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31 de maio de 2007

Geraldo Beliscão

Outro dia, assistindo ao Programa do Jô, transbordei de rir de um artista de teatro que escreveu uma peça, baseado nas experiências com a própria mãe. Lembrei-me de alguns pronunciamentos da minha mãe que merecem memória; nem que seja uma mísera memória eletrônica.
Acompanhando uma palestra sobre Ética e Educação, um homem cinqüenta por cento careca apresentou-se à mesa. A outra porcentagem era solo para madeixas lisas, de um tom ouro envelhecido. Espontaneamente, como uma criança recém apresentada às coisas da vida, minha mãe deixou escapulir:
- Minha filha, repara bem esse cara. Ele parece um pincel.

26 de maio de 2007

Rosa

A rosa é o estopim de uma vaidade;
É um arremate;
Um pedreiro sem força bruta,
Embora,
Capaz de luzir beleza instantânea
A sentidos que têm fome.

Oração

Sofro pelos velhos que entram pela porta da frente do ônibus e transportam suas mãos calejadas pelo próprio tempo e pela abreviação da velhice a que a miséria os induz. Os velhos pobres chegam às casas e pisam um chão cuja temperatura é extremamente soberba: está sempre gelado. Comem um cardápio tão repetitivo que os sentidos já perderam a dedicação. Dormem aos trapos. Sentem um frio inumano no inverno e lembram-se do país tropical que é o Brasil durante o verão: todas as espécies bem pequenas e aladas surgem-lhes a atormentar. Mosquitada. As diversões. Um câncer maligno me penetra, quando penso na forma como a pobreza extravasa. Não lêem livros, dependem da coreografia dos ventos para conseguir ouvir um funk de baixo calão que vem do Norte, lá do Norte. Saem, somente quando a Prefeitura lhes faz oferendas, às vésperas das eleições. E vivem. E sorriem um sorriso careca. Falam alto dos problemas que estão à parte do próprio baita problema de nascença. E dão continuidade à Vida: um cacho de filhos... Bem contemporâneos eles. Nove meses, nasceu. Quarentena. Próximos nove meses, casulo. Depois, mais um nascimento. E enche e murcha, enche e murcha. Mais um, mais um, mais um.
Sofro pelas madames e pelas promessas a madames que se enclausuram – ainda que em público – por detrás da película preta que apaga quem segue dentro de um carro. Elas são blush, indumentária inédita todos os dias, celulares de memórias infalíveis, celulares pós – graduados na USP, capas de celulares da Victor Hugo e compras e crediário e namorado pilantra, mas gostoso pra caramba. Elas chegam a suas casas e, assustadas com a presença da solidão, pegam a agenda e ligam a todas as amigas que podem render algum papinho inconsistente, ou uma extravasada alopata. O que serão depois de um banho? Sem a casa humana emperiquitada com cordões e maquiagens e roupas caras? Com a face lisa, isenta de qualquer apelo à perfeição? Serão sofridas? Serão suicidas em potencial? Tenho muita pena das madames, das patricinhas, das riquinhas que oram ao consumismo-em-prol-do-bem-estar.

25 de maio de 2007

Sono eterno ou Eterno retorno?

Uma vez, Silvinha atinou à morte. Não como essa forma genérica com que as pessoas abordam-na: seja feliz, amiguinho. A única certeza é a morte. Quem diz isto, geralmente, crê na morte utópica, cujo alcance atinge, no máximo, um conterrâneo. A morte lhes parece uma onda do mar que quebra antes de os pés se molharem.
O que eu quero abordar neste espaço, que antes era um nada e agora já representa uma gosma jorrada por um sentido qualquer, trata dos dogmas (presunçosos à beça) acerca da morte. Eu me agrupo àquele da Igreja Católica, que faz campanha ao sono eterno. Sabe por quê? Porque, imagine, a vida é uma penitência sem opção: se você nasceu, agora viva! Que imperativo. Que ditadura!
O Espiritismo me desconforta. Ele propaga a vida eterna e o eterno retorno. Nesta vida, estou legal. Estou serena. Ladeada por pessoas respeitosas e dignas. Imagine, eu nascendo em um antro de gente estúpida. Não teria sustância a isso. De verdade.
Além de tudo, adoro tirar uns cochilos diante dos tempos ociosos. A idéia do sono eterno, portanto, em muito me agrada.

