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23 de março de 2008

Preços


Por Carolina Fellet
Nicete, embora graduada pela USP, mestre pela Unicamp e doutora por outra universidade pública de renome, de cujo nome o autor não se recorda agora, é analfabeta funcional em relação àqueles assuntos que não lhe interessam.
Os preços são o estopim de seu desentendimento: inflação, por quê? Preços sobem porque o salário mínimo sobe e, a fim de se conseguir manter um empregado e tudo que precede um produto, é preciso elevar os números que sucedem os cifrões? Ou são os tributos que aumentam à medida que os salários aumentam e, portanto, para arcar com as despesas em nome do Estado-Tio-Patinhas, é preciso aumentar os zeros à direita dos preços?
Preços. Desvalorização de moeda. Hierarquia de números.
A matemática é extremamente hermética.

18 de março de 2008

Rodovia brasileira


Por Carolina Fellet
O casório foi marcado com um ano de antecedência e a informação, pulverizada rápida e eficazmente para que a família – radicada aqui e acolá – se animasse a ir. Pretensão materializada: a família se movimentou e compareceu ao casamento. Cidade linda. Noiva linda. Mega-produção. Músicas muito bem selecionadas. Gente bonita e muito bem vestida. O namorado que nunca a acompanhara em eventos fora da cidade resolveu dar o ar da graça.
Como a bela vida acaba em morte,
Conforme o canto lírico se silencia,
Já que o amor cessa,
A única objeção à data haveria de existir:
A estrada brasileira, acneica, empapuçada de crateras.
A única forma de transitar sobre ela é abusando de habilidades de rã.
Rãmóvel.

11 de março de 2008

Tratamento de desintoxicação


Preciso me desintoxicar.
Afastar-me desse antro de fofocas,
Para meu fígado não supurar.

Um tiro para o alto?
Um varal com telencéfalos mesquinhos estendidos?
Sua pobreza material é apenas um reflexo de sua maldade imbecil.
Preciso me desintoxicar.


Essa sua voz é ferramenta que pulveriza assuntozinhos desprezíveis.
Por que sua indústria cerebral não processa melhor o que deve ser dito?
Maldita!
A fofoca é o câncer sem aparência.Decadente!

Preciso me desintoxicar.


por Carolina Fellet



As Regras


Por mais que haja correntes feministas,
Ascensão das mulheres na sociedade,
Liberação sexual e o orgasmo das vaginas,
A sangria transgride o Tempo e resiste –
Ortodoxa e irredutível.

A guerra das regras rejeita os deuses do prazer.
Porque teme a fatalidade de uma gravidez.
Se as regras não vêm,
Imediatamente:
Piscina de insensatez.

Que visão será essa,
Que nos surge munida de líquido,
De vermelho, de odor?
E ainda de dor.
Da dor de tantas meninas menarcas
E de tantas senhoras menopausas.

A menstruação é o prenúncio da proliferação humana,
De um promissor genocídio ao contrário:
Em vez de moribundos e mutilados,
População aos cachos,
Aos trapos,
À mercê.


Mortos vivos que não sabem o que lhes espera.
E cujas escolhas nunca se deslocam das próprias quimeras
.

4 de março de 2008

FIDEL CASTRO


Uma reflexão histórico-desembasada

Premeditado. Na mais mórbida literalidade.
Folha de script:
Cena 1: bom moço.

Discurso: voto direto.
Quem o manteria, durante esse tempo enésimo, no poder?
Existem tantas justificativas para combater essa coisa perene;
A mais primitiva seria que a Natureza dos sentidos se desgasta.
Portanto,
Cara nova, atos novos, progresso, mudança.

Cena 2: inveja.
O sentimento daquilo que não transcende a condição de bactéria.
A inveja come inveja, digere inveja, dorme inveja.

Lua-de-mel nos USA.
Por que a ojeriza tamanha?
É preferível o imperialismo que reluz cores, farturas
A um imperialismo mesquinho,
Com ração racionada.

Discursos à Sherazade.
Pretenso ópio do povo.

Agora aparece a sala suja,
De um carnaval póstumo e com fantasias sumárias.
Quantos mortos?
Quantas bocas secas?
Contabilizando os feitos de um Hitler um pouco dissimulado:
Genocídio, sadismo, esquizofrenia.

E os professores de história vão pra ilha.
Meros turistas.
Dão veredictos a partir de uma observação alienadamente empírica.
Cuba é maravilha. Todo mundo toma sorvete.

3 de março de 2008

Forminha de Gelo


por Carolina Fellet
Vamos cortejar a dúvida.
É da dúvida que me mantenho, que me fertilizo, que sobrevivo. O ceticismo gera boas químicas à Vida. Não o Ceticismo dos indiferentes, dos burramente indiferentes, mas o dos que vivem em função da busca, da salvação – ainda que fugaz – das intempéries do Cerne.
Senti-me muito respaldada com a última palestra a que assisti no centro espírita que freqüento. A palestrante, com oratória e lucidez formidáveis, falou em sinopses, peptídeos, comunicação do mundo externo com o interno e, enfim, que a Terra perde sua energia com pessoas que se inclinam ao mal, que conjugam os sentimentos de baixo escalão.
Por que o respaldo?
Sempre tendi ao Cosmo inteiro se comprometendo com a atividade metabólica de decompor um pneu num rio australiano. O meu mal pode advir desse trabalho árduo do mundo metafísico.
As atitudes vão se encadeando.
A água escorre e contemporiza às medidas estabelecidas.
Conforme a metáfora bruta da forma de gelo.