo, presa a pessoas que contemporizavam às chuvas, aos sóis, aos vendavais que terminavam em exageradas erosões. Agora, como um fruto já maduro que se despenca da acolhedora árvore, estou entregue à minha própria vigília. Como um quadro com cocos solitários, distantes de sua origem. Tudo se torna vassalo desse tempo genérico, unânime... e poucas vidas voltam-se a si. Voltar-se a si é fadar uma solidão árida; é menos perigoso acomodar-se às demandas da vida. Já viemos com a pretensão de outrem em relação a nosso âmago... de manipulá-lo, de encaminhá-lo a itinerários tão cansativos e que, no fim, nos levam ao retorno de tudo e ao recomeço de horas que ousam repetir-se. Horas que se vestem de acordo com a moda dos céus. Horas superficiais... horas estetas. E quando as horas parecem dissonantes em relação aos trajes do tempo, haja saliva! Fala-se... tem-se um balaio de assuntos. E, enquanto os olhos amadurecem em pés entregues ao Firmamento, eu insisto na inércia de ser espectador da própria existência.

23 de abril de 2005

Ponteiros

Vida: Circunstâncias que se incumbem de sê-la. Que pequenez ser em função das pendências que ficaram ontem, que ficarão de hoje para amanhã e que nunca se findarão. Avidez em função de um desvirginar do que estava previsto. Desespero por conta de pouca variedade de belezas, aromas. Vida: A mecânica de conseguir em poucas horas dar conta de tantos e de tudo. E dormir quase que com a necessidade de morrer. O fim das horas e o recomeço da vida são a suma de um indivíduo demasiadamente exausto. A vida sai do seu genuíno sentido para se vulgarizar em meio a números e cores que indicam o que deve ser feito. Não há mais a vida - como conteúdo de embalagem de cada serzinho. Há vida genérica... um esparramar único a que todos devem se acomodar. Devo me acomodar a pegar o trem muito rapidamente, pagar todas as contas, sair correndo de transeuntes conhecidos, voltar ao escritório, tomar água devido a recomendações médicas, adiantar as tarefas de amanhã, ter um quarto de tempo para o almoço, voltar e mergulhar no labor. E de noite me derramar naquela cama e dormir o suficiente para ter boa disposição amanhã. E amanhã, antes mesmo de olhar o tempo, me precaver com sombrinha, óculos escuros... e ir junto a circunstâncias que cismaram tomar papel da minha vida. Da verdadeira pretensão da vida.

Sucesso e Fracasso

Por que se habituou a pôr o fracasso em “néon”? Sempre notas vermelhas em boletim e o sucesso clichê; com um azul “Bic”. Campainhas estridentes aos desclassificados e um apito tênue a quem recebe o primeiro lugar.

21 de abril de 2005

Tempo, tempo, tempo

Enfim o tempo veste-se com o que é poesia para meu corpo inadaptado a sóis hiperbólicos. Sóis como grandes sofredores que choram toda a fonte de lágrima diante de um mísero envelope de casamento em um único dia. Depois resta aridez nordestina para o ínterim dos próximos meses, anos e décadas. Este tempo veio como nota de cem em bolso esquecido... um gozo para um dia que me seria comum, apenas um acordar redundante. Tempo, como lhe agradeço? Através de minha entrega na íntegra a você? Através de uma apologia a você? Como agradeço esse ar que, malgrado transcender minha pretensão, me agrada pra caramba. Agradecer é sempre tão humano, tão pouco, tão exíguo... é a aplicação dos ensaios de semblantes. É descortinar todo o projeto previamente montado. Não lhe agradeço, Tempo. Apenas te vivo... com toda a virgindade do mundo.

19 de abril de 2005

Sem final feliz

ESTE É DEDICADO A UM CARINHA DO CURSINHO.
Semana de mutações ágeis aquela. O sindicato da volúpia resolveu contaminar todo meu cerne. E, desde sempre, minha razão sucumbe à minha própria natureza. Sou um duo na incessante tentativa de não ficar dissonante.
E, fazendo jus ao império da vez (um desejo cujos bastidores desconhecia), criei músculos, transcendi a hesitação e chamei um menino da minha classe para um papo, um beijo ou um contato. Afinal, meu âmago demandava aquela criatura naquele instante. E o rapaz, educado e com um jeito de “década de 30”, o que me agradou demasiadamente, convidou-me para assistir à apresentação da banda dele que se realizaria em um bar alternativo da cidade. Nunca minhas esperanças estiveram tão verdinhas, no ápice a que a Natureza pode chegar.
Já estava às vésperas da materialização de todos os meus sentimentos e uma avidez previsível entrava e saía de cada poro. Na tentativa de um paliativo para o tormento, abro o Tribuna de Minas e vejo a foto do motivo de toda minha perturbação. E, minha pretensão fica imediatamente em ruínas e dá vazão a um emaranhado de sensações que me assaltam. Que me acabam.
Chego a misturar nostalgia com o prazo curto que a Natureza dá à perfeição. O “bonitinho, educado, estilo década de 30” criticou minha indumentária com uma galera da estirpe dele. E riu... riu proporcionalmente às erosões que se fizeram em mim naquele dia. E hoje eu satirizo a tônica dele, que é uma doçura- acessório da vaidade; da tão insípida vaidade humana.

Viva Nelson Rodrigues

Tudo fica ardendo dentro desses nossos incompreensíveis talhes. Quem não é meio delinqüente deixa tudo latente, proliferando e desencadeando câncer... bônus de células. Eu preciso berrar... mas minha acústica é meio insossa. Preciso correr, mas a mata de que gosto me causa pânico. Temo uma onça de natureza obscura. Preciso lhe dizer que ele não é nada pra mim... mas por que fico tentando manter minhas virtudes? Não quero minhas grandes eloqüências em condição de silêncio de hospital; preciso pôr minha voz ao mundo.

15 de abril de 2005

25 horas

Acordar 11 horas da manhã é fadar os sustos nas faces dos normais. Todo o surdo espanto do mundo se concentra no meu fuso-horário diferente. O mundo pára por causa dos anti-convencionais. É como um violino dissonante na imensa orquestra esse meu desrespeito à empáfia das manhãs impregnadas de pendências. Das dez da manhã se espera conclusões e soluções feitas... e desvirgino meu mundo muito mais tarde. Chego simultaneamente a novas safras de novas iguarias da Natureza. Chego junto aos ovos que coincidiram explodir hoje. Chego junto à morte de findáveis criaturas e recentes homens. Chego quando a carga-horária de outros se acaba. Chego realmente abastecida para a fugacidade de um dia em sua íntegra; para a nostalgia e a avidez que estupram toda a lógica do calendário. Não quero transcender horas que nem existem de verdade. Quero contemporizar ao tempo, à leveza de um céu tênue e de uma noite cujo protagonista é um tal de mistério. Mistério que também protagoniza minha linfa, meu espelho, meus tropeços. Mistério que é o mais elevado grau de transcendência a que posso chegar.

