Total de visualizações de página

29 de abril de 2006

Vicissitudes

Ana estava quase certa (“quase certa” depois de não simplesmente descobrir, mas sentir a inconsistência da Vida!) de que qualquer etapa da consciência fica submetida a grandes vicissitudes. Mas naquela fase; naquele incipiente momento de 2006, as vicissitudes estavam se proliferando como as pestes históricas que dizimaram gentes e gentes.
Ana, 20 anos, com muito amor e poucos parceiros-transeuntes que interceptaram sua vida, era um termômetro cujo conteúdo desvairava-se às mais baixas áreas e aos mais altos terrenos. Ana acordava feliz e tirava o dia para o sexo incansável com a alegria impensada de se viver. Ana acordava enxergando o dia, ainda latente, como uma penitência a ser cumprida. Ana pensava em suicídio, pensava em se eternizar nos braços de um amor. Ana não pensava, sentia. Captava a emanação do mundo. E entristecia.
Aqueles passos lentos e ardidos do início de 2006 sopravam-lhe a necessidade de se morrer. De se “inconscientizar” integralmente do mundo. Ana estava à mercê de um sofrimento sem remetente. Sofrimento anônimo e potente, destruidor feito um sopro de gente naquela plantinha que Deus fez para fazer um contato lúdico com as criancinhas.
Por que a Vida insiste em tantas vidas frígidas? Vaidades de manter a estética ereta? E dissimular a morte? Mas a mutilação é íntegra. Não há o que tapear. Ana fincava suas esperanças na Morte. Porque a Vida era-lhe pesada demais. E sua alma tem potência de um etíope.

27 de abril de 2006

As garçonetes que sabotaram meus jardins

Naquele sábado, decidi violentar a insipidez que estava vigente. A idéia de sair para extravasar chegou a mim como o efeito da anilina desvirginando a transparência da água. Abri o guarda-roupa para escolher uma estética que condissesse com meu âmago. Separei uma indumentária toda preta e uma gola branca "estilo década de 30" para fazer cintilar ainda mais a escuridão epidérmica. Respeitando o duo da minha existência, não pude deixar meu cerne à mercê da nudez: vesti-o de coragem. Afinal, demando coragem quando opto por sair sozinha.
Em meio ao carrossel de lugares - os quais se esbanjaram à mente - elegi um bar alternativo da cidade para, junto à noite, me esparramar. Meus incipientes momentos no lugar foram sublinhados por minha vassalagem à música: dancei até ficar anêmica. Subitamente, surgiu um indivíduo que se inclinou a mim. Foi um genuíno repentista. Atiçou, com suas palavras - que vinham de um túnel suave e macio - minha ilusão e minha fascinação. Sucumbi e o beijei. O sindicato da volúpia, instantaneamente, fez império em minha linfa.
Jamais pensei que aquela noite pudesse surtir tanto efeito.
O rapaz que rompeu minha solidão noturna era a pretensão máxima das garçonetes daquele pub. Elas, usando como bengala as próprias aspirações, sabotaram a fluidez de meus jardins intrínsecos. Impediram que eu cultivasse as flores - verbos intempestivos, que delineavam a fé em nova paixão. As mocinhas invalidaram meus instrumentos de jardinagem e carregaram a matéria viva que incumbia meus solos da vida. Fiquei sem jardim; com terras paradas.

25 de abril de 2006

Censura

O corpo todo de Jaqueline a impede de compreender. A censura, como não poderia deixar de ser, é-lhe outorgada.
Jaque está perante um pronunciamento em alemão. E a menina mal se comporta despudorada diante da Língua Portuguesa. Ela tropeça no Português. Ela faz-lhe curativos.
Há tanta inexpressão esparramada entre os mesmos objetos vitais. Por causa de elaborações distintas de vocabulários. O batismo de tudo é tão horizonte sobre mar e, por isso, Jaque sentiu-se ignorante e frustrada.

23 de abril de 2006

Linguagem

Cecília anda absorta. Seus pensamentos não têm como causa uma circunstância qualquer. Seus pensamentos demandam viagens inertes à arqueologia. Cecília reflete acerca dos próprios pensamentos; estes lhe vêm com o motor das palavras. Cecília imagina o ato do pensar segregado das palavras. Quanta estranheza. “Pensar” poderia ser compreendido pelo som? Mas até o som sucumbe: culmina num pensamento codificado por palavras.
Cecília organiza suas tendências de arqueólogo. Delineia a condição do homem apartada da linguagem. Surge-lhe um desespero artificial. Que clausura mórbida seria ficar sob a inexpressão... Sentimentos emaranhados de todas as estirpes de estranheza e a consciência disso seria vida próspera da Perturbação.
Ela imagina o Tempo em que a linguagem era um território inimaginável. Como eram compreendidas as pretensões? Mudez do mutirão de vidas humanas. O homem elaborou uma vida coadjuvante à Vida. Por isso, diagnostica-se o Amor. Ainda que não se lhe saiba a origem.

