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28 de janeiro de 2010

por carolina fellet

Meninas sem grandes dotes.
De repente, passam num concurso público e começam a ganhar R$15 mil por mês. Daí, domesticam as mandíbulas conforme palavras pouco usadas: vislumbrar, psique, mazela. Também pintam o cabelo de loiro, porque o tom sugere riqueza.
por carolina fellet

Cuidar dos dentes
Hospedar-se na casa de amigos
Viajar no carnaval
Queimar um incenso
Para a Vida passar por mim de soslaio.
por carolina fellet

Sábado. Posso me dar ao luxo de fazer pé e mão. Não tenho obrigações. O céu está lindo. Meu quarto tem móveis e espaço irretocáveis. Mas o que estou fazendo aqui mesmo? Existe em mim, desde nascença, uma ausência.

Texto adolescente

por carolina fellet

Não me importo com os enxeridos.
Meus cômodos estão sempre abertos,
Para o Sol entrar.

Se aqueles me levarem algo,
Sequer darei falta.
Estarei entregue à força metafísica.

O que está pousado aqui,
Sob as determinações da gravidade,
Não mais me interessará.

Puxadinho emocional

por carolina fellet

Por mais que se vejam casamentos fracassados por aí, a juventude insiste em se casar. Depois de dois ou três meses do matrimônio, separam-se e afogam-se na tal da ressaca moral. Verdadeiro puxadinho emocional. Porque, quando se é jovem, não se tem muita estrutura para lidar com enlaces e consecutivos desenlaces

27 de janeiro de 2010

por carolina fellet

Felicidade
É provar o coquetel
Que habita nossa natureza
Mais íntima.

E depois da ressaca,
Eleger o melhor sabor
Para bebericar
Como beija-flor.

13 de janeiro de 2010

por carolina fellet

Ouvi dizer que a gata pode ter filhotes de vários gatos numa mesma ninhada. Ainda bem que com as mulheres isso não acontece. Senão, seria um tal de nascer um loiro, um japonês e um mameluco num único parto.

12 de janeiro de 2010

por carolina fellet

A gente tem mania de batizar nossos defeitos com nomes que não condizem com eles: azedume vira timidez; prepotência vira autoconfiança. É como chamar um Moacyr de Leo.

Cansaço generalizado

por carolina fellet

Por mais que varie a maquiagem, me cansei da minha própria cara.
Cheguei a me achar uma pessoa maravilhosa,
Mas me cansei das minhas próprias reações.

Queria um DNA alheio incorporado ao meu.
Timbre da Ivete aliado ao sossego do Nelson Motta.
Ou o borogodó da Alcione associado à beleza da Fernanda Abreu.

Até eu sentir uma saudade de mim.
E voltar às obrigações do meu Destino.
por carolina fellet

Fidelidade é opção.
Porque os sentidos,
Por mais que amem alguém,
Estão a todo tempo
Processando informação:
rapaz bonito, cheiro de dama-da-noite
acidente de carro.
por carolina fellet

Vivo me alimentando
E sobrevivendo
Do fóssil de tudo que já foi inventado.

Quero entrar em fase de experimentação.
Testar cheiros na visão,
Paladar no tato.
E andar na contramão dos fatos.

9 de janeiro de 2010

por carolina fellet

Não tenho filhos, não os desejo e nunca os desejei. Porém, de vez em quando, gosto de estar com filhos pequenos dos outros.
Enquanto espontaneidade, entrega despretensiosa e obstinação com aquilo de que se gosta são raridade entre adultos, na realidade da criança, isso é praxe. E, de repente, resgatar dentro de nós, adultos, esses ímpetos nos traz bem-estar.
Mayara, minha afilhada de quatro anos, consegue gastar bom tempo com uma massa de modelar que lhe satisfaz algumas ficções. Sente-se inteira com as modelagens. E é com ela que eu me renovo. Porque, à medida que os sentidos vão ficando entrosados com os objetos de sua cobiça, ainda que permaneçam afiados, perdem um pouco da vontade de sentir.
Com os sentidos adultos, quase sempre nos tornamos mortos-vivos que vivem pela mera condenação de estar vivo.
por carolina fellet

Casais dividem suas misérias.
Problemas de família, de DNA, da própria vida.

