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30 de janeiro de 2007

Face a face

Escolha, após observar bem seus arredores, uma forma de exercer o Amor com você mesmo. É. Amor de vulva, amor de amiguinho das extravasadas, amor às coisas é unilateral. U-ni-la-te-ral.
Vá ao banheiro; estou radical. Vá a qualquer lugar onde haja um espelho. Lave seu rosto, penteie seu cabelo, tire a blusa, a calça, as roupas íntimas. Fique descalço. Olhe-se. Perscrute-se. Veja-se de frente, de lado, de costas. Brinque com seu corpo... Que seja com objetivos de lascívias.
A rejeição a alguma coisa, inconscientemente, aparecerá. Encarará você como alguém que lhe está aquém e, justamente por isso, inocula seus venenos porque se sente em território perigoso. Amontoe seus instintos mais nobres; sei que a sua bondade compõe as imediações da vaidade, mas esse tipo de luxo não faz mal nenhum.
Inspire somente, neste instante, as suas qualidades. Exponha, ao próprio museu, as frustrações e as deixe nuas. Ainda que trêmulo, pare à frente de cada uma delas e, com auxílio de uma manobra divina - que virá, certeiramente - estenda-se ao gozo, ao gozo de ser parcialmente livre.

29 de janeiro de 2007

Evocação à concha

Há algo que a alude às unhas. Ana Maria, quando criança, quando jovem – ainda que muito inclinada às próprias bússolas de volúpia – inquietava-se toda perante o poder imperscrutável do Universo. Atualmente, aos sessenta e três anos, prevalece, embora branda, a barulhenta dúvida sobre a síntese de qualquer manifestação vital.
A concha que está sobre sua mão possui três tons que compõem um efeito degrade. Todas as coisas possuem tantos efeitos. Qualquer coisa, melhor dizendo, que se torna incumbida do Mundo, é vitimada por tanta beleza ou por tanto desastre. Não se pode ousar entender. Pira-se.
Há perfeitas linhas paralelas que revestem toda a superfície deste ser bruto que se aconchega aos mares. As fachadas das casas mais modernas, numa mímica inconsciente, reproduzem os relevos dessas habitantes oceânicas. Existe uma temperatura toda dela. Num instante em que se apóia a concha sobre um dos braços, sente-se a diferença de realidade. Uma existência é imiscível à outra. A sisudez de ambas é uma etiqueta que as acompanha desde a nascença.
Que experimento mirabolante dos deuses. Há um côncavo com utilidades múltiplas, como o orifício trivial para capturar os zunidos, os sons clássicos, os gozos, os gemidos de quem agoniza. As conchas em seu nicho silencioso, fúnebres como o impacto da morte no corpo atingido. As gentes em seus nichos, mascaradas com a estética em que culmina cada sentimento. E é tudo origem clandestina a um mesmo destino.