24 de maio de 2007

Comilança de Cadáveres

Tenho um constrangimento para comer cadáveres. Uma potência inconsciente me alude ao tempo em que aquela vida esteve vida, em atividade.
- Terezinha, o que tem pro almoço hoje?
- Pra você, Tâmara, fiz um franguinho grelhado. Se você quiser, posso cozinhar um macarrão e fazer um molhinho de azeite com ervas finas. Você quer?
- Tá perfeito, Terezinha.
Frango grelhado.
Quando eu tinha meus nove anos, papai me deu três pintinhos. Leonardo, Vicente e Patrick, esses eram os batismos dos bichos. À tarde, assim que eu chegava da escola, eles eram a minha ilusão, o meu veneninho alienante daquela fase na qual a gente crê que as coisas mudam e que tudo sucumbe à perfeição. Quanta ingenuidade.
A metafísica, profissional exímia, no cumprimento de seu trabalho, fê-los crescer. Tâmara enchia-se de pudor perante aquelas patas de galo/galinha esquisitas à beça. Enchia-se de ressalvas àquele bico capaz de ferir. Ela não se lembra do destino dos animaizinhos, embora se lhe esteja intacto na memória um episódio que envolvera os três cocoricós.
Um dia, dona Letícia – a mãe – estava preparando uma refeição à família. De repente, do segundo andar da casa, ouvem-se berros e imediatamente, a doméstica, a Tâmara e o caseiro – todos que estavam na casa – aproximam-se da cozinha, com a pretensão de prestar-lhe socorro.
O socorro poderia ser prestado somente pelo caseiro. Não ouso alterar o fluxo da Natureza e dizer que existe uma mulher destemida, quando se trata de barata. O berro angariou mais adeptos. Agora, variava-se em contralto, soprano e tenor. Alguma das três tem voz grave.
Seu Valdemir assassinou a cascuda. Num despiste mal sucedido, tampou a cadaverzinha no quintal da casa por onde transitavam os três pintos. Tâmara era integralmente atenção. Estava à janela, quando assistiu a um espetáculo que a biologia aborda com tanta leveza: a cadeia alimentar. Vulgo: a porcança.
Um pinto começou a degustar o corpo da barata. Depois vieram os outros dois para participar da comeria. De repente, não há corpo, não há resto. A barata está literalmente desencarnada.
Num tempo depois, sobre a mesa de alguma família tradicional, que elege a refeição como hora sagrada, em que todos devem estar à mesa, o frango estará lá. Saudável. Bronzeado por um forno feito à tecnologia mega-avançada. Num hemograma desse frango, constaria: excesso de proteína. São os ecos da, já desencarnada, barata.

A personagem, que já nasceu aos setenta e cinco de idade

Lísia Galhardo, consciente de seu temperamento, optou por morar sozinha. Tinha lá seus convívios com o pessoal da escola de música – ela toca piano – com as caixas de supermercado, com o dentista, com o médico que lhe servira sempre, com algumas amigas de infância que se mantiveram na cidade. A senhora tinha umas ressalvas com a intimidade. Por isso, esquivou-se da vida de casal, da vida diária, em conjunto com outras pessoas. No entanto, à medida que o tempo foi se lhe insistindo, um velho jargão cuja tônica diz que é impossível viver sozinho, penetrou-lhe, penetrou nos organismos mais profundos daquela existência. Eu preciso fazer alguma coisa que movimente a minha mente. Estou prestes a ser tragada por uma depressão. Deus me livre!
Tinha o piano, antigo, herdado de sua mãe – pianista exímia, fiel dos clássicos de
Bach e Tchaikovsky. Desgastava-se ali. O amor àquilo se lhe transbordava. Mas Lísia precisava sair de casa, observar como a Natureza comportava-se perante as variações climáticas, observar o baralho entre gentes mais velhas e gentes mais novas, observar a moda da juventude, observar a condição humana, enfim.
Abriu o guarda-roupa, cujo design é incrementado por uma espécie de franja, por uma madeira extremamente lapidada, e hesitou diante das tantas roupas que lhe enchiam o armário. Algumas tinham estampas obsoletas, mas, a uma senhora, não soariam dissonantes dos padrões universais da moda. A moda hoje, aliás, é uma miscelânea, uma constituição encadernada com luxo, embora sem conteúdo algum.
A velhice dá um prazo às pessoas de exercer a ciência da perfeição. Lísia, portanto, antes de fazer escolhas, foi à janela ver como estava o tempo e pressupor como ele se desenrolaria ao longo do dia. A velhice costuma ser precavida. Vestiu-se, com a elegância de praxe. Foi ao centrinho, a fim de contracenar com gente de todo naipe.
...