12 de abril de 2005

Acessório

Será que esta doçura me pertence e fica grande parte do tempo latente? Porque ela vem com a alma de vez em quando só. Muito de vez em quando mesmo. Como aquele meu cordão em forma de varal que uso raramente. Só em ocasiões que marcam meus futuros que rapidamente caem no pretérito. Meus acessórios, ainda que em inércia, pertencem a esta pessoa. E meus sentimentos: A ira? A nostalgia? A tristeza? A demasiada volúpia? Eles me existem ou, de súbito, surgem assim para assaltar? E a fonte dos céus azuis e negros e rosas e cinzas... é inesgotável? Ou varia de acordo com o temperamento da grande aquarela? E as plantinhas que murcham e ressecam de um dia a outro? Meu Deus, meus deuses... estou indo de submarino em pensamentos que... me existem? Ou são mero acaso?

10 de abril de 2005

Geografia

A Geografia estuda o que já está prontinho... não tem a pretensão de, com a ajuda de um submarino talvez, investigar a aquarela dos bastidores dos céus. Aqui tá clarinho por causa do movimentozinho que a Terra faz e lá, na terra do nunca, tá escurinho. Mas por que o clarinho é dia? Por que é a hora do labor? de as criancinhas irem à escola? Por que a noite é a hora do ilícito? E por que tanta hora? Se, independente da hora, a natureza vai trocando de roupa sem nossa autorização... aos nossos olhos, às vezes, é trágico vê-la tão breve a arrumar-se. Por que, ainda que a Terra gire para justificar as insanidades da natureza, nunca o preto do céu é o mesmo? Ainda que o azul esteja perfeitamente posto no firmamento, ele está desbotado em relação ao azul do meu tempo de criança. E o Sol... por que anda feito um transeunte o tempo todo? E por que a lua, cheinha hoje e esbelta na próxima noite? Geografia, Biologia... enciclopédias são muito exíguas em relação à grandeza e à loucura da Natureza. E eu não tenho vontade de me encher de inteligência enciclopédica. Já tenho anticorpo contra isso.

Extravasar

Tento achar, no meio deste baú cujo cadeado nunca encontro, as doses certas da composição das coisas. Alminhas de crianças com alfabeto incipiente, matéria-prima de cabelos perfeitos e olhos azuis, a pele negra e homogênea. Vasculho tudo que me existe a fim de descascar de vez todo o ininteligível que é tão forte quanto anos em busca de músculos fulgurantes. Onde está toda a aquarela? Há excesso de nuvens brancas no céu, houve superávit de tons pastéis. Tantas rosas rosas e uma grama meio desbotada... talvez o verde esteja em decadência. Quanta viagem. Quanta ignorância... ser humano é ser tão pouco. Acho que este porte é um mísero caminhão... vou aqui e ali, como um pouco, ouço e volto à inércia típica. Mas esse humano é o que aloja minha alminha... e que alminha inquieta esta, que não me dá sossego pleno à noite. Tanto vai e vem no ínterim do dia e, ainda assim, de noite, ela surge atônita capinando meu dia... e enquanto não conclui toda a tarefa, me cutuca feito criancinha ávida em plena madrugada.

9 de abril de 2005

Dia-a-dia

De véspera mergulho a alma em um desejo enorme. Minha alma, às vezes afoga-se em loucuras súbitas. E meu corpo cansa de lutar em nome dessa estranheza toda que é a vida. Portas que cismam em se endurecer, janelas de abertura prática. Vida. Tudo semi-pronto. E tantos sóis, tanto azul, tanta estrela e lua consumindo a nossa indumentária natural... comprometendo a nossa linfa. Quanta erosão... e quanta redundância minha. Que mania eu tenho de ser. Eu deveria me dedicar ao "estar"... mas insisto em ser e isto dá muito trabalho e cansaço.

8 de abril de 2005

Nada está perdido

Estou em uma Era da minha vida em que eu era exageradamente doce. Era mesmo... coisa de cerne, independente de esforços humanos. Doçura era sinônimo de império; do meu império inerente. E o tempo vem,,, céu azul com sol, céu preto com estrelas em exposição para o julgamento dos que ainda têm tempo neste mundo dos "sem hora na agenda". Folhas verdes, flores coloridas, frutas com prazo curto de vida... e, de repente, folhas secas, férias do Sol. E as quatro estações em décadas... minha vida. E a tigela da doçura agora é preenchida por outros transeuntes. A doçura virou um acessório que não mais combina com minhas indumentárias. Raramente saio com aquela alegoria... mas ela está, ainda que à deriva, no fundo do guarda-roupa. De vez em quando a esbanjo a criaturas especiais... mas tudo isso num sigilo digno de carro forte.

5 de abril de 2005

Poesia

Dizem que uma genuína poesia demanda forma, rima, musicalidade, estética exímia. Discordo usando toda minha eloqüência, todos meus músculos humanos e minha eternidade d´alma. Poesia é simplesmente tudo o que me toca. Bach é poeta... a pobreza tatuada diante do céu é poesia, minha sede é poesia, a frustração e o tédio são poesia. Uma vez um amigo me disse que Renato não era poeta; e sim, arquiteto de músicas... e o que são então as boas músicas? Tudo que me toca é poesia. Roupas secando no varal me mostram o tempo reflexivo, se consumindo com uma indiferença a nossa pretensão. O salgado do sal me é poesia... e a inércia de tudo é poesia. A inércia de tudo ganha traquejo com a nossa existência. O verde da árvore é verde porque a gente o reconhece. Ele é simplesmente verde... ele exerce o papel imposto a ele... e ele usa tapões nos olhos. Ele vive simplesmente o que existe nele. E a gente vive também tudo que existe na gente. Mas a gente tem um diferencial... o de poder desbotar as interrogações acerca dessa parafernália enigmática que invade as nossas vistas, os nossos ouvidos... Poesia é tudo que me toca. O piano em movimento me é poesia... a beleza absorta. Os prazeres são o Camões dos corpos.

