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28 de novembro de 2007



O metabolismo do Cosmo


Pneu.
Indumentária.
Até uma arcada dentária,
Para um odontolegista avaliar.

As irmãs voltavam do Rio a Juiz de Fora –
Na Zona da Mata Mineira.
Uma, absorta diante da seqüência de músicas de uma FM;
A outra, perscrutando o que a ladeava...
Desde os cacoetes dos outros passageiros do ônibus,
A mil hipóteses aos destinos deles,
A tudo que habitava as águas da saída da cidade maravilhosa.

Tudo está encarnado.
E em movimento de decomposição.
De quem acaba de nascer, ainda que cresça,
E que tenha idades bem sucedidas,
É tirada uma lasquinha todo dia.

O orgânico esvaiu-se a meu sentido,
Mas as vestes se delongam perante o processo do fim.
A traiçoeira forma viva sucumbe,
E as nossas alquimias duvidosas
E as nossas empreitadas entregues ao provável nos superam.

Os sentimentos, ah! os sentimentos.
Cismam cada um ter o seu,
Sob as modas que lhes convêm.
Mas as expressões são uníssonas,
O Homem são cachos idênticos por dentro.

Atenção, passageiros,
Estamos a cinco minutos da rodoviária de Juiz de
Fora.

Nike Shox


Perdão a todos os portadores da doença do consumo, da qual se terá mais conhecimento daqui a um bom tempo, quando as enciclopédias registrarão - com propriedade para fazê-lo – as conseqüências mais mórbidas dessa mazela, mas não posso deixar de comentar, ainda que eu não tenha know how em patologias, o mais novo lançamento da Nike.
NIKE SHOX é o batismo do par de tênis, cujo design me alude a tudo que transcende o Cosmo. Como se não bastasse a estampa do calçado, existe um advento em sua sola: dois, três ou até oito ou até enésimos pares de molas que – a princípio – garantem o amortecimento às caminhadas.
Eis que estava ao calçadão de Juiz de Fora, cidadezinha famosa pelo bumbum da Scheila Carvalho – filha de uma senhorinha muito simpática que vende churros em eventos; dançarina de uma antiga banda de axé e casada com um não importa, o que interessa é que, na cerimônia de casamento, ela - a Scheila - apareceu sobre um grande tabuleiro, como uma cocada preta fresca ou um pão-de-ló esturricado, mantido à força de quatro seres brutos, ou quatro seres humanos com bíceps, tríceps... E famosa também pelo alto índice de suicídio, haja vista os tantos predicados da querida jota éfe.
Recapitulando... O calçadão
Um moreno de um metro e oitenta e três, cabelos negros e grossos, cútis impecável e layout regozijável: tórax muito bem esparramado, pernas tonificadas etc e tal portava um par do Nike Shox, o que lhe garantia mais uns cinco centímetros e, indubitavelmente, muito conforto e exuberância também.
Sabrina hesitou um pouco. Todavia, encorajada pelas próprias circunstâncias por que já passara, aproximou-se do moreno (que provavelmente atende pelo nome de Mauro, não há batismo mais másculo!) e lhe perguntou, com seriedade postiça:
- Quando é que você irá saltar? Afinal, qual seria a proposta de se pisar sobre uma mola, senão a de pegar impulso e ir a uma distância vertical?

23 de novembro de 2007

Menino Moderno


Ao telefone:
Pô, cara, não acredito que tu não conseguiu levar a mulé pra sua casa.
Va-ci-loooou, velho.

A poucos segundos do bate-papo,
a mãe do que se lamentava do lado de cá do celular veio buscá-lo.

O garoto entrou no carro, sentou-se, sequer se dirigiu à mãe,
Pousou os olhos numa menina bem magrinha,
Cuja cútis lhe pareceu singular e
Cujos seios durinhos extravasavam o tecido da blusa.
A mocinha parecia esperar por alguma carona
E lhe serviria de estímulos noturnos, virtuais e voluptuosos.

Os valores de Arnaldo – o tal rapaz – jamais cogitaram arriscar-se
Nas culturas de sentimentos - que não os postiços -
Que o incumbiam, falsamente, de Vinicius de Moraes,
E que o faziam sentir amante perfeito, que ama muito

E muitas.