21 de abril de 2006

O nome dele é José

Agora expandi o número de oferendas a possíveis visitas. Ganhei um passarinho. Ele já veio com - além da casa que lhe é inerente - a casa que as destrezas humanas elegeram como morada dos passarinhos: uma linda e simples gaiola.
Quando vierem à minha casa, apresentá-lo-ei e falarei sobre a condição tão tênue a que aquele montinho de vida está submetido. Começarei falando seu nome: pensei primeiramente em Ary, em Rui, mas, por um súbito do papai - que me sugeriu "José" - fiquei com este. Meu ouvido entrosou-se com a porção exígua de felicidade: casaram-se.
José promete me aliviar nos dias em que descuido e sucumbo à primeira promessa da Tristeza. José é um Messias. José é o progresso nítido do meu templo vivo. Ah, José, você é minha mais nova tentativa. Você, que é uma linda e inconsciente mensagem do Mundo, veio em direção à minha casa. E esta ganhou aura nova com essa responsabilidade de que te incumbiram: a responsabilidade de, de repente, ser vôo, ser o apetite, ser partituras infalíveis.
Seremos felizes José? Estou transferindo a você um pouco dessas minhas bocas - destas que nunca se quietam. Estou tão ignorante como você. Sou tão alienada quanto a sua estética. Somos um mesmo projeto de vida. Só que nossos equipamentos de sobrevivência têm formas diferentes.
Quanto tempo durará sua pena, José?

13 de abril de 2006

Profissão

Um uníssono travado, sem a flexibilidade da espontaneidade. Sensação artificialmente homogeneizada. Ao telefone, Elisa entrevista publicitários com memórias infalíveis: há um ritual diário para aprimorar as memórias; lustram-lhes as dependências... Resposta inicial: exploram-se novos territórios da língua... As próximas respostas são os obsoletos rituais de Igrejas mortas, mas eretas insistindo no mais supérfluo da Vida.
-(Elisa liga para uma agência de publicidade) Alô.
- (Elisa) Por favor, eu queria que você me concedesse duas breves respostas a duas breves perguntas, pode?
- (voz masculina lhe responde ao telefone) Posso sim.
Um grande monólogo aproxima-se, com passos potentes, do ouvido de Elisa. Verbetes que caracterizam uma estirpe de profissionais: “público mais segmentado”, “formatados”, “em nível de”. Indumentárias de gerações passadas; verbetes deste Pós-Moderno. Elisa banha-se com as próprias fontes de águas gélidas... Ser um profissional é um desempenho à parte. Não há o sentimento do “nós” entre a alma e as aptidões.
A menina está desiludida; por mais que saiba que os gritos dos arremates é que culminam em ecos ovacionáveis, encarapuçou-se da consistência dos peregrinos do intrínseco. Mas sucumbiu: viu o mundo cru; e a língua o rejeitou. Mais um arquivo à língua de Elisa.

Pênis e Vagina

Minha essência condiz com o artesanato feminino. Porque a vagina é discreta, "low profile"... Diferentemente do pênis que é uma eterna criança que demanda a censura de uma cueca com elásticos.

11 de abril de 2006

Seja Breve

Neste Universo apelidado de "Pós Moderno", onde a Natureza Digital traveste-se de Deus, O governo é a Praticidade: seja prático para comer: vá a um "fast-food"; seja prático para saciar a sua libido: não perca tempo com envolvimentos arriscados, masturbe-se com vibradores velozes, de alta tecnologia; seja prático com os amigos, não os convide para sair ao final de semana... Mande-lhes mensagens já prontas e breves: "Eu t amo", "I love u", "Vc e especial".
Não sei o quanto ainda irei suportar. Porque o que vem de dentro para fora demanda veludo, indústria próspera de veludo. E esta nitidez do "fora para dentro" me acaba. Todo o entretenimento desta alma é censurado pelo limite dos meus cômodos. O meu maior desejo é o orgasmo entre a alma e a imensa delicadeza dos céus. Idealizo-me em uma roda repleta de yogues e, subitamente, eu me elevo ao Nada... À genuína e justa habitação do ser.
Neste Universo de máquinas e bônus de gentes é interessantíssimo ser breve ao telefone, nas saudações, nas intimidades, na Vida, enfim: seja um homem-bomba! Toda a dedicação do Grande Mágico é desafiada e abatida pela própria vida. Como diria Drummond: a vida negando a vida.
Não sei se esta é a melhor saída para uma rivalidade tão potente entre corpo e alma.

4 de abril de 2006

Celular

A vida coadjuvante da Vida: tec.no.lo.gi.a
Novos formatos de Chaplin em bolsos, bolsas
Carros, mesas... Nas vitrines à espera do público.

Celulares são mímicas das destrezas humanas
São sentimentos travestidos de natureza digital,
São porções sem fôlego, mas infalíveis, de cérebro,
São partituras decoradas e perfeitas.

Chego a pensar que minha língua está frígida
Mas NÃO!
São as tecnologias inibindo a Vida.