3 de abril de 2005

Intra

Bem sei que ver as coisas, apalpá-las, cheirá-las, comê-las, ouvi-las culminam pensamentosinhos. Profundérrimos ou miseramente pensamentos na inércia de dicionário. Não importa. A questão é vida e cerne... todo esse humano em harmonia ou dissonância com as revoluções intrínsecas. Se está agudo em mim todo o amor mal resolvido ou a volúpia atiçada pela minha própria fraqueza humana é porque houve um motivo inicial. O porquê é até óbvio. Mas a fonte, o embrião me é obscuro. A interrogação desbota... não há vias para transcendê-la. Sei que isto é em função daquilo... assim como a quantidade de melanina em mim tem a ver com meu vovô que já se transformou em pó. Mas, por quê? Por que a natureza tenta ser redundante?... como ondas que nunca são idênticas, mas tentam vir com o mesmo traçado delineado?

Vidinhas Previsíveis

Quando as trilhas começam a ficar previsíveis, vem a mim uma sensação horrorosa de ojeriza a tudo. São cordinhas em pescoços que nem mereciam realce (haja vista a crueldade vinda da natureza ao talhar certas partes do corpo dos mortais), são perfumes que despertam o paladar, a audição, a visão e culminam, quase sempre, numa decepção tremenda. Propagandas enganosas para nós mesmos. Produção que demanda inércia total, porque qualquer movimento humano é capaz de pôr em ruínas o efeito de um botox. Penteados contidos, controlados pela aspirina inerente da gente. A nossa própria sudorese infringe a pretensão humana dos fios. Os fios, míseros fios, vencem a nossa geografia inteira. E cutucam a nossa alminha. Causam cólera e vontade de fuga.

2 de abril de 2005

Nitidez

Às vezes acho até bom os pensamentos não serem nítidos, serem isentos de um aspecto. Serem; apenas isso. Se pensamentos crescessem fisicamente já nem seríamos visíveis. Estaríamos envolvidos por arbustos humanos... como um câncer não remediado. Que bom que meu ódio não precisa de cômodo para se instalar, que minha alegria não demanda luxos e preços altos. Essas células que se revolucionam em mim deixam frestas
à alma... ao (in)consciente. Minha consciência é um vigia que transcende as horas humanas... tem sempre uma cadeira para sentar-se e controlar todo meu instinto. Tudo sem medidas e tão certo, tão exato. Uma exatidão que infringe toda matemática humana. Que me livrem de um dia dar corpo a tudo que existe em mim. Seria a inauguração da espantosa existência de monstros e sereias...

Poesia

Somos redemoinhos súbitos. Assaltos. Acordo com a elevação acústica dos vizinhos... e meus ouvidos agora são meu império. Maritacas com fuso horário diferente do meu também costumam me despertar. O coração, antes de mim, anuncia algo por que eu não estava esperando. Enfim, acordo de corpo inteiro... e como um início de carga-horária vão se acendendo em mim as mãos, o olfato, a audição, o tato, o paladar, a visão. E cada hora um desses é minha trilha. Se um carro passa com graúdos lá dentro, percebo vidinhas ainda recentes, ou então já impregnadas de erosões das horas. De longe colisões de gente e de coisas... meus ouvidos são mestres, percebem a dissonância do piano na hora de traduzir às teclas todo logaritmo de Bach. Minhas mãos vão antes de mim... sempre! Elas preparam aquele banho... dosam direitinho a minha afinidade com a água e fadam horas de tranqüilidade. Sou partes de mim. Nunca sou na íntegra. Sou redemoinhos que me são. E, de repente, preciso sair... porque meus ouvidos me alertam algo.

1 de abril de 2005

Sempre Devaneios

Em plena segunda-feira o Fado inicia o processo de preparação do âmago. E uma das minhas prediletas do Bach vem lá de longe,incessantemente. Como uma passeata que se aproxima, se aproxima e me seduz a ir vê-la com lentes de aumento. A música delineada outrora agora é a orquestra na beira da minha janela. Chegou o sábado... redundantemente cheio de promessas, fés, politeísmo. Sábado é o "tudo vai dar certo" é a alforria da semana controlada por aspirina, é o total descompromisso. Porque dia-a-dia o corpo ainda vai lá e faz. Faz, faz e nunca acontece, porque não há desejo verdadeiro. Há apenas um respeito às convenções. Embora lá no fuuuuuuuuundo eu seja uma irremediável infratora.

31 de março de 2005

Conotações do Tempo

O acaso acaba por sempre dar a mesma conotação às coisas. Novos namoros, e um vigor em cima da certeza de que tudo ficará muito bem. Novos convívios, cabeças diferentes e uma semana hiper diferente. E semanas e semanas juntos e os diálogos ficam previsíveis, já se conhece a geografia de cada criaturinha que há bem pouco era coisa inédita nas nossas vidas. O inédito já demanda novidades. Estou certa de que agora... e o "agora" varia tanto como a aparência dos campos nos dias em que a estação vira-se do avesso. Meu momento já se foi, porque eu pensei nele e ele agora é arquivo histórico. Nunca senti nada tão efêmero quanto a minha linfa inteira. Meu cerne talvez seja a mais veloz natureza. Porque, enquanto o céu é azul durante grande parte do dia, eu transcendi a segunda, a terça, a quarta, eu enxerguei as primeiras estrelas logo cedo, quando acordei. Tudo parece tão fresco. Mas eu me lembro, ao abrir as fotografias aqui dentro, de já ter sentido essa parafernália obscura nos meus tempos de criancinha. Nos tempos em que a clave de sol saía de mim sem pudor. Nos tempos de sorrisos que ocorriam com uma piscadela de olho simultaneamente. Mal sabia eu que um mundo ainda ia ser apresentado por mim mesma a mim. Um mundo a cujo acesso não me dei muito bem de cara... mas existem pontes a levar-nos a ele.

30 de março de 2005

Choro

Minha vontade era de chorar
Mas meu humano quer a empáfia
dos que ganham sempre
É arriscar a sorte
Eu ficar entregue a frações de mar.

Chorar...
Isso também não tem o dom do acaso
De erradicar.

Chorar é breve demais
E esse martírio já é grande parte
Do meu convívio diário
De um trabalho forçado.

Chorar é a estréia do concerto
Do humano com os deuses.

E os deuses são dissonantes sempre.

Da Natureza

Há um equívoco enorme no clichê "Todos somos iguais". Sou igual a você que é igual a ele. Mas há os singulares. Há quem seja uma vaidade da natureza; tanta beleza existe na mesma quantidade de matéria-prima que vive em mim; só pode ser um capricho dos deuses. A capacidade de dar nome ao "inominável" que habita o cerne das criaturas é bênção de poucos, raros, contáveis criaturas. Bach o sabe. Tristemente sento-me nesta cadeira a buscar recheio pra esse tempo oco. E tristemente esse respeito a claves de sol e fá veste minha tristeza. Agora ela é reconhecível. Ela existe neste instante com platéia, conspiração a seu favor.