28 de janeiro de 2007

Templo dos sábados noturnos

Na sexta-feira, Berenice e Silvana combinaram de ir ao bar mais interessante da cidade. Elas estavam cansadas de sair para extravasar e, banhadas em arrependimentos, voltar para casa entediadas, perplexas, insossas; isso tudo devido ao comportamento da juventude fresquinha, que acabou de completar dezoito anos e iniciou o processo de freqüência a lugares que só abrem portas à maioridade.
Sábado iniciou-se sereno. Nada de enormes empolgações, paetês e indumentárias especiais. Nada de frenesi. Calmaria que emana da faxina dos conventos. Lavação de pecinhas miúdas de roupas, arrumação de armário, “isto serve, aquilo é para doação”. Meninas, venham lanchar. Berenice e Silvana são irmãs.
Silvana deu um desfecho à arrumação do quarto. Berenice, ainda aos pingos, saía do banho e velozmente descia os degraus a caminho da copa; provavelmente estava ávida por uma iguaria que sua mãe, certeiramente, preparava-lhe aos finais de semana. Estiveram à mesa por bastante tempo. Ainda que mantivessem o hábito de diariamente se reunir nas horas da refeição, de segunda a sexta era tudo muito prático e rápido, talvez estressante. Aos sábados, aos domingos havia uma extensão à hora de alimentar-se. Fazia-se um resumo dos acontecimentos mais protuberantes da semana... Cada um tinha seu espaço a contar o inusitado, o engraçado. Riam-se. Chegavam ao estopim dos sons humanos e depois, quando todos, parece que ensaiados, decidiam brecar a comilança, o silêncio tornava-se general. Daí, todos saíam da mesa. Silvana, porém, ficava para ajudar sua mãezinha. Tudo OK, louças lavadas, mesa desnuda, chão livre de farelos, a garota subia e aí sim a esteira de entusiasmo para sair se lhe esboçava.
Hoje vou com meu vestido roxo, estilo “antigamente, bem antigamente”, no tempo em que a vovó paquerava outro rapaz que não era o vovô. Essas pulseiras e, para não me exceder na estética, colocarei esses brinquinhos discretíssimos. Banho. Secador. Maquiagem. Roupa. Sandália (fiz as unhas hoje). Creme nas partes expostas do corpo. Perfume. Perfume. Perfume. Vou aproveitar esta semana, a Cenilda disse que tudo da Natura está em promoção. Economia. Que felicidade!
-Berenice, vamos?
-Arrã. Estou lhe esperando já. Só vou acabar de fumar esse cigarrinho.
-OK.
Pegaram o carro. Foram à saída da cidade, lugar onde ficava o pub. Entraram, felizmente, conforme as aptidões delas, o lugar não estava empanturrado de gente. A taxa de entrada estava meio elevada. O horário eleito por elas foi perfeito; em muito breve, a banda começou a tocar. Nostalgia total. Músicas que atiçavam o âmago dos âmagos das duas. Felicidade súbita. Espectro de alegria. Muitas em duas. Dançaram com demasia.
Decidiram ir à varandinha porque o espaço que fazia arredor com o palco emanava um bafo quente e insuportável. Beberam água, cerveja, remelexos mil, mas sutis. De repente, um rapaz alto, largo (isto, devido a esforços antinaturais que se conseguem, através dessas dependências cheias de equipamentos de ferro; equipamentos esses que se parecem com alguma eficiência ao mal em épocas de guerras explícitas). As irmãs olharam e olharam e olharam; perscrutaram, enfim, o monumento (não da metáfora bonita, mas da dimensão colossal que evapora dessa palavrinha de mil destinos). Uma delas – já perdi a noção de quem é quem – disse à outra que o colosso era uma publicidade a uma dessas academias que, presunçosas como deuses responsáveis pelas mutações dos vitais, transformam as estampas dos indivíduos.
Quanta facilidade de se esparramar na vida dos outros. Mas, os sentidos sempre estão em alerta total. Os sentidos têm o Mundo em alerta. Fazer o quê?