23 de maio de 2007

Tentativa

Tentam falar o amor, escrever o amor, desenhar o amor, cantar o amor. Ele é inviolável! É como o Deus, que é reduzido à Ciência por vezes. Deus é uma carta aprisionada entre os dedos de uma doutrina? Eu prefiro ser devota do Mistério.

22 de maio de 2007

Ócio Inteligente

Caso o pensamento se enfurne em áreas invioláveis, dá-lhe conseqüências.
Este era o slogan da campanha, a partir da qual palestras eram ministradas em diversas universidades, clubes de terceira idade, hotéis de renomes das cidades espalhadas pelo Brasil.
Envolvida com pesquisas acerca das religiões, das doutrinas e de pensamentos que se formaram para se tentar chegar ao porquê da vida e da morte, Lísia Galhardo, herdeira de um patrimônio composto por fazendas, imóveis no exterior e conta bancária imponderável, aos setenta e cinco anos, resolveu, provavelmente devido a ser espectadora de um esboço ainda tímido da morte, dedicar-se à ciência que investiga o Mistério. Com a palavra, Lísia Galhardo...
ESTRÉIA DE UMA PERSONAGEM. Espero que a vida dela dure o suficiente para o romance ter um fôlego grandinho. Senão, que a morte dela faça iluminar novas criaturas e que o enredo se monte a partir disso.

20 de maio de 2007

Psique de cineasta

Domingo é tão parado. É custoso procurar um enredo bacana para agradar ao namorado. No sábado, afinal, já trocamos mensagens românticas, as juras mais antigas, embora resistentes e os bilhetinhos abreviados, conforme as máximas da linguagem virtual. Fizemos uma sinopse da gazeta da nossa semana. Resta-nos inventar. Inventemos, portanto!
Vamos abusar da linguagem... E tentar pormenorizar, dar cartas, investir um pouco de verba na jogatina que tenta acertar o significado mais consistente do amor. Vamos pôr luz somente sobre nossa face ovacionável. Depois, fazer carícias, não simplesmente com o propósito da volúpia, mas como oferenda ao carinho intrínseco que se anunciou em nosso grande fôlego de vida, em nosso coração.

O sentimento de Pena

É como se um Cosmo todo sombrio entrasse em inércia e apenas uma vida dinâmica - a incumbida da nossa pena - ficasse subjugada a esse mundo morto, embora erguido.

18 de maio de 2007

Sobre a Beleza

A beleza é a metafísica que se faz na ótica de quem a vê?
A beleza é a emissão intransponível da coisa bela?
A beleza é um diálogo entre dois gringos.

15 de maio de 2007

Promoção

Todos os dias, Lísia passa por uma guarita, que faz parte do percurso rumo à casa dela. Lá dentro, na hora em que ela passa, sempre fica um homenzinho. O homenzinho. O mesmo, cujo nome ela desconhece. Apenas o saúda:
- Boa noite, moço, tudo bom? (BIS)
- Boa noite, menina. (BIS)
Já automatizou. Não existe expectativa de ele falar algo além de “boa noite, menina” e nem de ela se delongar nas cordialidades. É apenas um ato démodé aos parâmetros deste mundo Pós - Mega – Ultra – Moderninho. É apenas a manutenção da educação.
- Boa noite, moço, tudo bom?
- Boa noite, menina.
O dia fluía, conforme “O Show de Truman”. Maritacas insones acordaram a garota, o vizinho, bem cedo, com moto serra à mão. O céu inerte. Pela fresta da porta, Lísia ouvia a empregada pinçando recados ao telefone. Vendedor de gás batendo à porta. Coragem com exército próspero: levantou-se. O dia se iniciou...
À noite, já imune à necessidade de se pensar para agir, saudou o vigia:
- Boa noite, moço, tudo bom?
- Boa noite, moça.
Acendeu-se o quartinho da novidade. Tudo lhe estava tão óbvio. Como a tendência da humanidade de se adaptar à tirania de ser humanidade. Aquele moça lhe reverberou imediatamente: quer dizer que fui promovida à moça? MENSTRUEI! Ela riu de si, de suas idéias - relâmpago. De suas divagações.

