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30 de junho de 2010

O soco

por carolina fellet

Ana Cecília fora configurada – por Sula, sua mãe, – para agir com diplomacia sempre. Contrariar a expectativa de um interlocutor qualquer era uma infração gravíssima dentro da constituição da família.
Com isso, a menina cresceu regida pela obrigatoriedade de ser infinitamente supereducada perante as circunstâncias – o que lhe ameaçou o alcance dos sentidos.
Até os vinte e poucos anos, recebia as pessoas e as situações que lhe interceptavam a vida sem tecer-lhes críticas nem lhes apresentar resistência. Porém, à medida que paulatinamente foi violando a dimensão do mundo adulto, numa mera inclinação à própria natureza psicológica, agiu conforme um palanque que empresta o megafone às impressões que lhe trafegam. Adeus ensinamento de dona Sula. Abaixo a diplomacia.
...
Já bastante aconchegada às medidas da estação “adulto”, nas férias de 2008, Ana Cecília – neste momento com 28 anos – preparava-se para um baile de formatura de um amigo muito querido.
Marcou cabelo e maquiagem no salão, comprou um bolero de pele de coelho para compor o vestido de gala e proteger-se do frio de julho. Encheu-se de boas expectativas, inclusive a de conhecer um rapaz cheio de predicados, já que estava solteira fazia cinco meses.
A maratona de ir para salão fazer cabelo e maquiagem aliada ao período pré-menstrual culminou em enxaqueca.
Apesar de ter ojeriza a remédios e seus efeitos colaterais, Ana Cecília se rendeu à possibilidade de serenidade (biônica) trazida pela Neosaldina®. E seguiu rumo ao tão esperado baile.
Os movimentos de pescoço seguidos por uma pausa vindos de alguns rapazes em direção a ela fizeram-na sentir-se bonita. E olhares lubrificados com desdém oriundos de meia dúzia de mulheres fizeram-na sentir-se ainda mais bonita.
Porém, essa zona de conforto durou apenas os 45 do primeiro tempo.
A moça estava enraizada na pista de dança – através de movimentos ritmados conforme a música – quando, subitamente, um careca superbaixinho – não alcançava o busto de Ana – e superestranho a abordou e, na frequência da azaração, balbuciou-lhe dez palavras elogiosas.
Para uma mulher bonita, embonecada, regada a perfume importado, a abordagem teve o efeito de um soco. O careca estranho se equiparou a Ana Cecília, já que ficou confortável para cantá-la. Em contrapartida, ela sentiu-se a estranheza em carne e osso.
Imediatamente, correu para o banheiro do local, procurou um espelho para tentar achar onde estava o erro contido na própria estampa.

27 de junho de 2010

por carolina fellet

Loiras vivem em função de sua loirice. Então, os homens as escolhem, porque o atalho para se lhes chegar é simples.

25 de junho de 2010

por carolina fellet

Devo ter cara de embaixada. Só pode!
Gente vem falando francês comigo. E inglês. E até sânscrito.

23 de junho de 2010

Profissão

por carolina fellet

A importância da profissão na vida de uma pessoa vai muito além de subsistência. O efeito moral - positivo - é o maior triunfo de quem tem um emprego.

A derrota

por carolina fellet

Ninguém está preparado para a derrota. Principalmente em se tratando de território amoroso. A natureza selvagem e inerente a qualquer um de nós fica completamente ameaçada.

20 de junho de 2010

17 de junho de 2010

Para o F.M.

por carolina fellet

Querido F.M.,

Já tem uns 12 anos que você transita pelas áreas mais privilegiadas da minha memória. Ou seria da minha vontade? Sei que o englobei para mim involuntariamente talvez. Assim como meu sentido acata a propaganda da Coca-Cola®. No emaranhado de compromissos, sentimentos, ímpetos, correntezas contrárias à vontade do meu cerne, existe um espaço que o aconchega, ainda que eu não faça opções.
Depois desse tempo todo de sentimento unilateral e platônico, como no videogame, consegui sair da dimensão da perspectiva e trazê-lo para bem perto de mim; para dentro da minha boca e dos meus desejos, neste momento, repercutidos em eletricidade no corpo.
E ai foram dois encontros surpreendentes. O primeiro menos que o segundo. E uma pane aconteceu no desenrolar dessa história que mal teve fôlego para começar. Você se esquivou das minhas vistas, embora esteja inteiriço e incrustado nas minhas moléculas. Não resisti e lhe enviei uma mensagem. E um silêncio turbulento me veio como resposta. Isso não tem tanta importância. Eu confesso-lhe que gosto de me enfurnar em áreas de natureza desconhecida. E um namoro de quatro anos me deixou muito amortecida para vários impactos dessa vida.