22 de janeiro de 2007

Invada uma festa de casamento

Laís e Humberto – amigos de faculdade – combinaram de ir ao aniversário de Ana Elisa – conhecida em comum dos dois – juntos. A comemoração foi num clube enorme onde, simultaneamente, no salão principal, acontecia uma festa de casamento.
Chegaram à festa de Ana e perceberam a movimentação da festa contemporânea. Com a sensação de crianças ariscas, falaram um ao outro, quase ao mesmo tempo: “vamos catar uns docinhos da festança do casório?”. Isso habitava o sentimento de utopia que cada serzinho – variando de dose – carrega consigo.
Dançaram muito. Deliciavam-se em iguarias típicas de festinhas de aniversário. Jogaram as sementes das piadas entre possíveis casaizinhos que dariam certo caso se unissem. Viveram meramente a superfície ilesa da existência. Geralmente, o convívio social anda aos pares com a perfeição. Tudo é certo. Tudo é tão bonito.
Quando se esgotaram fisicamente e decidiram sentar-se para beber alguma coisa, a consciência lhes veio à tona, com lembretes despudorados: “Está na hora de invadir a comemoração dos pombinhos”. Não hesitaram; a passos de veludo, subiram à escadaria que desembocava no salão. Subiram tudo. Já fartos de adrenalina e escassos de fôlego, deram-se de cara com a cozinha, onde um grupo de uniformizados agilizava as demandas do ambiente. Ninguém os percebeu. Seguiram, portanto, o itinerário à festa. Descobriram uma portinha e, contando meramente com a audácia, venceram-na. Surgiram ao palco, escancarados a todos os convidados e seus respectivos sentidos.
Nossa! Os “desconvidados” surgem estrelados, com roupas dissonantes àquelas recomendadas a casórios. Venceram o impacto inicial e se dissolveram no luxo com que se trajavam as pessoas. Nada comeram. Nada beberam. A carência de Laís e Humberto era simplesmente de um pouco de frenesi à vida.
Este dia já é digno de novas memórias e conseqüentemente novas comemorações.
Vale a pena, vale muito a pena invadir uma festa de casamento.

19 de janeiro de 2007

Cacoetes da classe média

Carina é da classe média. Aos vinte e sete anos, se não fosse pelo próprio bem-estar, poderia, sem pudores e/ou temores, abdicar da carreira profissional.
O dinheiro tapeia (aos pensadorezinhos) os vexames que o povão cru (não o travestido de paetês secos e Diesel) poderia causar. O dinheiro possui um discurso implícito que diz: Ou! Eu sou vulgar, eu exponho toda a minha feira em troca de uma volúpia instantânea e fugaz, eu abordo as mulheres como o barulho dos répteis que irrita os mamíferos, eu, com minhas garras – prendo "aqueles bracinhos delgados daquela menininha". Quero me excitar. Nesta noite, quero meu pau duro.
Ela ficou aos cantos. Sua estampa em nada condizia com as vestimentas indígenas, embora de um momento histórico “ultra-civilizado”. Dançou. Até dançou, como uma devoção à profundeza e ao divino que compõem qualquer tipo de música. Mas, à pista, de forma meio induzida, observou o comportamento curioso dos filhos de pais que fazem questão de um complexo estético todo nos trinques (carro presunçoso, roupas com etiquetas reluzentes, bolsas rotuladas de boa reputação... deselegância para a lida com outrem). A soberba tem um componente imprescindível: o de que tudo é permitido e soa até bonito, desde que se adquira ou se herde um status respeitável.
Cansou-se daquela música sem movimentos, que se assemelha a um incipiente aprendiz de piano que insiste pressionar uma, duas ou três teclas do instrumento. Foi à área verde da boate. Olhou e, antes que visse profundamente as coisas, pensou... Abismou-se. Viu um homem servindo de muro a uma mulher a qual estava de costas, com as nádegas beijando-lhe o falo. OK. Carina olhou ao outro lado e, quando se focou novamente no casal, viu as mãos dele manipulando a genitália dela. Excitante. Voluptuoso. Mas, ao reservado, com a intimidade entre dois amantes e uma aura sigilosa de um incenso, uma música, uns quadros acoplados à parede.
Os cacoetes da classe média estão tão berrantes. Sei lá, é pretensão demais afirmar o que o outro quis dizer com o décimo verso da terceira estrofe do poema da página dezessete... Cazuza, de fato, a burguesia fede.

