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31 de julho de 2008

Escatologia

por Carolina Fellet

Fui ao centro espírita,
Não em busca de altruísmo
Ou de outras utopias.
Mas a fim de melhorar minha misantropia.


Ao meu lado, sentou-se um homem
Que não conseguiu se concentrar na palestra.

Em devaneio com a própria desatenção,
Ele enfiou um dedo dentro da boca,
E lhe retirou os escombros do que havia comido.


Fui ao centro espírita para tratar minha misantropia,
Mas não agüentei a cara impecável do passista.

28 de julho de 2008

Tantas bocas

Por Carolina Fellet


Meu interior são bocas famintas,

Que ingerem – sem higiene –

O que lhes vem à frente.

Imediatamente,

Comi seu jeito,

E ele se contemporizou ao meu conteúdo:

Sou agora um transgênico.

27 de julho de 2008

Zilda

por Carolina Fellet

Sob a lascívia de dois jovens pobres,
Unidos por frisson e falta de perspectiva,
Iniciou-se a materialização de Zilda.


Zilda veio à luz como um equívoco.

Em esquinas com caixotes,
Paredes engolidas por matagal,
Bancos de praça,
Debaixo de decotes e fragrância do Avon,
É que os pais da mulher se encontravam.


Um belo dia, o ciclo - pontual -
Sempre em dia,
Não veio.
E o receio se confirmou como certeza:
É gravidez!


A falta de perspectiva aumentou seus índices,
Enquanto o frisson se rendeu ao caos do inesperado:
Mais uma vida para se abrigar no barraco.


Diante de lutas e lutas e lutas,
Zilda conquista sua subsistência:
trabalha em casa de família,
é babá por uns dias...
Vive salpicando alegrias.
Sempre em dia com a Vida.

Póstumo

por Carolina Fellet

Acabo de expelir mais um conflito.
Meu silêncio sucumbiu à minha inquietação.
Num espirro,
Velei mais uma revolta.


Observo a dimensão, o conteúdo -
O defunto inteiro do meu mal.


Por que insisto em visitar o cemitério,
Em vasculhar os inventários dos meus próprios cadáveres?

17 de julho de 2008

Felicidade química

Por Carolina Fellet

O homem viola, logo cedo, uma ampola cujo conteúdo me é desconhecido.
Contemporiza o líquido em uma seringa,
Este entra, então, no fluxo de veias e correntes sangüíneas.


E a coisa se esparrama pela entranha dele.

E ele sorri alegremente,
O dia todo.


Assovia no ônibus,
Socializa com as funcionárias da padaria,
Faz festa de milho para os pombos,
Dá gorjeta pro soropositivo.


No outro dia,
Sob a rejeição da naturalidade,
Ingere humor farmacêutico,
A fim de suportar o dia.

Como adestrar o vento?

Por Carolina Fellet

Delimito minha área:
500m² de casa.

Espalho meu universo inanimado.
Sobre uma das mesas,
A estátua de uma gueixa.

De longe, trazendo arruaça à minha casa,
Vem vindo o vento;
Cão sem dono, sem bom-senso.
Ele passa corrido,
Sobre um tapete que desafia a gravidade,
Desliza.


Me olha de soslaio,
E,
Quando eu saio,
Ele deposita escombros de outros lugares
Sobre meus livros, sobre a gueixa.

O vento é uma vida ousada,
Que invade – a passos de gato –
Nossa casa.


Só que em vez de furtar as coisas,
Deixa todo o peso de que o incumbiram...
O vento quer mais é ser livre.
E não acumular riqueza alguma.

15 de julho de 2008

Palco

por Carolina Fellet


O tamanho da platéia é inversamente proporcional à qualidade do artista.

Era Cerebral


Por Carolina Fellet
Não se pode esperar muita coisa desses galanteadores que, num tempo como este, em que o cérebro e suas mímicas – ipods, PCs moderníssimos, celulares, MP7 – é que são a tônica de tudo, insistem em atender simplesmente a necessidades primárias do bicho bípede.
Portanto, o mínimo que essas pessoas merecem é a nossa misericórdia.

12 de julho de 2008

Misantropia

Por Carolina Fellet
Não sei que cara uso para entrar na fila.
Para a chegada,
Para a saída.
Que cara eu uso para pedir um emprego.

Não posso fazer a cara das minhas idiossincrasias.
Isto repeliria toda a gente,
Toda a candura,
Todo o efeito plástico perfeito.

Vou olhar para um único ponto,
Para o inanimado,
Rodar em sentido anti-horário,
E me desfazer do ego,
Para fazer a cara ideal.