29 de março de 2005

Grupo heterogêneo

Que estranho este pensamento que me veio intempestivamente. Meus caprichos em enfeitar meu mural, meus dedinhos ávidos para trocar o som e meus ouvidos ansiosos para o repertório esperado. O banho para daqui a pouco, uma roupa que condiga com esse tempo demasiadamente insano. À espera da mamãe chegar para levar-me à aula. O horário rígido do ônibus na saída da escola. Corre-corre que se finda num pacato fim de noite. Colas, lápis, adesivos bonitos, dinheiro brotando em bolsos e em cantos da casa. Todo esse repertório eclético de sentimentos que entram sem formalidades em mim se tornará um único sentimento em quem restar quando eu me for. Quando eu tiver lutado contra tudo a fim de chegar a um sossego cobiçado desde sempre, talvez não haja mais pretensões e cadeiras confortáveis à minha espera. Minha alminha tênue estará em patamares que descartam a imitação da Natureza.

28 de março de 2005

Pernoite

Não pude decidir. Estava entregue a pensamentos gigantes, destes que consideram o humano irrelevante. Ser humano é ser clichê. Raros são os geniais em aparência; em atitude. Agora, ser espectador do humano, da vastidão que habita esses nossos limites, investigar a nossa acústica, o nosso talhe, os súbitos que vêm de longe mas que estão em nós mesmos. Isso sim! Isso sim é fascinante, é incessante fertilizante para nossa hospedagem nessa Terra de tantas variedades. De tantas predileções. Sinto-me (por que a ênclise? Talvez um certo "status" cai bem)a semente da maçã ou de outra fruta que tenha o mesmo tipo de visual. Porque ainda falta um pouco para eu vir a ser uma fruta, escolhida a dedo. Fico apenas observando a ambiência, talvez eu me dê bem na próxima safra. Desta vez fico com minha lupa a ver, perscrutar e imaginar. Ah! como gosto de imaginar até ser lembrada da existência através de um telefone, de um latido de cão nômade. E quando caio em Terra, assim, intempestivamente, improviso minhas pontes para me levar aos lugares aonde me chamam. E pontes improvisadas apresentam sempre riscos. E então tropeço na escada,,, xingo o mais inocente de todos. Depois tudo se resolve. E volta a igualdade, a democracia dos dias. Que cansa. Cansa muito. Talvez dias de ditadura ou anarquia seriam mais valiosos.

25 de março de 2005

Convívios

Me reconheço em clãs esquecidos
Saio de rodas ensaiadas
Me vejo no que excede convenções
Me sinto sem papel confirmado.

Detesto usar a ênclise
Fica tudo tão impessoal
E de impessoal já chega o mundo.

Já chega de segundos sempre iguais
De sorrisos com propósitos informais
Chega de quem anda falando
como manda o figurino
Dizendo que tudo é lindo.

Estou aquém dessa perfeição
Cobiçada
Religião, amigos, dez mandamentos decorados.

Se esse for o padrão do lícito
Viva a clandestinidade.

Esparramar

Saí. E toda vez que saio me esparramo em esquinas sádicas. Em belezas e vaidades expostas. Em vidas em andamento. Minhas lentes transcendem janelas entreabertas. Um futuro próximo e um passado demasiadamente remoto se alteram na minha vida mais intrínseca. Sou "flashback" e uma incessante cigana. Uma cigana falível, claro. Não sei se minha tristezasinha nata é traduzida nos martírios dos desconhecidos ou se minha maior volúpia em relação à vida é que se pune ao ver guerrinhas a um palmo de lonjura. Sair é fadar uma volta impregnada de boas e novas.

Tapete Vermelho

Quando evoluo enfim, chego a lugares por indicações. Minha referência é sempre alguém que, em se tratando de hierarquia, me ultrapassa. Detentores de inúmeros que têm limites. Porque tudo que existe nitidamente é contável. Ok. E eu vou sendo de acordo com o que foram antes de mim. Sou o que faz jus a meus documentos que ficarão à mercê quando eu me for daqui. Sempre achei que documento acaba sendo um eco de um dia ter vivido. E meu pensamento pode atiçar diferentes pensamentos, novas idéias, novos pontos fracos. Pensamento vive e faz viver, alastra uma epidemia de berros, orgasmos, sorrisos amarelos, risos de criança. Documentos ocupam pequenas áreas em cômodos esquecidos que, de improviso, servem para súbitas visitas. Pensamentos dão alma a rochas entregues, inertes. Detesto ser recebida com aplausos em dia-a-dia básico. Festas se dão muito bem com a minha solidão. Porque é sozinha que dou vazão à minha índia contemporânea, a toda a nudez trivial para se viver.

20 de março de 2005

Espelhos

Decido intempestivamente sair de carro com Mariana para desvirginar a clausura. E, à medida que o carro, comandado por uma mão versátil, infringe o ar, encontro espelhos por todo lado. Vejo flores púberes, senhoras árvores, vidas que já perderam grandes partes e agora sintetizam novas safras de vidas. E olho para o céu que é apenas a vitrine de uma prévia montagem ininteligível a nós humanos. E então pego meu baldinho, fico na beiradinha das minhas idas, depois um naviozinho se faz necessário e vou, como uma transeunte de mim mesma, pela minha linfa e, finalmente, encaro um submarino. Vou até minhas entranhas já empoeiradas. Pouco lembradas. E fico imaginando toda a ação do tempo. Não há descanso. De domingo a domingo, de hora em hora e do tempo que extravasa os limites inventados pelo homem, o tempo incessantemente muda, faz nascer, tira. São menarcas, menopausas, gravidez, descobertas, cabelos brancos, primeiro passo, primeiro beijo. Folhas secas, sóis, estrelas chegando sem pedir licença, montanhas aproveitando a fresta que a noite lhes deixa para aproveitar no sigilo tudo a que têm direito. Letras depois de letras, escalas diferentes no piano, pano da mesa caindo, telefone chamando e o tempo vai correndo sempre na frente, como se uma criança nos desobedecesse na calçada perigosa.

