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14 de fevereiro de 2008

Lanche





São treze cômodos generosos a casa.
Nice ficou órfã de pai e de mãe aos vinte anos, e lhes herdara a fazenda onde ainda mora com quatro empregados. Desenvolveu, quase que por insistência do Destino, uma afeição às flores, à aprendizagem de idiomas, ao exercício do Budismo e à gastronomia. Se não fosse isso, a vida estaria à mercê das sabotagens do tempo, que são o próprio tempo. O que é o Tempo, senão, o crime perfeito das rugas, das podridões, da volúpia, da impotência?
Nice deu à luz uma habilidade típica dos poetas ou de quem exercita alguma arte: ela pensa a sombra de tudo que possui uma existência evidente. Há umas semanas, ela arriscou preparar uma iguaria que aprendera em um livro requintado de receitas, pôs-se à bancada da cozinha – sozinha – e comia.
Enquanto, no diálogo, o pensamento do interlocutor e o do emissor desenvolvem um acordo mútuo, a solidão se perde no caos das próprias vozes.
O pacote de biscoito está aberto. Dentro de pouco tempo, as bolachas estarão totalmente murchas. Daí,surgirão os físicos para explicar por que acontece isso. Batizarão os fenômenos metafísicos de substância X, que é formada a partir de substância Y e ficarão sisudos por burocratizar o inexorável.
Os fantasmas se estendem ao saco de biscoito, às dúvidas de Nice e à incapacidade de dizer de quem ousa escrever qualquer bobagem, desenhar qualquer bobagem.

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