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30 de agosto de 2007

À base de Caio Fernando Abreu

Já não se atreve ir a livrarias. Porque o diálogo com a balconista é presumidamente anti-poético. Senhora, esta obra por que procura só chega daqui a mais ou menos quinze dias, desde que a senhora faça-nos a encomenda e deixe-nos um sinal, em dinheiro, de, no mínimo, vinte por cento do valor integral do livro.
Uma vez que nunca houve problema em contemporizar, Nilza logo se entusiasmou em comprar mercadorias, inclusive livros, pelos comércios virtuais. No início, recorria a computadores de filhos de amigas, mas não tardou a adquirir a própria mente futurista e aprender como lidar com ela. Em menos de quatro meses, já tinha bastante intimidade com o advento.
O momento de vanguarda que lhe assolava a vida àquele instante fê-la repensar a Literatura com que se habituara: clássicos. De si a si: é preciso transgredir, Nilzinha. Sua solidão, sua solteirice estão cansadas da companhia do Português formal das obras consagradas, ilustres. Aproveite que a hora é de inovação e escolha um livro que condiga com esse momento. Será uma parceria, um traquejo e uma impressão novos. Invista! Não hesitou.
Sob a habilidade das caravelas pós-modernas, rapidamente estabeleceu o download da biografia de um tal Caio Fernando Abreu. Encharcada de uma experiência careca de Poesia, sentiu que o rapaz delatava o mal que punge a condição humana desde sua inauguração. Ah! A Poética vem com o mesmo discurso sempre, mas com dicções singulares. Como eu gosto de enxergar a diferença das dicções.
Chega-lhe o livro, à porta de casa. Os passos idosos, embora espertos. O carteiro sigilosamente impaciente, embora dócil, postiçamente dócil. Altruísmo artificial, mas altruísmo. Nilza dá-lhe uma gorjeta (atitude démodé). O altruísmo é promovido à naturalidade. As outras encomendas são trazidas por ele.
Há todo um ritual pré-leitura. Copo de água ladeando uma luminária excessivamente destra, telefone fora do gancho, reclusão, ajuste na cadeira giratória, para que a coluna não se manifeste em plena viagem intelectual. A senhorinha perscruta a capa do livro com a lupa inerente à mente dela: ao título, desenvolve um estudo que rende páginas de um caderno destinado às próprias transcendências; o desenho... sente-se útil ao vê-lo.
Muito o que pensar. Pouco antes de sucumbir ao sono: quem passa por essa peregrinação da vida deixa um acervo de impressão. É tanta impressão sem consistência, sem saber se é mentira ou verdade. Fico tão impressionada...

Um comentário:

FlávialeitE disse...

incrível,
geralmente isso não acontece,
mas fique bem querendo saber o fim da história.