19 de março de 2005

Meu quarto de fundos

Reis ficam sempre na comissão de frente. Como se isso fosse um privilégio enorme. Não é. Não é mesmo. Meu quarto fica nos fundos. E antes de contracenar com os outros fantoches da vida, confirmo outras existências, outros danos oriundos dos bastidores da vida nas flores, nas folhas e em mim. Porque acordo com a companhia dos meus suseranos. E as folhas, à medida que o tempo se consome, ficam à mercê. Como eu fico à mercê de um dia que ainda vai se fazer. O dia é virão; se vira sozinho. E aí então o destino ou o acaso me incumbem de ver, sentir, discordar(humanamente falando). Vou indo no itinerário cíclico para os que estão como espectadores de minha vida. Mudam-se os compromissos, os fantoches trocam suas roupas, me faço diante da escuridão, mas a vida é redundante. Ainda que súbitos martírios ou súbitas libidos me escolham, no fim, caio em seqüência de dias se traçando. Dias se inclinando para a alegria de estar aqui, mesmo sendo órfã. Dias com tendências doloridas. A vida é uma aquarela com bônus de cores pretas.

18 de março de 2005

Bastidores - II

Vou como um transeunte sem destino.Chego à cortina preta que lacra os bastidores da existência.Transcendê-la me é impossível e então , pairo nesta imaginação filha da puta.Que me assola.Que impede meu humano de fluir.Vão existindo sensações em mim , vão existindo novas partes físicas , novos fiapos de cabelo , novos pensamentos e diálogos e palestras para mim mesma.Transporto este corpo de um lado a outro , essa prévia existência é o enigma que atiça minha curiosidade nas manhãs.E esse emaranhado de coisa que me vem , sem pedir licença , deixa meu dia inconsistente , quase em ruínas. Calendários já amarelados ficam em "néon" , futuros previsíveis existem como o desejo presente de ir ali para olhar pés se apoiando em degraus.Essa minha sensibilidade inerente fada diariamente desespero,gozo,martírio e , ao fim do dia, um sossego outorgado.

16 de março de 2005

Bastidores

Acordei bem cedo por causa de uma infração à lei do silêncio que , aqui em casa é , viremexe , desrespeitada . Devia haver fiscalização para isso . O país iria arrecadar mais grana para investir em demandas públicas . Tudo bem , não tenho vocação para Gandhi . O fato é que acordei num sobressalto insuportável ...uma hora sucumbo e sofro um ataque qualquer . Mas nem era disso que iria falar ... aproveitei a madrugada (acordei 7 da madrugada) para perscrutar o ápice aonde chego: Os bastidores da existência de tudo .Sou a suma das pretensão do invisível , sobrancelhas , nariz , pele demasiadamente branca existem em mim . Assim como , segundo Pessoa , a flor não é rosa , mas o rosa é que se faz presente nela . Mais uma conclusão : O mundo é mesmo vassalo do que fica por trás das cortinas .

15 de março de 2005

Fantoche

E , à espera do ônibus, me esparramo um pouco em cada transeunte . E vejo a beleza que não é escolha , que é uma concessão desse mistério enjaulado que é o ápice aonde chego. Esse enigma é a minha clausura , é a minha tônica , é a minha avidez sempre . E vejo anomalias:Fruto de um desleixo qualquer dos bastidores dessa vida órfã. Pensamentos me vêm amiúde com a velocidade que transcende minha capacidade de "matematicar". E vejo , sei que vejo , mas desconheço a matéria-prima da visão e sinto e pensam por mim , já nem equivalho a Carolina . Este cara que se sentou ao meu lado tem segundas intenções ... é o que me vem e eu não queria pensar isso , mas a razão é tão exígua , é uma sombrinha em meio a uma tempestade revoltada . E as árvores do outro lado do ponto de ônibus são vassalos do marrom e de uns verdes que se diferem só para os espectadores . Elas não têm vida própria . Elas ficam incessantemente à mercê . Como eu . Como meus olhos , minha libido , meus pensamentos que são milhões de vezes mais cintilantes do que meus pés no chão e essa parafernália nítida a olhos humanos.

14 de março de 2005

À mercê

Fiquemos à mercê dos nossos exércitos internos como as margaridas se entregam sem precauções às decisões do tempo . Talvez o acaso nos dê alegrias para hoje , talvez para amanhã não se tenha tanto com o que vibrar . Aproveitemos a generosidade do espelho logo cedo , sem segundas intenções . Deixemos o sopro do incontrolável fluir sem contaminações do humano , que nem as árvores que cobrem as montanhas que , neste momento , transam com a claridade do céu . Por que se inclinar para a transcendência do mistério ... quem chega ao mistério se enjaula e a estrada que se segue é inacessível . O patamar a que se pode chegar é esse enigma . E o enigma é a tônica da vida ... (in)felizmente o ceticismo é a tônica . Quero acreditar em certezas , mas sempre , sempre mesmo desboto as interrogações .Não consigo sair da clausura . Vim para cá como poderia ter ido a um casebre na Rocinha ou estava fadado a cair nessa habitação . Gozemos do espetáculo sem pensar nos bastidores .

Beleza

Tantas rosas quase obscenas de tão belas , mulheres deslumbrantes que têm o mesmo efeito de um decote ousado , homens que até inibem nossos olhos órgãos .É bom os olhar com o cerne , disfarçadamente . A gente dá todo o mérito às árvores verdinhas , aos rostos bem talhados , mas , na verdade , o valor cabe a essa natureza obscura , desconhecida . As cores são inerentes a elas , a perfeição não é voluntária ... há o inexplicável e o não sabido nos bastidores .

13 de março de 2005

Ponte

Fico entre a ponte do destino e do acaso . Parece , em certas estações , que sou fantoche de algum livro que contenha meu início , meu ínterim e meus derradeiros instantes na Terra . Eu poderia estar em um casebre sem a solidão que geralmente me assola nos domingos . Ou não ! Era mesmo para eu nascer aqui e ser vizinho da mulher de cabelos rebeldes e adrenalina sempre cem por cento . Eu poderia ter os dedos menos compridos e ser uma negra bem estilosa . Poderia já nascer com a certeza da minha hesitante inteligência . Por que eu não pertenço à safra da geração de 1930 ? Destino? Acaso? Acho que o Fado não é inerente a cada pessoa ... talvez as estrelas mais fulgurantes tenham sido fadadas a sobressair , mas os transeuntes da vida dividam a existência e os acontecimentos com os súbitos meramente . Quanto baralho congelado , tenho essa péssima mania de vasculhar meus baús ... nunca concluo nada ; há sempre uma pendência para um futuro imprevisível.