14 de maio de 2007

12 de maio de 2007

Mutação

Vou sozinha à festa. Porque a relação está passando por um processo de substituição. Será que existem criaturas sinônimas? O brechó das fantasias com que vestia meu âmago está em ruínas. Acabaram as fantasias. É preciso reinventar um talhe ao cerne.

Manchete da parte superior da capa de todos os jornais de circulação nacional: A VINDA DO PAPA BENTO XVI AO BRASIL.

Ao Brasil nada, à área mais cinza da Nação: ao estado de São Paulo, cujo ar é devoto de concentrações-poluidoras-trânsito-industriais.
COF, COF, COF.
Lencinho à mão com a dissimulação de acenar aos fiéis. Mas a pretensão-mor é assoar o nariz, afinal Deus lhe envia muita coriza nesse solo brasileiro. Choque cultural, choque ambiental.
O senhorzinho está exausto. Outorgaram-lhe uma agenda extravagante demais: ele incumbe-se de quase céu: está aqui e simultaneamente o Japão o saúda. Bento XVI já é antigo de guerra; é, portanto, a hora de ele curtir uma sesta prolongada. ZZZZZZZZZZZZZZ.
Todas as mídias, todos os habitantes de planetas próximos rumaram a Aparecida. É a fé movendo as pessoas? Não! É a intenção de exibir o novo nos meios de comunicação. Como Bentinho nos será útil: daqui a um ano, haverá o aniversário da primeira visita do Papa ao nosso solo. Os jornais terão momentos católicos engavetados e os exibirão e forçarão uma comoção e mudarão a entonação da voz. Programinhas de humor sem capacidade de criar farão caricatura do sotaque de Joseph Alois. Sósias e sósias dele surgirão.
A TV, principalmente, dá-nos a impressão de que a fé pode ser terceirizada, de que, ao estarmos atentos à palavra cristã, já dissuadimos Deus de todo mal que cometemos. É um bem unânime estar perante o Papa Virtual, diante da missa virtual, diante da hóstia virtual.

Fatalidade

Por que não houve perdão? Por que você se iniciou em cirurgia e viu-se incurável? Por que se matou, menina? A ciência da psique evolui em tempo imensurável, por que não lhe esperou, hein?

11 de maio de 2007

Morte morrida, morte por auto-sugestão

Às criaturas mais comuns, morrer de morte morrida sucumbiu ao trânsito da obviedade. Obviedade esta que, equivocadamente, existe na Natureza toda. A árvore é óbvia, o pássaro restringe todo seu discurso naquela estampa e na destreza de voar e cantar, as frutas são todas óbvias. As genitálias são óbvias. Os excrementos são óbvios. A Terra passa por uma crise de preguiça mental... Terceirizam os pensamentos a todo instante: no jornal, vendem-se monografias, precinho especial neste meio de ano.
Presunçosamente, digo que a morte morrida não culmina em grandes repercussões, porque ela ocorre em série. As coisas que acontecem assim, de praxe, tendem ao clichê, ao costume comum.
Entretanto, àqueles mais curiosos, mais atentos ao verbo da existência, morrer não é tão simples quanto disponibilizar uma fruta que se catou em um pé e destiná-la à capacidade de o sentido sentir. Morrer é o mistério vital, morrer é talvez a ignorância da condição das coisas antes de serem vida. Quem morre sempre é elevado a patamares heróicos. Os mortos sabem, afinal, de uma verdade que nos é hipótese ou que sequer cogitamos.
Pensemos na morte! Na morte morrida, que, em tanto momento, corresponde a uma folha que se quedou, mas ninguém a avistou. Respeitemos todas as criaturas que não resistiram antes de nós. Elas têm segredos divinos, preste atenção!
Agora, existem mortes que equivalem ao estopim de um desespero, de uma caverna toda embaçada, impregnada de agonias. Alguns, perante essa situação, apelam a sessões imensuráveis em um analista; outros, mais radicalmente, matam-se. Já existem manuais de sugestões e até apologias ao suicídio. A ciência pode ser seu próprio assassino, a tecnologia, os mares, as alturas em sociedade com a gravidade. Jovens se matam em devoção a um amor unilateral. Jovens se matam porque têm medo de se meter na vida e lhe ser rejeitado. Adultos se matam por causa da solidão. Matam-se por conta de frustrações-metástases.
O suicídio, em geometrias mais extravagantes que as mortes convencionais (ele fez o óbito!), promove efeito genérico entre as pessoas. Espanto, perplexidade. Equipamento de coragem, desafio em terras gringas. Parece que a vida é inviolável e, no entanto, há os ousados, destemidos que transgridem a emanação cósmica por um ato covarde, desesperador.
A sociedade eleva-se a uma reflexão em uníssono. Calam-se-lhe os assuntos, extirpam-se os compromissos. O mistério do Fim vem ao nosso encontro, fatalmente. É assustador irmos ao encontro do fim, em uma peregrinação voluntária. Pré-disposição à morte. Ou à vida. A uma outra cultura vital.