E depois, quando eu estiver em casa,
Haja ressaca de carnaval.

11 de julho de 2008

Aniversariar

Por Carolina Fellet
Já faz vinte e três anos que o Tempo está em dia com a minha manutenção.
Enquanto a maioria das pessoas – movidas por superstição –
Freqüentam médicos,
Eu agradeço ao Firmamento pela minha perpetuação aqui.

9 de julho de 2008

A professora

Por Carolina Fellet
Ao que parece à aluna,
Cada acessório da professora –
Cacharrel, bota cano alto, casaco acolchoado –
É aconchegado por uma colônia de apreços.
Quanta demora para se chegar à cor do dinheiro.

7 de julho de 2008

Feriado Cerebral

por Carolina Fellet





Desde que Arlete veio à luz, já lhe estava predestinada a maternidade, através de uma fertilidade infalível.
Por sorte, antes de o destino materializar-se em Luiz, o primogênito, a mulher aguçava as conspirações metafísicas com o grande desejo de ser mãe que possuía.
Quando se tornou mãe, os rodamoinhos do Tempo lhe impuseram uma renúncia integral às próprias idiossincrasias e a impeliram ao altruísmo de conduzir outra vida.
Arlete afasta-se da proposta cerebral atribuída à condição humana e passa a viver um vegetal que apenas usa dos recursos vitais que lhe foram outorgados para cumprir o papel da existência: locomove-se, amamenta o filho, vai de um canto a outro, emite sons para refletir o tédio que lhe penetra em agulhadas invisíveis.

Alistamento

por Carolina Fellet


Nunca consegui pousar-me de corpo inteiro sobre o conteúdo do cotidiano. Quando este me requisita para cumpri-lo, eu adio a vida e fico atônita diante da minha inabilidade para as ciências exatas.

Adriana Calcanhotto

Por Carolina Fellet

Adriana Calcanhotto, em pele e osso,
Não namoraria um Mr. Testosterona.

Caso o fizesse,
Injetaria nele ampolas e ampolas de estrogênio.
Não para que ele desenvolvesse seios,
Mas para salientar o talento à transgressão sentimental do rapaz.

No palco, ela abre mão do salto,
E o compensa com a inteligência
Estendida em versos, musicalidade
E a dicção exímia que lhe é inerente.
SuperStição.

Adriana não casa com Mauro,
Um adepto da Harley Davidson,
Embora se desperte a um grisalho que aprecia doces da Confeitaria Colombo.

6 de julho de 2008

Pequeno veredicto do amor


por Carolina Fellet

É final de semana. Flaviano e Angélica decidem sair como forma de respeitar as burocracias comuns aos namoros.
Acovardar-se, em vez de contemporizar às máximas do romantismo, por vezes, parece impelir Angélica a fazê-lo. Afinal, produzir-se, perfumar-se e arrumar enredos demandam muita concentração. E, a uma mente perturbada perante a incumbência de existir diariamente, isso é uma dissonância estridente.
Saem.
Beijam-se.
Balbuciam umas inverdades um ao outro.
O ciúme vem à tona mutuamente.
Discutem.
Perdoam-se.
E o aborrecimento reverbera pela psique de Angélica por alguns e intensos momentos, e ela aborta a possibilidade de amar quando completa vinte e oito anos.

5 de julho de 2008

Lei Seca no trânsito brasileiro
Por Carolina Fellet
Estou exageradamente contente!!!
A ponto de querer salpicar confete sobre todo o asfalto que me vier à frente.
Porque a selva à high tech agora será contemporizada ao mundo civilizado.

O que ainda falta no Brasil é a punição ao crime de Gramaticida.
Daí, sem dúvida, a poluição sonora iria diminuir drasticamente.
Porque aS MENINA, a MENAS, a LARGATIXA e o FRUSTADO
Iriam pagar penitência em algum claustro que não nos chegaria aos ouvidos.

4 de julho de 2008

Hotel 5 estrelas

Por Carolina Fellet

Hospedar-se fora do lar é uma apologia ao desprendimento. Porque, de repente, abstém-se da intimidade da própria casa e se acomoda em um lugar cujos móveis e acomodações exercem apenas as funções que lhes convêm, sem incitar nada àqueles a que servem.

1 de julho de 2008

O Feminismo e o Duto

por Carolina Fellet



As mulheres quiseram atingir a igualdade dos sexos e, para lhe chegar, ousaram em atitudes múltiplas. Dentre as quais, transformar as repartições da vulva em uma única área destinada a recepcionar uma leva de pênis. Em vez de acumular funções, a vulva transformou-se e reduziu-se a pênis-duto.