Interrogação

Subitamente , num domingo típico , num "domingo-clichê" vem uma guerrinha maldita habitar meu território . Sentir-se ameaçado por uma incerteza é tão catastrófico . Ao fim disso tudo , o que poderia ter sido já está em ruínas . E , portanto , não há mais tempo de ser . É isso mesmo o que vivo ,,, não há como extravasar a placa da interrogação. Fico inclinada a meus acontecimentos , já caíram em pretérito e , ainda assim , me vem essa vida cuja origem desconheço . Também desconheço a aquarela do céu , das árvores , das ararinhas . E desconheço quem fornece a matéria-prima das bocas , da gosma dos olhos , da interseção entre a lágrima e o mar . O talhe das bananeiras é tão diferente do que se exibe nas árvores do fundo da minha casa . E eu sou tão diferente da velha criatura que já está impregnada de erosões do tempo . Saímos da mesma ampulheta , feito aquela areiazinha que vai descendo , descendo . Tudo que existe , intempestivamente , vem em minha direção ...e fica uma porção de coisa pendente , um monte de burocracia a se resolver simultaneamente .

12 de março de 2005

Nome

Tantos nomes iguais e que se dissolvem com diferença em cada criatura . É engraçado como o nome impõe uma certa distância . Quem eu já conheço , eu tenho intimidade para entrar pela sala e ir à varanda e tal . Quem eu desconheço me causa uma inércia total ...me imagino parada , sem jeito , no meio da sala de estar . Se não houvesse nomes , a gente teria um sentimento a mais ao cruzar com um sem nome pela rua . Seria uma libido ? Uma compaixão? Um tédio? Não sei . Só sei que nome é a cor da grade , é o talhe do terno .

Ao tempo

Prefiro transbordar ao tempo . Abrir-se às pessoas é já ter uma constatação prévia ...caras de compaixão , dicas que são inéditas feito o céu azul numa manhã de verão , é péssimo ter ouvintes ao redor , mudos , surdos , cegos , convencionais . O tempo , pelo menos , me trará a cura ... ainda que a matéria-prima esteja em falta e que eu adquira marcas de expressão no ínterim da espera . O tempo atenua meu mal ...só o tempo .Ficam erosões , ficam relevos frescos . Mas novos tempos sempre são novas propostas , uma maquiagem íntima .

10 de março de 2005

Nome e Sobrenome

Logo cedo , antes mesmo de eu estar acordada (em se tratando de alma) , já há um estoque de gente a cumprimentar . Julianas , Marianas , Danis (sufixos meio atípicos , por isso a omissão) , Carolinas ... e o pensamento é um só . O pensamento transcende toda a parafernália que vem simultaneamente à existência :documentos , registros , carimbos ... quem fica isento disso vive na candestinidade . E às vezes é regozijante sentir-se clandestino , infrator . Como em um amor proibido . Eu falo com eufemismos para não danificar minha reputação , eu emudeço e não deixo minhas máscaras revelarem o que se passa pelo âmago ...seria um desrespito às leis vigentes . Queria ser um indivíduo apenas . Isento de nomes . Feito ruas que não foram inauguradas . Se minha eloqüência fica meio insossa , de repente , descubro o mundo batendo a minha porta . Contra mim . O mundo só se move para ir de encontro ou então para exercer a compaixão diante da tragédia alheia .

9 de março de 2005

Total

Cobrirei com veludo este texto. Seria ilícito delinear a mera verdade .

Inicio. A razão tentando ser a arquibancada , a torcida , toda a animação compactada . E a sensatez engatinha e este "néon" interno sempre sobressai , não tem jeito . Eu versus meu mundo . Este , sempre discreto , sem empáfia , sem semblante , isento de vacina , de moléstia . Ainda assim , manda e desmanda ;faz e acontece ; aparece .E meu mundo vive em dissonância ...Carol vai e o seu mundo quer ficar mais um pouquinho .Estranho é a rede do pescador ... vai e volta cheia , vai novamente ...a natureza sofre com as perdas , mas é masoquista , porque tem sempre mercadorias disponíveis . Fada o próprio martírio. Sucumbo aos tempos a preencher . Vou-me . Deixando meu Éden para trás . Mas volto . Volto para fazer jus a um dos propósitos da vida .

8 de março de 2005

Bem-vindo

Prazo de pilhas vencido. Início de calvície.Árvores perdendo as suas flores . E continuo com a vida redundante ... o prazer de acordar ao meio-dia já me é clichê. Hoje é dia de vencer meu lado misantropo . Hoje o convívio me obriga a ir a seu encontro. Estou sem exército para me defender e prefiro não me arriscar sozinha. É dia de ver como anda o humano , como mexem os fantoches . Começar o que já terminei é um BIS imposto , é o de uma banda de que não gosto muito. Mas tá OK. Porque depois pego um ônibus e dou vazão à minha revolução ...depois saio desse ideal que é máxima de todos que têm a pretensão de ser o máximo. Vejo o pobre com seu império todo ali , naqueles dentes , naquele olhar , nos centavos extras para o pastel . E vejo transeuntes , cães à deriva e vejo pés e vaidades guiando pessoas e fragilidades e volúpia ... uma volúpia digna de um sigilo total .

7 de março de 2005

Amor

Existem setimentos sobre os quais a razão faz muito efeito .Como um sopro naquelas flores que me parecem algodão . Insegurança , hesitação , ansiedade ... uma pitada de sensatez os erradica . Uma chave que cai ao chão é recuperável e , no entanto , o poema mais belo que me foi entregue voa ...perde-se e , talvez , não preencha o cerne de quem o acha . O trator para transcender todos os seus muros eu já tenho , a penca de chaves está em minhas mãos , mas não quero entrar porque gosto do requinte da recepção .

6 de março de 2005

Indumentária

Tanto pano para o inverno . Sedas para o verão que assola . Isso acaba sendo pretexto para exibir-se . E tantos lenços sobre o linguajar . Mostrar-se verdadeiramente seria um crime . Por que não falar "caralho" ? Escolhe-se sempre uma máscara muito mais potente do que um verbete censurado . "Vestir" parece ser a tônica das pessoas . Que mania a gente tem de vestir tudo . Computador novo é sempre bem cuidado com aquelas capas horríveis ; médico recente sai às ruas de branquinho sempre ; novo rico põe capa preta no passado ... ... Quero conseguir ser índio no ínterim da minha vida . Sair com meus sorrisos homeopáticos , chorar com minhas lágrimas heperbólicas . Quero as roupas para fazer jus a minhas vaidades simplesmente . Não para castrar estas , mas para alimentá-las ...sem medo ... sem invenção de pretextos e justificativas .

