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30 de setembro de 2007

Obediência

Decidiu aposentar a cerimônia de mostrar as próprias verdades aos outros. Colocava várias de suas naturezas em uma redoma.
Isso, antes.
...
O motivo que propulsou a mudança: sou um experimento, deixe, portanto, as químicas me fluírem como manda a minha proprietária desconhecida. Mudou por obediência.

29 de setembro de 2007

Blitz psicológica


Xampu.
Vinha-lhe à cabeça o liquido semi-livre, cumprindo os itinerários que lhe surgiam. Entretanto, os frascos ortodoxos inibem a quase-liberdade da química dos xampus.
São nossas linfas enclausuradas nos nossos corpos.
Parte do conjunto de inumanos emana do humano.

27 de setembro de 2007

O professor Humbert Humbert


Os bastidores da EXISTÊNCIA materializaram-no numa realidade de poderes econômico, social, estético, intelectual e outros tantos tão ovacionados pelas pessoas. “Desfrute”! Assim o inconsciente lhe sugere existir.
Rogério, advogado e professor de alguma temática que tenha a ver com “jurisdição” (na metáfora de dizer justiça) obedece às baforadas da psiquê, não por disciplina, devoção, mas pelo bel prazer. Usa, portanto, de toda munição de que dispõe para inoculá-la em suas alunas fartas – pela própria idade – de volúpia e de encantamento com homens de boa retórica e de boa apresentação e de riqueza financeira.
Ele conta dos seus bens de uma forma que não eriça inveja nem antipatia aos espectadores que lhe dividem o ambiente, mas tudo que lhe emana é minuciosamente estudado; visa a um efeito sutil e fatal de conquista. “Deleite”.
Advogado. Rico. Poderia dividir a vida com a ociosidade agendada com viagens, estudos, descansos, festas, mas prefere as instituições de ensino: nestas, há carne nova, bustos enrijecidos, cútis impecável, nádegas redondas e consistentes e vulnerabilidade das fêmeas. “Eu quero gozar”... Assim ele disse a uma de suas mais recentes presas.

18 de setembro de 2007

Bossa Nova


O espectro da angústia de se iniciar nos pertencimentos às máximas da Humanidade o acompanhava nas viagens ao Rio de Janeiro. Ia à cidade maravilhosa respaldado pelo conforto de um carro contemporâneo aos lançamentos da indústria automobilística, pelo carinho do motorista vitalício da família e por um repertório imensurável e magnífico de Bossa Nova.
De nascença, Felício angustiava-se. Tudo que lhe ameaçava a natureza intrínseca o prostrava. Ir ao dentista e acompanhar os dias algarismados implicavam a domesticação daquele ser extenso, infindável, transcendente. Infelicidade. Os ricos inventam compromissos mil para se entrosarem com o inatingível tempo. E este lhes vira a face.
Felício superou algumas dicções da angústia; esta, no entanto, sempre o acompanha com diferentes cortes de cabelo, diferentes indumentárias, diferentes maquiagens, diferentes comportamentos postiços. Os percursos melancólicos de Minas ao Rio se esvaíram ou sofreram mutações que hoje equivalem a bobeirinhas de mente desconfortavelmente infantil. O sofrimento careca lhe trouxe resistência para caminhar de encontro ao tempo, às pessoas com suas atitudes inerentes.
A gazeta das idiossincrasias o questiona do amor – ele de fato é amado, ele de fato emana amor; da importância dele perante o Cosmo – será ele mais um mísero experimento de Deus, que não dará certo, haja vista a morte, e que não reverberará em memórias futuras? Felício é um jornalismo investigativo sem respostas. Apenas ecos, ecos e ecos.

8 de setembro de 2007

Vã Filosofia


Após um extenso e cansativo monólogo didático sobre como acontece a gestação nos mamíferos, Neide, professora de Biologia, aponta a um aluno da classe: Waltinho, com base na aula de hoje, você poderia me dizer quando é que um ser humano está pronto para nascer? Enciclopédico, com a memória seletiva condicionada aos parâmetros mais rígidos para ser um intelectual bem sucedido, fez uma perífrase irretocável ao processo ensinado pela mestra. Outras argüições foram feitas; respostas inconsistentes, respostas eloqüentes e uma argumentação memorável.
Tânia, que fora criada à base da liberdade para desenvolver as próprias inteligências, pediu à professora que repetisse a pergunta. Neide, educadamente, cumpriu o pedido. A garota posicionou a voz e concatenou, como num ensaio, as idéias que iria manifestar. Olha, de acordo com meu acervo de informação e percepção, creio que um ser humano está pronto para nascer quando ele se reconhece um ignorante de si mesmo, e mais, um ignorante do Mundo. Enquanto a gente se satisfizer com as cartas que as Ciências nos dão, indubitavelmente, a gente vai deixar de evoluir; a gente vai continuar lustrando as sabedorias raquíticas que compõem os adventos criados pelo Homem. Professora, tenho enorme respeito pela sua profissão, de verdade, mas o homem se mantém como espectador dos movimentos estéticos da vida. Tudo que nos chega pertence ao estopim das manifestações da Vida, e a gente desenvolve uma retórica (acho que a gente já nasce com ela), na qual nós falamos e nós mesmos ouvimos e entramos em um processo de concordância extremamente prático. E, no fim, ótimas noites de sono. Mente leve.
A turma estava entediada. A professora não conseguiu acompanhar a transgressão daquele discurso. O calendário continuou o mesmo. Os céus não se destoaram dos céus mais velhos. Algumas pessoas morreram, mas ninguém deixou de atingir orgasmos por isso. A vida vai se banalizando... Por isso, tantas filosofias vãs.

7 de setembro de 2007

O destino dos Destinos Incertos


Através de uma fórmula desenvolvida por estudiosos da USP, calcula-se, antes dos embarques aéreos, a provável indenização que a empresa teria de pagar aos familiares das vítimas.
A atendente:
- Senhor, infelizmente, não podemos deixá-lo embarcar. O senhor representa uma ameaça ao patrimônio do empreendimento da Vôo Mecânico®.

6 de setembro de 2007

Cargo Vitalício: Rascunho

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As faces destas próximas verdades estão prontas para um espetáculo artístico. Bailarinas simetricamente maquiadas. Verdades tapeadas pelas parafernálias do civilizado. Eu o chamo para lhe dizer verdades, mas a linguagem não reverbera como o som não domesticado de antes. Acabo lhe contando o que meu senso fajuto de perfeição me assopra. Nenhuma Ciência possui técnica de extração de verdade, da verdade de idiossincrasias. Por isso, nossa relação acabou; por uma devoção às mentiras.