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26 de junho de 2005

Frete

Neste itinerário Vida X Morte, em que serei transformada? Virarei matéria-prima a buquês lindíssimos de rosas vermelhas, serei meras minhocas a trabalhar na terra, serei o verde da vitrine dos grilos? A vida é o incessante processo. Talvez eu sirva de azul ao infindável céu das tardes. Talvez eu seja a cegueira de uma vida que virá em um corpo qualquer, num barraco sórdido ou num palácio impregnado de nostalgia. Quando se morre congela-se tantos ares, tantos comportamentos da alma. A alma repete-se. Usa a mesma indumentária. Quando se morre, aumenta-se a vida do nosso poço inerente. Quando se morre, aproxima-se da cortina vermelha dos bastidores desta coisa efêmera. Destas trocentas carcaças incumbidas de me ser. Morrer é conceder toda a vida às outras coisas viventes.

Moda da Bondade

Creio que a bondade tem sua própria vaidade
Quando se é bom, a alma se produz
A alma chega à razão num galopante desfile
Desfile que agrada todo o âmago.

Ser bom é transcender a conotação humana,
É dar atitude à pretensão do cerne.
Ser bom não são ensaios, nem eloqüências.

Ser bom demanda sentido à natureza.
À natureza do intrínseco.

Ser bom vem dos bastidores destes corpos.
Sai da aquarela dos céus.
Sai dos talhes das flores.
Sai do calor que grita no verão.

22 de junho de 2005

Pote do Tempo

Hoje de tarde saí. Saí como espectadora das matérias em sua dinâmica. Vi um velhinho com as pálpebras gastas, à mercê. Imaginei aquelas pálpebras jovens e fiquei em dúvida: Onde será que o tempo guarda a matéria que se consumiu? Onde será que o tempo guarda o preto dos atuais cabelos brancos? Onde será que o tempo guarda a planície que hoje é o relevo imposto dos meus seios?

20 de junho de 2005

Festa

Preciso extravasar. Já não agüento este império redundante dos dias. A própria ambiência demanda excessos: Chuvas em escala industrial, sóis que transformam o chão em frigideira, vermelho indecente de flores inéditas a estes meus "olhos órgãos". Preciso sair da clausura que tanto me agradou nestes dias, mas que já virou clichê. E sair desta clausura é entrar em outras clausuras. As dos indivíduos muito mundanos. A prisão dos convencionais. A prisão dos que contemporizam a modas vigentes - Ora as dos céus que estabelecem o que deve se fazer de acordo com o semblante do dia, ora a recomendada pela razão, pelo bom senso. Disseram-me para não falar, para não olhar, para não comentar. Preferem o gozo na clandestinidade. Eu não escolho lugar a gozar. E querem um gozo moderado. Que paradoxo: Gozar é exceder-se. Não quero a mim uma vida previsível. Não quero sucumbir ao peso da manada. Quero ser este fluido enigmático que é inerente à existência.

16 de junho de 2005

Ele

Enfim cheguei à conclusão de que existe o mundo porque existo. O dia em que eu deixar de existir, as árvores perderão suas cores inerentes. As árvores ficarão a novas criaturas. A morte e ressurreição dos beijinhos americanos serão cinema a outros. O sol não mais me esquentará, que estranho. Minha consciência não terá mais consciência. E a vida, esta minha vida, não vai além de mera consciência. Sou fatias. Sou circunstâncias. Sou dores.
Ele emendou diversos sentimentos que são o solo da minha natureza mais intrínseca. Ele me fez sentir mais a minha própria vida. Ele encaminhou-me, sem senhas, ao poço. Ele me mostrou a grandeza frágil de se viver. Ele intensificou minha imunda condição de transeunte, de objeto fugaz. Ele foi nada para um espectador qualquer. Ele é esteta, pequeno como criatura humana, ele se esparrama com facilidade em vidinhas alheias.
Ele foi trivial para a manutenção de sensações das quais a Natureza sozinha não dá conta. Ele foi importante feito os apelos didáticos dos professoresinhos. Ele é enciclopédico e isso, às vezes, irrita. Porque acaba sendo um pote de vaidades. E vaidade esconde o jogo, rompe com as verdades mórbidas da gente.

13 de junho de 2005

O Presidente viu meus textos

Num dia desses, ao abrir este sustentáculo à minha sobrevivência, deparei-me com um parecer acerca do meu texto. Antes de constatar o que estava escrito ali, fui inflando meu ego. Quase explodi. Mas me salvei, ufa! E, à medida que lia o comentário, minha vaidade foi murchando, murchando e morreu. Morreu naquela hora. Não havia elogios, não havia menosprezo, não havia sequer indiferença. Havia uma grande insipidez que pediu emprestado ao abecedário algumas formasinhas para se tornar nítida. Será que, pelo fato de ter sido alguém renomado o leitor do meu texto, eu posso completar o tanque da minha vaidade? Será que a mera contração das mãos de um mito já é o suficiente para eu me gabar pelo resto da vida? Sei lá! Prefiro elogios vindos dos olhos nublados do sr.Júlio, do sr. Raimundo, do sr. Zé, do sr. Mário.

6 de junho de 2005

Pequeno Dicionário

AMAR: Sinônimo de seqüela. Como comer pão com lingüiça em lanchonete suspeita. Quem se inicia no processo de amar está fadado a receber súbitos gritos e dores que assustam o âmago.

DETESTAR: Verbo transeunte. Não há estacionamento a este verbo. Ele é efêmero feito o rosa-vivo dos beijinhos. "Detestar" é o minuto que acabou de passar e, com certeza, erradicou vidas e desvirginou uma fatia de ar com novas vidas.

TEMPO: Toda estética dos céus. A montanha-russa - única diversão da temperatura. O insuportável peso das poças d´água que se manifestam como chuva. O exibicionismo indecente do sol. A aeróbica inerente dos ventos.