3 de março de 2005

deus

O que é deus? Para mim equivale ao já desbotado clichê sem resposta "Por que o céu é azul?" . É muito cômodo adorar alguém que está muito longe , que não bate sua campainha nos dias de seu sossego . É tão fácil amar um loiro lindo dos olhos azuis . Mas é tão difícil aceitar uma filha meio devassa . Amar algo remoto é não se comprometer . É ter a consciência mergulhada em tranqüilidade .Censurar o mundo é lícito e danificar um passarinho azul acarreta punição. Deus pra mim é estar sempre cultivando a natureza íntima , é não deixar que as próprias tempestades erradiquem suas rosas , deus é descartar todo o verniz em prol da felicidade , deus é ter todo o próprio oceano impregnado de altruísmo . Talvez se esse deus amado por todos estivesse em nossa ambiência , ele seria um maltrapilho discriminado . Porque filantropo raramente tem credibilidade .

2 de março de 2005

Devaneios

No banho pensei no ano de 2757 . Nem pós de minha hospedagem restarão aqui . Tantas Carolinas espalhadas , com repertórios diferentes , lutas e vadiagens . Identidades inválidas , documentos à mercê de pragas e epidemias e meus versos não terão sentido algum a futuras gerações talvez. Meus caprichos , minha avidez , minha tranqüilidade serão pretérito , serão um verbo que não mais faz , nem mais acontece . E fico assim , espectadora da vida , das gentes , das árvores que são os muros desse Vale , dos passarinhos que mexem suas cabecinhas sem rumo . Fico pensando nas maçãs que surgem e amanhã nova safra já existe para substituí-las . Como a vida . Como a menina linda que hoje não passa de uma transeunte qualquer . Meu banho foi tão rápido , tão efêmero quanto o incêndio vindo do atrito das folhas e que a própria natureza apagou com a chuva .

25 de fevereiro de 2005

Simultâneo

Um amor que compense as erosões oriundas do tempo , que erradique relevos de pequenos martírios espalhados . Um amor que vire epidemia . Como letras sobre letras , sem espaços , ilegíveis , como uma música em uníssono , como todas as indumentárias juntas , em uma necessidade humana de usar e abusar. É assim o amor de que o humano precisa : O verniz condizendo exatamente com o âmago. O "bonito" acarreta a "bondade" , a "riqueza" desencadeia o "princípio básico". E o amor é neve que não sucumbe ao sol , é saber lidar com a novidade sem manuais , é ser índio em selva de estetas , é escancarar olheiras , acordar ao meio dia e dar "bom dia" à empregada revoltada , é não se programar para a programação do dia .

24 de fevereiro de 2005

R.G.

Talvez fosse uma boa proposta para protagonizar novas ficções este meu ininteligível cerne .Até então a minha tônica era a sombra de palavras apagadas das outras pessoas. O que eu jurava me levar a , me trazia redundantemente a este íntimo , feito gangorra que dança , dança , dança e depois iclina-se a uma área pequena . Meu Deus ... todos são confeccionados com dedicação e eu sou este desleixo da natureza . Um ser que é fantoche dessa linfa que vive em mutação , incessantemente dissonante . Nas lidas humanas sempre aquém dos assuntos , diante de risos ensaiados , um silêncio vindo de todo sentido do Chaplin . Ainda não achei a identidade para essa minha certeza consistente .

23 de fevereiro de 2005

Começo

Iniciar é sempre tão difícil ; tentar encontrar o embrião dessa força que me assola demanda coragem , resistência , estudo , trabalho árduo . E , para finalizar , o embrião encontra-se à deriva na linfa . Um banquete a minha disposição ... e eu prefiro a garantia de um pão de forma seco . O amor vem como a cidade de que todos falam mas não está no mapa , vem como a nossa não timidez diante de circunstâncias constrangedoras , vem ... sem que a gente saiba por quê .Que clichê bíblico!E o silêncio é a maior prova da minha evolução ... não preciso que precisem de mim , não preciso de objeções nítidas , tenho apenas a convicção de que sinto , de que meu cerne oscila , oscila e , aparentemente , estou conivente com as aberrações que invadem meus ouvidos , meus olhos .

22 de fevereiro de 2005

Natureza

Ela repara como a natureza dá um prazo curto à beleza . As rosas subitamente ficam lindas . E , amanhã , a beleza já parece meio opaca. A natureza que faz cintilar é a natureza que resseca . É estranho acordar pronta , sem necessidade de andaimes e amanhã ser vassalo de olheiras carentes de um disfarce .

21 de fevereiro de 2005

Paradoxo

Vivo em total dissonância . Quase sempre que me chamam vem um susto súbito para me avisar que fui chamada . Carolina . Este nome não me parece estranho ; parece tão bonito , nítido a todos , indubitável . E portanto , não condiz comigo . Às vezes tenho cara daqueles nomes que cada um escreve de um jeito . É isso mesmo ? Como é que é ? Desboto de tanto falar : -Ah! é assim mesmo . Sempre uma nova safra de dúvidas para um clichê como resposta. Mas sou Carolina . E é só isso ; simples como ter a certeza de que não há certeza para a própria natureza , não há gabarito sobre o porquê de a maçã ser vermelha e bem talhada . Somos rasos como a compreensão do som de Carolina .

20 de fevereiro de 2005

Rápido

Não sei se sou o mês de setembro ou se sou essa avidez que me vem esperando que fique certo este futurozinho . Não sei ; sinto . Sinto e encontro identidade para as minhas revoluções . Sei que tenho , mas não sei por que tenho . Também enxergo as árvores , vejo esse céu que quase me obriga a vê-lo e não sei o porquê do céu . Por que estou aqui ? Por quê? Por que agora eu estou pensando no que já virou registro em minha vida ? Por que de tardezinha as árvores sucumbem ao vento? Às vezes meu traquejo parece meu império , mas de noite , quando a demanda humana torna-se exígua , vejo que sou dependente desses meus deuses . E como sou .

19 de fevereiro de 2005

Condizer

Meu verniz jamais irá condizer com meu cerne . O cerne é sempre esse monstro enorme . Qualquer trator humano é tênue em relação à força dessa alma ... dessa insistência .Por mais que eu coloque parafernálias na minha carcaça , por mais que eu tente transparecer minha natureza , ela sempre escorrega e foge ; foge como se tivesse uma grande culpa de algo ininteligível .