15 de junho de 2010

Copa do Mundo: sentimento universal

por carolina fellet

Quem gosta da profissão é assim: canaliza o suco das experiências ao próprio ofício. É praxe um empresário vislumbrar lucro em tudo; um professor de português corrigir – ainda que mentalmente – os erros ortográficos das placas de trânsito.
Com um pretenso-escritor não é diferente. Tudo lhe serve de matéria-prima para um texto promissor. Conversa fiada, situação embaraçosa, primeiro encontro, corrupção, o grotesco e, obviamente, o auê trazido pela Copa.
Sob um efeito manada, ignorante do porquê, embora volúvel como a água, fico superempolgada com a seleção brasileira nessa época. Empreendo minha adrenalina, minha expectativa e concentro todos os meus instintos e ímpetos no molejo da bola.
Depois que a partida termina fico pensando: por que é que a vibração com o futebol permanece dentro de mim como uma habilidade nata, ainda que não o seja?

13 de junho de 2010

O que angariei no Dia dos Namorados

por carolina fellet

Se eu estivesse namorando provavelmente não conseguiria perscrutar o que acontece com os enamorados na data que os homenageia. Já que estaria envolvida em comprar presente para o parceiro e em me embonecar para o encontro - sempre promissor - que acontece entre os amantes nesse dia.
A solteirice me possibilitou uma “supervisão” e, por conseguinte, um bom balanço sobre o 12 de junho.
Uma rápida pesquisa no Google me trouxe à luz o porquê da comemoração. É que as vendas caíam muito nessa época do ano e os comerciantes, sempre salivando lucro, inventaram a campanha: “presenteie quem você ama”. Como brasileiro é prolixo para interpretar texto, ele não só presenteou o cônjuge com uma joia ou algo equivalente, como também foi para restaurante e motel. 12 vezes sem juros.
Quantos e quantos ex-namorados não estão pagando contas de um namoro que já é pretérito? Uma arrastação de cadáver danada.
E as portas de restaurante? Abarrotadas de gente megaproduzida e pronta para declarar um amor cheio de tropeço embora, neste momento, travestido da melhor das boas intenções.
Engarrafamento nos motéis. Haverá, com certeza, uma série dissonante de gozos por ali. Namorados que exageram no timbre a fim de corroborar o amor que sentem pelas parceiras. E namoradas com a melhor lingerie. Com a melhor performance e dançando creu na velocidade 100.
Dia dos Namorados é presentear, jantar e transar. Ô vidinha de rato!!!

8 de junho de 2010

por carolina fellet

11 de junho. Última chamada para as solteiras. O embarque para o universo conjugal está prestes a acontecer.
por carolina fellet

Ana Carolina. Até chegar a mim, acho que já acabou o combustível. Afinal, é uma rodovia grande: a-n-a-c-a-r-o-l-i-n-a. Por isso, sou praticamente obrigada a adotar o "Carol", pelo qual tantas cadelinhas de madame também atendem.

Ensaio empírico sobre Brasília

por carolina fellet

Quem mora adora. Não trai por nada. Podem oferecer a beleza do Rio de Janeiro com a passividade de uma cidadezinha do interior de Minas Gerais a um brasiliense que ele não emigra da própria quadra.
Ir a Brasília pela primeira vez – já se somam 10 anos que o fiz – equivale a desvirginar algumas regiões até então latentes nas vistas. As construções são supergrandiosas, a natureza – salvo nos períodos mais secos – é multicolorida. O céu. Ah! O céu de Brasília. É “traço do Arquiteto”. Parece que o azul está mais próximo da gente; querendo nos tocar; misturar as dimensões; nos transportar à carne do Infinito.
Os shoppings são povoados por atrações que são ovacionadas em todos os cantos do mundo. Tem loja da Louis Vuitton, restaurantes com filiais esparramadas pelos quatro ventos, butiques super-requisitadas.
Em contrapartida, há uma cólera alojada nas moléculas da cidade. O luxo talvez seja seu principal estimulante: carros megaluxuosos, roupas estilosíssimas, botox que desafia gravidade e degradação do Tempo esmagam os cidadãos. E deixam seus interlocutores (leia-se “visitantes”) com a sensação de estarem dialogando com alguém que usa lentes de contato e que, portanto, esquiva-se da própria essência.
Ser cigano na capital federal me parece muito promissor, haja vista a carência da população local no que concerne a valores mais metafísicos como misticismo.
Será que o edital para videntes já saiu por lá? E qual será o salário inicial?

