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3 de dezembro de 2007

Doutô


Saíra de uma cidade mineira embaçada pelas civilizações mais possantes da região para consultar com o doutô. Quem lhe atendeu, no entanto, foi uma doutora. Bonita à beça, todavia, sem o menor traquejo e magra de psicologia.
Mariinha hesitava inclusive perante uma cadeira esculachada, típica das instalações dos serviços públicos brasileiros. Constrangeu-se toda, acomodou-se com as sacolas com que chegara ali e ocupou o menor espaço possível. As extremidades do corpo estavam geladas. Ai, meu Deus, quando me chamarem, o que é que eu vou falar? Mariinha estava diante da situação porque o patrão – dono da fazenda onde ela trabalha e mora – preocupou-se com a saúde da empregada, devido a um desmaio súbito que a acometera.
Com uma goma na boca, uma calça branca demasiado justa e uma blusa branca tomara que cara e um sapato branco com salto em madeira e altitude não-investigável: quem é Maria Arminda Guilherme? Está na sua vez. Antes que se pusesse à cadeira do consultório, a médica: qual que é o seu problema? Àquele instante, indubitavelmente, seria a pressão, elevadíssima, afinal, o nervosismo imperava a senhorinha. Tropeçando no vocabulário – com o qual não tinha muita intimidade – Mariinha disse à doutora:
O Celso ficô afRito quando soube dos meu desmaio.
A médica:
P
eraí, minha senhora, quem é Celso? Por que motivo a senhora desmaiou? Queda de pressão? Emoção? Susto? Eu não sou adivinha, sou profissional da saúde.
Sobrancelha voluntariamente empinada... Fragrância de soberba.
Mariinha:
O patrão lá da fazenda onde eu trabaio ficô sabendo dos meus desmaio. Eu não sei os motivo dos desmaio. Ele falô preu procurá um hospital.
A profissional da saúde usou como instrumento de investigação da condição física da mulher os adventos – já destruídos por maus tratos – da Tecnologia.
Que estúpida atitude a dos médicos em regra, que monossilábicos que são, recorrem a aparelhos inventados pela mesquinhez intelectual a que o Homem está submetido. Uma boa prosa pode detectar as panes no organismo humano.
Operou com cabotinismo as máquinas medidoras de saúde e nada diagnosticou em dona Mariinha.
A senhora está dispensada.
A situação por que passara alterou a química da doninha. Algum trabalho metafísico a tragou e ela não mais voltou à fazenda.

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