Prateleira de frascos vazios.
Os jovens todos sucumbem às bússolas mais primárias da condição humana:
Cardápios, corpos, corpos, corpos, cardápios e mímica das projeções mais contemporâneas da sociedade
.

18 de novembro de 2007

Seu Salvador

Nestes últimos dias, sem prévias radiografias que acusassem o crescimento do desequilíbrio, a brisa que embaça e que nos é inerente, que não nos deixa enxergar a própria situação se excedeu. Perdi-me de vista, perdi meus sentidos, meus desejos... a gravidade tornou-se um redemoinho de itens de uma lista repugnante.
De-ses-pe-ro.
O meu amor não mais me vale de entorpecente. As leituras voluptuosas não prestam.
Todavia, em uma comunicação que transgride territórios e relógios, reconheci-me em outro. Permiti-me tarjas-pretas e outros venenos antimonotonia. Não consigo ser crua... Talvez se fosse encarnada como um rochedo, quem sabe?
Obrigada, Seu Salvador.

17 de novembro de 2007

Leão

Na relação deles ainda não havia penetração.
Línguas, atividades artesanais, deslizes com a palma das mãos sobre a cútis.
Ainda não havia penetração na relação dos dois.
De um lado, muita inteligência. Inteligência é chique, é vital, é sadio, é medalha, é prática de ioga, é apetite, é lascívia pura.
Do outro lado, leão, que come viva a outra carne e depois se aquieta, com vazies
, sem ecos, sem patrimônio após tantos esforços. E o consumismo desenfreado de comprar vinte e sete peças de roupas na mesma data e estendê-las como a natureza morta sobre a cama. Depois, ir tomar um banho, pôr a mesa, avisar da hora da refeição, assistir ao telejornal, implicar porque não se consegue silenciar e viver o nada. Morrer, morrer um pouco por dentro, uma vez que é assim a fatalidade.

16 de novembro de 2007


O quantum começou.
Assim, a morte já está bem viva, à espreita.
Nos quintais, nos céus, na apneia, no dedo prestes ao tiro...
Ao tiro suicida.

Ah! Como a morte está bem viva.
E como ela é a grande natureza heterogênea
.

9 de novembro de 2007

Marcha Nupcial

Casamento?
Eu tô fora. Domesticar gente grande demanda uma árdua dedicação.
E o choque de culturas?

Ele adora falar ao telefone, justamente na hora do programa mais bem bolado do GNT. A casa é pequena à beça.
Ele e a família têm o hábito de chegar de e ir a sem avisar.

Na primeira vez em que, involuntariamente, participei desse conchavo anti-etiqueta, Arnaldo – o ex e único-ex (espero não ensandecer novamente!) – acordou e me disse: benzinho,vou te levar a um lugar de que irá gostar bastante. Como quem confia na retórica de um político em audiência pública, lembro-me – até me eriçam os sentidos – de ter ficado demasiadamente empolgada; para onde ele está me levando?para um lugar farto de natureza... A essa hora e pelo que eu acho que ele sabe de mim: para um lugar descampado, só pode.
Algum asfalto pretérito. Algumas vegetações quase inexistentes, haja vista os olhos que a deixaram escapar e tal. Algum gado solitário. Alguns episódios exclusivos ao casal. Enfim, o marido foi acomodando o carro próximo a uma vila. Desceram do carro... ele abriu a portinhola do povoado... andou a distância de três fachadas de casa e bateu campainha. À mesa, primos já proliferados em outras gerações. Um almoço lhes esperava. Gisele, a recém casada, constrangeu-se toda, ofereceu os préstimos à anfitriã e foi tragada por uma catarse. Esta situação não tem nada a ver comigo, detesto encontros invasivos como este, essa senhora deve ter acordado cedíssimo para preparar a comida, eu sequer a conhecia e estou na casa dela, gozando do labor dela, isso não é justo. Uma parte do Inconsciente tentava dissuadi-la. Pretensão vã.
A libido já não vinha com tanta naturalidade. As palavras morriam quando pisavam a superfície da língua. Os agrados correspondiam a gestos altruístas, mas não deu para estender o ato postiço. Comunhão parcial de bens.