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31 de julho de 2005

Ganhei uma tartaruga

O mesmo enigma que se vira com a minha vida é o mistério que encobre a dinâmica da tartaruga e sua natação perfeita. Tão estranho o monstrinho que não sucumbe à força dos mares. Mais um fantochezinho ao Acaso. Um medo sem consciência. Um instinto de que não se sabe. Um meio de a infindável Vida se manifestar. Quanto será que ainda existe de vida? Quanto tem de vida querendo ser vivida? Eu se fosse vida, escolheria ser árvore num campo virgem. Num campo que ficasse incessantemente à mercê de mim mesma se manifestando em outras caras: Céus, ares, chuvas e sóis tímidos.

29 de julho de 2005

Gentileza

Grande gentileza é a chance de viver
Não apelei por nada
E, ainda assim, deram-me o mundo
Maior filantropia é a vida.

Filantropia sem anúncios em jornal
Filantropia desprovida de vaidades.

Palmas à vida.

A qualquer coisa que é

GENTE: Palco à manifestação do Mundo. Palco com chão incessantemente modificado.
Palco às diferenças. Palco a tudo. Não sou. O mundo é que, ousadamente, me é. O mundo me é brigadeiro. O mundo me é o cheiro de tinta fresca. O mundo me é Bach. O mundo me é a beleza que constrange. O mundo me são cólicas horrorosas. O mundo me é grande nostalgia e rara vaidade. O dia em que o mundo quiser, ele não mais me será.
Se fosse por mim, eu não seria o mundo assim. Eu seria o mundo antes. Ou seria uma árvore: Também palco para as manifestações suspeitas das cores e das formas. Eu gosto de ter livre acesso a tudo. Gosto de ser transeunte.
Eu acabei sendo, talvez para dar chance a amores ganharem verbo. Acabei sendo para que as lágrimas pudessem ser. Acabei sendo para assistir ao espetáculo indecente da rosa se exibindo. Acabei sendo a fim de idealizar com mais realce o que, duramente, é real. Sou, na verdade, a total entrega às manobras do Tempo.

28 de julho de 2005

Coisas

Faço meu mundo: Seleciono folhas e céus. Vivo a clausura do Paraíso. E, depois, um sopro vindo do mesmo nada que dita as modas da alma, apaga tudo que estava na lousa. À mercê de olhos alheios.

Fugacidade

Tão pequenas minhas pernas
Tão anêmica minha chance:
Posso fazer esculturas com o tempo futuro
Mas meu fôlego não o alcança.

Mamãe Natureza grita:
1,2,3 e já:
Processo,
Está pronto: Pode viver
Desgaste: Manobra do corpo
Fadiga à alma
Perde-se o Mundo.

Perde-se a chance de estar
E estar, de vez em quando,
É bom.

27 de julho de 2005

O Elemento Fogo

Nunca um instantâneo foi tão presente como no fogo. Fogo: Imediato calor, imediata cor, imediata dinâmica, imediata velocidade. Viver é um grande experimento. Nada é concluído e sempre tudo está disponível. Disponível a acontecer. Disponível a incumbir-se com este feixe que faz a vida pronta viver de fato. Fogo: A identidade com a libido que surge e se alastra à consciência, ao corpo vivendo incessantemente. Somos encarregados da natureza. E, quando enfim se adapta ao mundo, às tristezas, às boas sensações, é a hora de dar chance a novas safras de coisas e de gentes e de seres viventes.

26 de julho de 2005

Grande concorrência

Quais essências são ávidas por este experimento que é a vida? Chega-se já sendo. E degusta-se o mundo amiúde. Com gosto ou mesmo indigestão.

24 de julho de 2005

Hoje

Hoje já está virando antigüidade
Amanhã o hoje já será coisa concluída
Hoje não.
Hoje ainda está tudo virgem
A se descobrir
A se fazer
A se constatar.

A alma está sendo delineada
E somente depois deste instante
É que se conclui o que se foi.

Hoje é o vento que se sente
Com o sopro.
Hoje é a conseqüência.

Hoje é a maior afirmação
De que se está vivo ainda
Acordei!
Mais incumbência ao Tempo.

Acústica

Força das entranhas
É o som.
Balde pesado que sai do fundo do poço
Esforços tênues
Desgaste íntimo.

Quanto véu sobre o nosso som
Não estou mesmo sozinha
A Natureza é infindavelmente viva
Em mim.
Neste mundo que me é.

Meu som.
Tambor de veias, esqueletos
Minha voz... única
Os bastidores do som
Da voz.

Minha interseção com pássaros
O que inspira a invenção de um piano:
Deus personificado.

Deus sou eu com este mundo
Em dinâmica íntima.

E tudo do homem
São deuses personificados.

Queria entender o esforço
Que permite meu verbo
E os ouvidos, ouvem sem preço.

A voz demanda labor.
E o som é um átomo de deus.

15 de julho de 2005

Meus sisos inclusos

Desconheci minha natureza. Desconheci o que me era. Dois sisos a tirar. Nada de pânico. Nada de medo. Nada de ansiedade. Apenas matéria-prima para a razão manipular. Fiquei dias a pensar na timidez de meus dentes, na brancura, na rigidez, na origem. Principalmente na origem dos dentes. A Natureza, coitada! tão incumbida. Tantos e tantos a crescer. Tantos e tantos a nascer. Tantos e tantos em início de calvície. Tantos vermelhos a tantas rosas. Tantas formas e pouquíssimos erros. Tantas águas a movimentar. Tanto vento a ventar. Tanto sol a esquentar. Tantas menarcas. Tantas menopausas. E a Mãezona preocupou-se com meus sisos. Ela é o melhor exemplo de simultaneidade. Enquanto o corpo cresce em mim, ele murcha num desses atletas do tempo. Enquanto a felicidade é moda à minha razão, o desespero paira no corpo de um coitado. Quanta digressão.

13 de julho de 2005

Solidão

Uma nova existência culmina numa nova solidão. Em nova fonte de cores de onde se pode tirá-las. No sabor e no reconhecimento do sabor. No odor. No semblante do mundo. No barulho do mundo. Ser novo é a conseqüência de grande concentração da Natureza. Atingir a condição de ser é um privilégio.

Viver: O Destino

Viver é o meu destino. Eu poderia ser matéria não-viva; aliás, matéria viva a quem realmente tem vida. Uma areia, por exemplo, que é vida a mãos, a pés de um vivente. Tudo sai do mesmo e grande balaio. E por que é que eu fui incumbida?
Há o que vem para exposição. Como um rubi. Como uma esmeralda. Há o que vem para ser processado. Como uma flor atingindo a condição de árvore. Há o que vem como fantoche. Um sapo vivendo o que vive nele. Há o que vem como palco à manifestação do mundo: Eu, você, ele, ela, nós, vós, eles...
Antes de eu existir o mundo era latente. As cores não eram porque meus olhos ainda não eram. O som não era nem silêncio. O som simplesmente não sucumbia à escuridão de tudo que ainda não existe. Mas a escuridão existe. Não consigo imaginar o que é que não existe. Como será a não-existência? O sabor era a insipidez. Mas esta é mero repouso bucal. Talvez a maçã fosse só um esboço. A fragrância da noite passou a ser, de fato, depois da tarde em que eu e o mundo resolvemos ser um uníssono. Enquanto eu não era a vida, não sei qual era a incumbência do mundo.

9 de julho de 2005

Nada

Leveza virgem ao peso dos momentos.

Tapeação

Existem sensações que preferem o celibato. Ainda assim, insistem em lhes arrumar companhia. Ao tédio dão toda a arcada, na tentativa de, com mandíbulas em pura dinâmica, fisgar uma felicidadezinha.

O mais novo superlativo à literatura

Dia insosso aquele. Ali estava eu: Entregue ao tempo - que se consumia meramente; que sequer esbanjava o azul renovado do dia-após-dia.
Tempo anêmico. Sentimento anêmico. Pilha de jornal lido, manipulado, estuprado. Total desinteresse. Estava vivendo tudo que me vivia. E tudo que me vivia estava frígido.
...
(Mamãe): -Carolina, olha aqui no jornal: Uma matéria sobre blogs.
(Carolina): -Rapidinho mãe, tô ouvindo música.
(M.): -Tá aqui separado o jornal.
(C.): -OK! Daqui a pouco eu leio.
Carol reserva o som a um outro feixe de instante. Vai para a sala e avidamente lê os aplausos aos textos de Danilo. E depois lê alguns trechos de Danilo. Trechos que são decotes a rapazes libidinosos. Sucumbe. Vai à grande caixa de textos do Danilo. E apalpa aquele dia como uma boa fragrância se faz sentir.

www.danilozero.blogspot.com

4 de julho de 2005

Grande balaio

À espera do meu ônibus. Fluxos das filiais de todos os lugares indo e vindo e quebrando no meio do caminho. O Brasil ali, esperando um conserto rápido. O Brasil querendo chegar em casa. O Brasil cansado do trabalho redundante. O Brasil em trapos. E eu distante. Equivalho a toda a quilometragem diária da linha 526. E isso em átomos de segundo. Vi uma jovenzinha a ostentar sua linda barriga. Acho que ela está na idade do excesso de libido, da demanda de auto-afirmação. Um velho atônito neste mundo de novas gentes, de sínteses simultâneas de gentes. Ele é um mártir que não sucumbe ao tempo. Com certeza, já viu a arquitetura se mudar. Já foi à última hospedagem na Terra de um grande amigo. Já tem deficiências orgânicas. Tem que se salvar um pouco todos os dias. Quanto do mundo já se perdeu e ele, o velho, o sr., o que um dia já me foi também, continua concluindo seu tempo. Quando meu tempo for o dele ele terá se tornado um buquê de nem sei o quê.

Às claras

Ser, de fato, é tudo que se vive por aí
A onça não é dinâmica a se admirar.
A onça é a vida do seu pêlo,
A onça é a porção de bravura
A onça é o berçário,
A maturidade,
O poder bandido de seus dentes.

O sapo são verde e marrom
São o movimento sempre presente
São a elasticidade
São olhos atentos.
O sapo é um incumbido de amostras.
O sapo é a vaidade de um experimentador.

As pétalas reprimidas são a margarida
As pétalas respeitando o círculo
Ego de alguma professorinha mal amada
Que manda em nome da estética da ordem.

Minha voz é uma fatia dos sons disponíveis
Meu pensamento é o moinho que me foi cedido
Desde que vim a este Estranho
Meus cabelos são as infindáveis safras de ninhos
Meus olhos são o observatório do mundo
Do mundo em sua escala original.
Estranho!
Arranha-céus gigantes e olhos tão pequenos
E estes vêem aqueles em tamanho real
Meu ar: Uma discórdia involuntária
Precisa-se viver.

E quando se precisa de vida
Há sempre o que se respirar
Viver é o inesgotável;
É o tudo de que não se sabe.