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26 de março de 2010

O amor e o oculto

por carolina fellet

Senhor Otavinho vive na roça desde que nasceu. De tanto observar os fenômenos vindos da Natureza, acredita num mundo feito de intenções extrapoladas. Ou as pétalas das flores são, por conta própria, pétalas? Ou os sentidos humanos são essencialmente autônomos? Não, não pode ser assim.
Toda manhã, no momento em que vai tratar das vacas que possui, Otavinho fica-lhes admirando aquela forma de existência grande e serena. Já que mora sozinho, não por solidão, mas pelo excesso de vida interior que o consome, discursa aos céus: essas vaquinhas só podem ser produto do Amor.
Uma vez por semana, o senhorzinho vai à cidade vender leite, queijo e ovos que a roça lhe rende. Nessas idas, ele conversa ressabiadamente com o povo da civilização, sente o fôlego de tudo que está sujeito ao movimento urbano e sempre volta para casa pensativo. Que variedade de vida.
Filho único de pai e mãe sem estudos, envergonhado por nascença, Vinho – como é conhecido na redondeza – nunca teve namorada. Deixou latente, portanto, a vastidão de vontades – e respectivas realizações – que muitos chamam de amor.
Provavelmente para compensar essa latência, Otavinho se afiou na ciência de vislumbrar sentimento em tudo. Aliás, em quase tudo: só atribui sensibilidade às coisas que emanam do Divino. Dedica-se horas à apreciação de uma ameixeira. Ao contato dos pés com a grama umedecida pelo orvalho. Aos conflitos com o próprio ego. E depois repousa tão profundamente... Presente do Cosmo.
O amor é o oculto.


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