2 de junho de 2010

Arrumar mala

por carolina fellet

Em criança, o processo de arrumação de mala lhe causava angústia. É que, em sua cabecinha, a vida já havia automatizado. De repente, a vulnerabilidade que a bagagem sugere a amedrontava. Imagine. Castelos da Barbie®, coleguinhas da escola, lugares a que estava acostumada a ir, cheiros, sorvetes caseiros. Tudo ficaria longe de sua percepção; estacionado naquela cidade que ela deixaria rumo a um lugar todo novo onde passaria as férias.
Essa impressão acompanhou Alessandra por muitos e muitos anos. Boa parte da vida dela foi repreendida por esse freio dissonante.
Um dia, já adolescente, na aula de ioga, ela meditou profundamente e conseguiu chegar a uma superconsciência da Vida. Até perceber que não tinha as rédeas da própria existência, nem o domínio do tempo. E acalmou-se, doando-se à gravidade das coisas importantes mesmo.

1 de junho de 2010

Discurso indireto

por carolina fellet

Muitas e muitas pessoas são tão prolixas para se expressar e agir. Eu me incluo nesse rol...
Dia desses, conversando com um primo, ele me contava que a namorada dele havia lhe dado um terno muito bonito de aniversário. A tônica da questão nem era o cortejo, e sim, a necessidade de a roupa ser submetida a alguns acertos, já que estava larga.
No final de semana passado, a manicure me ligou para mudar o horário da unha. Em vez de simplesmente me perguntar se eu poderia ir às 17h, pormenorizou a confusão em que se encontrava sua agenda.
...
Há dias aguardo o momento oportuno para dizer-lhe tudo o que sinto. Enquanto isso, de centímetro a centímetro, vou me inclinando para o fim.

O primogênito

por carolina fellet

Não sei por que tantos casais insistem em ter filhos aos cachos, se é sempre o primogênito o maior destinatário do amor deles. O primeiro filho é quem desperta nos pais a química da paternidade; é quem os faz vencerem inseguranças mil.
Doses diferentes de carinho emanadas para os filhos geram muito mal-estar.
Caso o amor seja todo empreendido no primogênito, nada melhor que a mãe recorrer a pílulas, DIU, adesivos de hormônio com efeito contraceptivo. Para poupar o mundo das radiações da carência.

Família... Ah! Família

por carolina fellet

O ideal seria a permanência em alguns graus da infância. Nesta fase, como quase tudo é novidade, as vistas e percepções em geral não são afiadas para qualificar as situações e experiências. Não se tem a delimitação correta que discerne o bem do mal.
À medida que a consciência perante a vida vai se apurando, os problemas começam a surgir. E a reação a eles, inevitavelmente, vai sendo sintetizada dentro da psique. Nada passa ileso pelo processamento da razão. Nada.
A família de Cristiane vivia pacificamente. Mais pelo silêncio que imperava entre eles do que pelo grau de civilidade que lhes era próprio. A partir de um dia a princípio comum, sob uma luminosidade metafísica, em um dos irmãos de Cristiane, surgiu uma rixa com o pai.
Esta dissonância implicou muitas modificações na ambiência familiar. Nada passa ileso pelo processamento da razão. Além de os defeitos do pai virem à praia da lucidez, outras discordiazinhas foram levantadas pelas irmãs de Cristiane para que a guerra se firmasse contra o primogênito.
Toda a aragem remota da infância agora era um fóssil tão cobiçado e necessário.
por carolina fellet

Dedicar palavras – principalmente escritas – a alguém é como dar-lhe um pedaço do próprio coração. Cheio de correnteza de sentimento, ímpeto e emoção.