Total de visualizações de página

18 de janeiro de 2008

Complexo de Cinderela


Depois de ter tido manifestações curiosas – durante a infância – perante as muitas encarnações da Vida, crescido com muitas objeções a vários paradigmas inexoráveis e sucumbido a uma graduação tradicional, a de odontologia, Margarida abriu um comércio de produtos sofisticados para casa e especialmente para toucador.
Exerceu, menos por vocação e mais pela ganância quase natural de que os homens se tornaram reféns com o correr dos tempos, das carecas incipientes e das banguelices dos impúberes, o status de dentista. Enriqueceu. E agora vive para sustentar simples e exclusivamente o prazer. Lida com gente elitizada financeira e intelectualmente. Veste-se bem à beça. Faz tratamentos estéticos. Come em restaurantes que ainda zelam pela privacidade de cada mesa. Namora. Dirige tranqüilamente, em qualquer tipo de itinerário. Aborda a própria vida como se tivesse – cada episódio – um acabamento primoroso. Articula, com delicadeza do tear da aranha, palavra por palavra.
O histórico de Margarida, cada aparição dela – pela manhã, ao entardecer, nos eventos sociais do alto escalão – contemporizaria com sucesso ao extraordinário e, portanto, às mídias. Margarida é uma utopia encarnada. É o personagem ideal para os romances vendáveis.
Ao divã, durante a catarse, diagnostica-se um estado de nervo mantido por tarjas-pretas. Margarida sempre se esforçou com o canteiro exímio da reputação dela, sempre quis um efeito plástico impecável. Impecável é tudo que se desconhece. Se se foi materializado, pecou-se. Viver é a celebração-mor do pecado.

Nenhum comentário: