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29 de agosto de 2009

por Carolina Fellet
O olho é mais óbvio: reconhece a silhueta de cara. E assim são o paladar e o olfato. Já o cérebro tem temperamento difícil: precisa mergulhar dentro de si para tentar entender.

Para ler em sala de espera

Por Carolina Fellet
A morte é coisa antiiiga e ainda rende notícia.
Casamento é instituição falida, mas ainda comove.
Crianças existem aos montes, mas inauguram sentimentos nobres em nós sempre que nos lhes aproximamos.
O ápice do paladar está numa boa e velha colherada de brigadeiro ou nas memórias primorosas da língua?

28 de agosto de 2009

Gripe Suína

Por Carolina Fellet

A Vida estava saturada de fabricar o mesmo mundo todo dia: frutinha ácida, nuvenzinha rechonchuda, aguinha insípida... Para inovar, sintetizou um vírus da gripe diferentão, cuja primeira transmissão se deu de um porco para uma criança.

23 de agosto de 2009

Horário a combinar

Por Carolina Fellet

Não quero repelir as pessoas
Através dos meus mecanismos de autoproteção:
Rispidez e formalidade.

Também não quero que,
Sem pedirem licença e desculpa,
Entrem na minha casa
E abram gavetas.

Está difícil precisar minha postura,
Afiar minha dicção
E ajustar a tranquilidade do âmago
Com os novos atos desta natureza humana.

22 de agosto de 2009

Domesticando o Tempo

Por Carolina Fellet

Agora será foto.
Agora será festa.
Agora será encontro romântico.
Agora será sexo.
E o Tempo se cumprindo.

Agora será altruísmo com velhinho.
Agora, conversa despretensiosa.
Agora é a hora de o ônibus passar.
Depois, consulta com o dentista.
Até parece que se tem a rédea do Tempo.

Sobre a mesa, uma agenda,
Para antecipar futuros
E manejar o Acaso?


21 de agosto de 2009

Lição de vida no Mc Donald´s

Por Carolina Fellet
Tarde de sexta-feira nada promissora na Zona da Mata Mineira.
Ana está à toa e vai – a convite da mãe Delizeth – para o Mc Donald´s comprar uns lanchinhos. Fazendo jus à praticidade do mundo pós-moderno, elas optam pelo “drive thru” e surpreendem-se com um gesto nobre do camarada que lhes estava à frente dentro de um táxi.
O homem, provavelmente sem grande poder aquisitivo, pagou uma corrida para que os dois filhos curiosos e empolgados se divertissem com aquela pequena excursão gastronômica que é o tal do “drive thru”.
O taxista, no exercício da profissão, cumpriu o itinerário que lhe convinha e as crianças pediram os sanduíches de dentro do carro. Que barato, meu Deus.
A emoção dos dois era contagiante. E o exemplo daquele pai fez a sexta-feira de Ana se acender de bons prenúncios.

17 de agosto de 2009

Fila de formigas

Por Carolina Fellet
Queria experimentar, por um dia que fosse, ser formiga.
Conhecer-lhe a tônica da vida. Apenas para descansar um pouco desta natureza humana.
Viver para sobreviver me parece mais interessante que viver para acumular, tratar doenças e descobrir curas.
...
Curar e depois sucumbir à tragada do Sr. Fim. Estranho...
O pensamento humano, no balanço geral, equipara-se à ignorância da formiga.
Um pouco dela, portanto, eu já sou.

Grave anemia

Por carolina Fellet

Os ânimos estão esquálidos. Não sei por quê. Há pouco, recebi elogios e parecia que os sonhos deixariam de ser meras vontades frustradas e se instalariam no vasto e misterioso território da realidade.
O que é, afinal, a realidade? É o que garante a subsistência dos cinco sentidos? As sangrias que acontecem dentro do meu sexto sentido não são realidade? Quando se está em crise de felicidade nada mais eficaz que sentir – com o sexto sentido – o cheiro da própria decomposição. Daí, vê-se que a seriedade pode ser banida da vida como os dentes sisos.

Lei 245³, artigo 764²

Por Carolina Fellet

Por dentro deste corpo,
Mãos clandestinas vão tecendo
Pensamento, sentimento, sensação.

Por fora,
Quanta obrigação:
Ver céus, ouvir martelada, inalar perfume Avon®.

Que profissão difícil a de viver!

Sem preparo,
Somos jorrados do gozo à Vida,
Tendo que acatar um idioma, uma família, uma escola.

A cárie de Marilda

Por Carolina Fellet
Marilda cuida com compulsão dos próprios dentes. De seis em seis meses ela vai ao dentista com a mísera intenção de aplicar flúor e fazer uma limpeza bucal com direito a motorzinho.
Desta vez, a partir de uma olhada cuidadosa, o dentista detectou uma pequena cárie no penúltimo dente do lado esquerdo da boca da paciente. Ela, inconformada, acionou o superego, ou seja, a parte exigentíssima da psique, para listar as prováveis causas daquela obstrução, mas não as encontrou.
...
Fatigada de tanta indignação, Marilda recorre a uma rota alternativa e atribui a situação à metafísica, afinal, a mulher estava quieta e inofensiva cumprindo seu itinerário na Vida e, subitamente, o Cosmo a invade através da erosão dentária.
“Que falta de respeito! A metafísica deveria contentar-se com seu voyeurismo: ela já me conhece nua, já é ciente dos meus prazeres e frustrações, sabe exatamente dos meus pensamentos mais sigilosos. Não me conformo. Não mesmo” – reflete Marilda.

14 de agosto de 2009

Ímãs de geladeira

Por Carolina Fellet
Até hoje meu organismo me (des) homenageia com lembranças daquele queijo que estava dentro do pão de batata.

Semana de cáries, hemograma completo, sangramentos irregulares e desatino.

Meu irmão mobiliza toda a redondeza para sair e comprar coxinha de catupiry.

Enquanto a Vida vai tecendo seu infindável fio, me alieno com um pouco de literatura.

12 de agosto de 2009

por Carolina Fellet

Preciso expelir os farelos de dissimulação com a qual enfrentei o dia.
Primeiro, um encontro que me transporta a sensações de que eu não tenho as rédeas.
Depois, iluminar sentimentos invioláveis.
E, para arrematar, contar uma mentira...
Que, embora não destrua castelos alheios, me deixa muito desapontada.

9 de agosto de 2009

A gênese do Carnaval

Por Carolina Fellet

Com o que sobrou da circunstância,
Fiz meu último Carnaval.

Um olhar esperado
E frustrado na própria expectativa
Rendeu-me um verso do enredo.

A volúpia interrompida por um problema de família
Estendeu-se a mares de libido.

Fantasia.
Como compensa ter imaginação.

Senão,
Se seria apenas bicho bípede.

5 de agosto de 2009

Sobre as lembranças de vendedorinha

Por Carolina Fellet

Após quatro anos do envio do currículo,
Depois de esperanças já esquálidas e pretensões mudadas,
Gilka é chamada para trabalhar numa livraria.

Vender livros, a essa altura, não faz parte dos seus sonhos,
Mas,
Para ventilar um pouco o hábito quase maníaco de frequentar instituições acadêmicas,
A jovem adulta se entusiasma com a mudança de ares.
E descobre que trabalhar numa livraria está mais voltado à psicologia que à economia.

Cada cliente deseja um produto, mas, essencial e previamente,
Um caminho suave e amistoso para se chegar a esse produto.

Portanto, em vez de realizar vendas instantâneas ao computador,
A atenção dada ao freguês é primordial.

Quantos casos,
Quantos desabafos,
Quantas cantadas,
Quanta prepotência,
Quanta pressa e intolerância.

Ter sido vendedorinha deixou Gilka mais articulada,
Mais cheia de autoestima,
E menos aterrorizada com a possibilidade de trabalhar e se sustentar.

3 de agosto de 2009

ATCHIM

por Carolina Fellet

Quando, de repente, me faltou matéria-prima para escrever,
Eis que a Vida me aniquila através de uma gripe.

Minha parte interior, que seguia movimentada
Sob libidos, pretensões, trabalho árduo e diário,
Recatou-se com tanta discrição que eu a perdi de vista.

Meu corpo, numa intenção de se mostrar bem vivo,
Manifestou-se em dores...
Meu corpo foi todo dor.

Apesar de essa fotografia estar muito mais inclinada à morte
E a cenários lúgubres,
A gripe e a ambiência que ela causa são uma grande metáfora da vida.

Está-se – ainda que contra a própria vontade e crença – incessantemente à mercê
do invisível, do minúsculo, do insignificante... Do impalpável.