9 de maio de 2007

Solidão

Existe uma plêiade imperceptível aos sentidos, que nos vem de nascença. A gente deve-lhe todas as nossas frustrações. Ela é a mestra. Os nossos regozijos, só ela sabe o quanto. Por a plêiade não ter esboço, não ser um organismo comum, vivem por aí reclamando de solidão.

6 de maio de 2007

Convidada

Não estou com o atenuante de um grupo, da família, sequer de uma pessoa me ladeando para a aparição. O legal seria se eu chegasse bem cedo ao encontro, oferecesse meus préstimos aos anfitriões, mas não lhes sou tão íntima assim. Transgredir demais o horário é extremamente vexatório, as pessoas se desconcentram de seus assuntos perfeitos, e dos sabores das iguarias e da cócega do álcool e pousam o olhar sobre nós. Vou dar uma meia hora e, aí sim, rumar ao evento. Fui convidada à sociedade das expressões. As pré-estréias são um alfaiate precavido, que costura roupas em muitos talhes diferentes. Ele mune-se de toda a ferramenta trivial para um sucesso promissor. Às vezes, ainda assim, se equivoca. Mas, temendo ou não, topo o acordo. As adrenalinas, afinal, é que aceleram a peregrinação à serenidade.

3 de maio de 2007

Esporte Radical

Não existe veredicto aos sentidos e aos sentimentos, embora, a certos, arrumam-se alguma analogia, correspondência. A tristeza entra por uma fresta deixada pelo relapso dentro desta casa. A tristeza é vitalícia. Entrou e, uma vez pousada sobre organismos do âmago, torna-se imponderável.
Quando o inesperado ou o improvável submete-se à temperatura do nosso corpo, à condição da nossa matéria, enfim, nada do acervo humano é capaz de reconhecê-lo. Apenas o sente. E o sente sem respaldo algum. Arrepia-se ao vácuo, sem paredes a acolher e a confortar. Ser laboratório de sentimento é arriscar-se em aventuras demasiado radicais.

1 de maio de 2007

Esfera

Do seu nome, radicado na tela do computador, emanam os quadrinhos que, com ou sem arte, há em torno de nós. As páginas todas se exibem em uma esteira extremamente veloz; não consigo compreender tudo, mas sobressai uma melancolia imensurável. Que é esférica e que fica presente em dois de meus mundos: no meu eu e no meu nós.

Saudade

A saudade escapa de todas as nossas habilidades à compreensão de certas coisas. A tentativa de compreendê-la inicia-se e, à medida que evolui, as bases vão se rompendo até o momento de imprescindível recomeço. Recomecemos, portanto!
A saudade é radical à beça. Ela não aproveita da capacidade do cérebro de idealizar o corpo que se esvaiu. Quero corpo presente, ainda que em silêncio. As viagens virtuais e aladas da psique são desprezadas pela saudade. Ai, desisto dessa eterna adolescente em crise de identidade.

Pane mental

Conquistas, frustrações, afinidades, tédios, arquivo de conhecimentos. Acervo psicológico. Sociedade da mente. Vida útil mais provável: duração da minha própria consciência. Intempestivamente, surgem-me extirpadores de toda minha vida íntima. Morro. Fico oca ou com águas paradas. As águas paradas, de praxe, são imunes às próprias vidas e entregues à marcha de químicas nocivas, de ventos destruidores, de calores danosos.

Psicose

Uma psicose é uma vida patenteada por Deus? Vida essa que a gente, ser humano, não consegue alterar por nada? Vida genérica, dona de si, impenetrável? Representantezinha da mensagem de idiossincrasias do Mundo?