17 de janeiro de 2007

OBITUÁRIO:

16 de janeiro de 07. Morre Luiz Augusto Pafè Albuquerque, militar de sessenta e seis anos.
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmmmm.
- Gabriela, avise a todos aí que o Luiz Augusto morreu.
Giovanna estava ao longe, mas às escutas. Quem morre derrama algo heróico. Talvez, porque apalpe um território que quem resiste desconheça. Ah! Nem há por quê. A sensação é mágica e o truque não é inteligível a ninguém. Sente-se isso, porque isso se apropria das repartições do sentimentalismo.
Era câncer. Quando o descobrem, geralmente, em vez de detectarem um tumor incipiente, deparam-se com uma metástase irremediável. Mas, muitos não sucumbem: vivem dez anos, quinze anos. Claro que com as fadigas e os sofrimentos a que a própria doença submete as criaturas. Outros, no entanto, são sugados pela fatalidade muito rapidamente.
Morte. Vida. Morte e vida. Morte diária e imperceptível. Caminhos invisíveis em prol da derradeira fatalidade que nos encobre. A vida é piegas... Por que não nos esquece às soltas? Namorado grudento! Quer saber? Ainda bem que existe a morte. Passam, todas as pessoas, por momentos tão perturbadores. Alguém ilustre disse que a vida não foi feita para dar certo. De fato!
É um Einstein que, ao contrário desta Humanidade, descobriu algo de que, neste instante, somente ele tem ciência. A morte mitifica... Eterniza-se pelas memórias dos sobreviventes.
Perseguido de Deus, desejo-lhe neste instante a serenidade que cobiçamos durante a peregrinação abstrata por que passamos no ínterim da existência; acho tão magnífica a idéia de não ter mais um automóvel a transportar de lá a cá, daqui para lá. Que a essência, que essa alquimia inerente a seus momentos na Terra tornem-se autônomas para irem a qualquer lugar, sem depender dos ventos e de qualquer outra empreitada celestial.

14 de janeiro de 2007

Tributo ao CD ROM

Panqueca. Finíssima. O que transgride a estética típica da massa é o vazio que permite filosofias e imaginações mil e acaba por compor a estampa do utensílio. Fininho, desprezível, cabível em qualquer cantinho onde se guardam as inutilidades que as pessoas cismam arquivar. Assim é o tal. Ele é o tal.
Em inércia, é o sono cheio de recordações e de dinâmicas invisíveis. Não pára. Jamais pára. Está tudo ali intacto, como gavetas exageradamente organizadas de velhinhos já aposentados e de certa forma abandonados pelos agregados. Imagens. Sons. Textos. Nossas inteligências súbitas e fugazes ganham o tempo de uma tartaruga que resiste, enquanto tantas espécies sucumbem a um ventinho inusitado.
Ah! Como me acomodo, tendo-o disponível e a baixos custos. Abstenho-me da memória e credito toda a responsabilidade besta que a vida demanda nele. Minhas intempestivas luzes (ao meio do trânsito, no supermercado, nos funerais, nas situações em que o pudor faz campanhas e vence... ... ... ) peregrinam, com poucos trajes ou completamente nuas a ele. Ele é meu senhor. Salva-me da fraqueza do esquecimento, da inatividade.
Dorme muito. Há um acordo implícito entre a criação humana e a criação divina. Quando aceso, porém, é a extensão de tudo que penso, dos sentimentos contidos em palavras em acústicas em imagens.

5 de janeiro de 2007

Sherazade

Com o pensamento às soltas, sem estar pousado nas maratonas que demanda cada semana, começou, Ícaro, a se entrosar com curiosidades tão irrelevantes quanto filosóficas. Como é que pode a carcaça de um avião nos cegar o céu?! Este agora se reduziu a uma nesga que a janela ("-inha") lhe permite comer; a inutilidade de um tecido fino e pouco desafia o efeito de cores & cores do sol. Nunca entendeu as marcas de biquíni.
E, assim, numa vocação a Sherazade, sobreviveu daqueles pensamentos infindáveis.

3 de janeiro de 2007

Ping-Pong

Saudades precipitadas desta cidade que não me terá amanhã... Saudades do futuro que virá com o carinho da mamãe e do papai.