18 de fevereiro de 2005

Transcender

Abandonar a velha carcaça do cerne não é nada fácil . Muito labor se faz necessário . Talvez todo o alvo da censura de Tempos Modernos exprima a demanda . Tudo bem , muito difícil , mas não utopia . Percebi que o mundo , com sua quantidade , com suas diferenças , alturas e nanismos , beleza e desgraça é exíguo para extirpar o mundo inédito que me habita . Porque a beleza , os excessos , os números que vivem; tudo isso é controlável , visível , alcançável . E este cerne inquieto não silencia com aspirina , com minha razão ... eu só vejo , sinto o aroma e manipulo a rosa . Não a entendo . Não consigo perscrutar a perfeição que ela tem . E é assim com o âmago . É assim ... é assim com a leitura que não se restringe ao abecedário , que demanda , simultaneamente a razão e o (in)consciente ; é assim com as partituras que não se bastam com dó , ré , mi , fá , sol , lá , si . Elas exigem uma coesão inexplicável ...uma razão vassalo dos rios internos . Tudo razão seria privar-se do que acha melhor , ser mono , sempre .E é tão mais interessante ser duo. Tocar todas as notas , formar um monossom , ler todas as letras ao mesmo tempo , concluir rápido , solitariamente . Minha natureza agora tem duas árvores .

17 de fevereiro de 2005

Enfim sou

Até então não tinha liberdade para ser ... havia , involuntariamente , um lipídio que me fazia impermeável ao mundo ;ao meu mundo. Um lipídio gigante , que surtia efeitos colaterais diariamente . Algo diagnosticável , inteligível e que mexia com profundezas fortes , invencíveis . Ousado . Muito ousado ele , porque impedia as minhas fortes pretensões , inibia a força da minha libido , atacava a grande tristeza que de vez em quando impera . Mas ele enfraqueceu ... ir de encontro a todas aquelas forças o desgastou muito . E ele sucumbiu , morreu . E hoje eu vivo , ufa! , hoje eu vivo . Graças .

16 de fevereiro de 2005

Acabei o livro

Finais geralmente sugerem sessão encerrada , porta fechada , cláusulas diárias já cumpridas , hora de descanso . Tão estranho , mas esse final me abriu portas , atiçou meu desejo de iniciar , deu vazão a tanta coisa . Tudo que já estava em andamento permanece em andamento ; não concluí nada . Estava viciada em querer soluções rasas , objetivas para o enigma mais ininteligível da vida : A vida . Tenho acesso ao código dos trovões , do gás hélio , dos números atômicos mas , em se tratando de vida , nada de praticidade . Não há o que entender . Viver ultrapassa a função integral de entender . Há como mergulhar na vida , tomar sol , se refrescar ... mas concentrar-se nela e ir fundo buscando razões é fadar um insucesso. Acabar ,às vezes é tão ruim . Ter vida diante dos fins deveria ser descartado . Acabaríamos e restaria o insípido ...não sofreríamos . Restaria este humano que , de humano , nada tem . Restaria nosso ir e vir apenas . Que todo nosso âmago saísse de férias , ganhasse a alforria quando houvesse fins . Seria tão bom ... nos livraríamos das mais agudas dores e , simplesmente , cumpriríamos os dias previsíveis e sem risco .

15 de fevereiro de 2005

Por quê?

E fico desbotando minhas dúvidas : Mas por quê?? Por quê? A verdade é que não há um porquê. Não há uma razão objetiva , visível , que encaixe exatamente nos meus achismos e que vire , portanto , uma certeza. Fico ensaiando delicadezas e na hora do ato,sai tudo errado . É que o silêncio sozinho é tênue e o momento em que o processo humano se faz, torna qualquer sensação distorcida .Por isso tanto suporte , tanta máscara ... ser nu é repelir as pessoas .

14 de fevereiro de 2005

Muito

Ter um mundo a tomar conta exige um trabalho árduo . Tantos acertos , tantas objeções , tanta cláusula a cumprir , tantos e tantos . Escolher a melhor máscara para começar o dia não é simples. Não é simples como o que já está carimbado em nós , devido a tanto uso e desuso , uso e desuso . Começado o dia , pelo menos um exército já foi vencido . E agora restam as outras fatias , algumas doces , excelentes , outras pesadas , indigestas pra caramba . E assim a gente se alonga , se exercita , cansa e fica forte . É muito pra mim assimilar cada dia . Prefiro ficar longe do entendimento objetivo das coisas . Viva o existencialismo.

12 de fevereiro de 2005

Corpo e Alma

A empáfia dos estetas serve de canal para pensarmos que eles têm a alma em harmonia total com o verniz . Na verdade , eles sabem que tudo isso é um andaime em que eles se apóiam para sentir-se mais consistentes . Eu também preciso de suportes ... detesto sair sem meus rebuscamentos . Quando o faço , preciso convencer o mundo de que não fui eu que estive ali . Faço apelos silenciosos : "Não me vejam , não me percebam".A gente tem uma necessidade embrionária de se mascarar ... às vezes se assumir é comprometer-se .Já tive necessidade de botar minha alma a baixos preços ; quis abraçar o mundo com estes braços tênues . Fracassei , claro! Hoje minha alma é cara , bem cara e não aceita pagamentos a infindáveis prestações .

11 de fevereiro de 2005

Consumismo

Não há sobras de mim para existir nesse momento. Fui totalmente consumida . O que prevalece andando , indo e vindo é a espécie que insiste em ficar viva . É a espécie que é a mesma , porém se difere nos carecas , nas estetas , nos maltrapilhos e nos novos ricos . A gente não se parece , por causa da demanda de cada um : Há quem se baste para ir às ruas , há os que precisam de salões e grandes vaidades , há quem escolha a melhor máscara e vai . E hoje , talvez meu império seja suficiente pra me mover .

10 de fevereiro de 2005

Exército

E subitamente me veio essa vontade de amar . Mas logo surgem as objeções . Como a chuva que despenca sem molhar , porque todos já estão precavidos .Sou uma escala minúscula da natureza . Uso das aspirinas que esse ser é capaz de fazer ,para me conter .Não quero sucumbir . Me envolver é fadar martírios , atiçar esperanças . E é péssimo se apoiar em esperanças , é péssimo . Viver de esperança é tentar mascarar utopias . Que os deuses me livrem disso. Quero ser rasa , é tão mais simples ... Não quero corpo e alma dissonantes .

9 de fevereiro de 2005

Incerteza

O que pode se esperar do "depois de" ? Um acordar renovado? Nem sei , mas eu tinha que saber ... Afinal , a vida anda tão certa . Vou ao destista esperando uma certeza : trocar as pecinhas do aparelho . Vou à escola esperando pela tempestade de cultura do professor . Vou ao cinema pra ter a certeza de que a vida é mesmo redundante . Vou ao banheiro para jogar fora essa sensação insuportável . Vou ao banheiro pra não virar um bicho , extirpar odores que prometem aparecer se eu não lutar contra ... vou ....para . Parece que o "ir" demanda um fim . Então , quem vai , vai sempre em busca de um retorno. Eu queria ir , ir até cansar e dormir . Dormir sem a ditadura de ter que acordar cedo no outro dia . Queria dormir como fruto de idas e idas .