Estocam em suas casas
Temperamentos, conflitos.

E submetem os cômodos, os filhos e os afins
A inalar a poluição das convivências doentias.

Texto para o réveillon

por carolina fellet

Minha empolgação para essas datas comemorativas está ficando cada vez mais lânguida. Não sei por quê. Ou talvez o saiba. É que nunca fui estimulada a ficar feliz diante das datas tidas como importantes. E caminhar rumo à felicidade ou à tristeza ou à insipidez depende de uma tal de domesticação.

Ercília, a grã-grossa, em:

EPISÓDIO DA CARIDADE

por carolina fellet

Todo fim de ano mesma coisa: Ercília, de família abastada, ganha muitos presentes e se desfaz de pertences antigos, a fim de reduzir as medidas do peso da consciência.
Enche um caminhão com roupas seminovas, sapatos conservados e acessórios em bom estado e segue rumo a comunidades carentes. Periferia em festa!
No ínterim de 15 dias, Ercília, a grã-grossa (tentativa fracassada de ser grã-fina), passa com um caminhão recolhendo as doações.
E os bondes de bailes funk - moradores dessas periferias - desejam, por um tempo, tirar-lhe o sangue.

Sobre o livro "As vidas de Chico Xavier", de Marcel Souto Maior

por carolina fellet

Sem pestanejar: o melhor livro dentre minhas leituras mais recentes.
Já beberiquei autores ilustres e imortais, literatura rasa, alta literatura, escritos metafísicos e publicações próprias para sala de espera.
As Vidas de Chico Xavier - não simplesmente pelo português irretocável e pelo fio firme através dos quais Marcel Souto Maior reúne as ideias apresentadas no ínterim das 269 páginas da obra - é a melhor indicação àqueles que têm poros. Poros que oscilam conforme as variações do íntimo.

Férias

por carolina fellet

Não conheço um camarada sequer que saiba tirar férias. Sei de gente que viaja e vai a restaurantes, museus, shoppings e tal. Isso nada mais é que trocar os compromissos corriqueiros por atividades extraordinárias.
Dar-se férias é entregar-se integralmente aos cinco sentidos.
Deixar de verificar o gmail e assistir ao Bonner.
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Belo dia, percebe-se tão encalacrado com sutilezas deste mundo... Melhor voltar à rotina.

Raquete para matar insetos

por carolina fellet

Às 21h15 daquele janeiro, ela entrou no quarto para pegar uma fragrância. Tomara banho para receber umas visitas. Num olhar acidental, viu um inseto enorme andando lentamente na parede do quarto. Foi à sala de televisão e pegou a raquete que dá choque e mata insetos. Pressionou o bichinho e atestou-lhe o óbito.
Muitas horas depois, após as visitas já terem ido embora e enquanto ela se arrumava para ir dormir, no chão do quarto, estava o inseto movimentando devagar o próprio corpo e os últimos fôlegos de vida.
A Vida insiste em si através dos insetos, das plantas, das multidões, do ar.

4 de janeiro de 2010

por carolina fellet

Ah, Conde M., nosso caso foi velado naquele 13 de setembro. Mas do enterro ninguém foi testemunha. O cadáver da nossa relação, por vezes, me rodeia como um espectro. No seu aniversário, não resisto: envio-lhe um cartão com os mais sinceros desejos de uma temporada feliz a você nesta Terra. Já no Natal, vem você me cortejar. Arrasta cadáver para aqui. Arrasta cadáver para lá. Quem irá enterrar o morto? Será óbito mesmo? Ou coma profundo?
por carolina fellet

Em pequena, falava às pessoas: "quando eu crescer quero ser caixa de mercado ou doméstica". Meu pai, de longe, gritava preocupado: "tem que ter mais ambição, minha filha".