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16 de setembro de 2006

Justa causa

Maria Vitória exalava e farejava amores em mesmas proporções. Provavelmente, vitimada pelos bailes a que a Eternidade costuma ir, a quantidade de amor que vomita, numa espécie de asfixia, será mais possante que a demanda de amor. Ficará solitária a rir e a chorar e a sentir e a morrer com os efeitos que a solidão pode lhe trazer.
Ela é muito jovem para tatear, com consistências peculiares, cada posição com que a vida se apresenta.
Fotografou um João de Barro humano. Ele, em meio à civilização já acomodada pelos acabamentos das casas prontas a futuras e futuras gerações, está fazendo um enxerto nas imediações. Exatamente como o passarinho age, o pedreiro embebeda-se da incumbência. Numa habilidade invejável, sob um físico cuja anatomia entende-se com os esforços, ele martela, enfileira os tijolos, mexe e remexe uma tina onde fica o cimento. O sol é seu grande vigia. O suor talvez seja o grande protesto.
Acordara cedinho. Bem disposta. Calmamente, cedeu eletricidade a todo corpo. Primeiro, como de costume, relaxou a mente inteira e, à mercê de efeitos de sons suaves, relaxou com consciência o corpo inteiro. Levantou-se da cama. O mundo novamente se lhe inaugurava.
Bom dia à empregada. Bom dia à mãe. Bom dia ao irmão. Bom dia à irmã. Bom dia ao pai. Saudações inconscientes ao céu, ao sol, ao ar, às galinhas, à tartaruga, às plantas. Paulatinamente, o dia foi se eriçando. Os nervos, idem. A tarde culminou em gastura de existência... Por isso, ela planejou catar tesouros aleatórios da vida. Avistou um monte de oportunidade.
Vida a que o homem se propõe.
Carros se juntando em populações.
Mendiga com as arcadas dentárias em ruínas.
Cão sem dono lambendo o rosto de um homem que, humilde e ingenuamente, é devoto do Tempo. Cão e homem sem aconchego. Plenos de desamores. Fartos, talvez, de amores gratuitos a panfletar.
Desencadeou-lhe sentimento. O sentimento despido. O sentimento com que mais se convive. Não o sentimento instantâneo e fugaz de uma temporada bacana em um momento improvisado da vida. O sentimento que se constituiu a Maria Vitória é a melancolia que acentua o Amor. O Amor e todos os seus anexos.

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