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14 de setembro de 2006

O pão nosso de cada dia

(Fatia dedicada a Nelson Rodrigues)

Mateus. Quarenta e seis anos. Herdeiro da padaria que seu pai – Seu Ubiratan – português radicado no Brasil desde 1968 - com muito esforço, construiu em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Luce. Vinte e um anos. Escritora incipiente. Estudante. Filha de joalheiro.
A trajetória estipulada pela conveniência do dia-a-dia é uma ficção que desvia sua cobiçada proposta nos momentos de estréia. Os sentidos não delatam o apetite que deveras lhes chega. Os sentidos se contraem conscientemente. Mostrar-se é arriscado. Talvez, humanamente fatal. Nada disso oscila a serenidade que abriga as verdades de Luce.
A garota costuma ir à padaria lanchar. Além de suas salivas mudarem de discurso, os sentidos que promovem felicidadezinhas ao orgânico se eriçam. Mateus faz cócegas – involuntariamente – nas oscilações de encantamento que ela detém. Há flutuantes e instantâneos sentimentos de interseção entre o padeiro e a jovem.
A fornada que o trouxe ao Mundo precipitou-se. Ele, afinal, apesar de gozar do mesmo impulso que me mantém, não me é tão acessível, uma vez que já se casou, já se encolheu nos ostentosos disfarces da monogamia, tornou-se precocemente avô.
Por esses motivos, não pode ser devoto de si mesmo. Demanda fraudar o próprio faro. Vive sob a identidade clandestina de ser uma ingratidão ao tesouro que lhe bafora o inconsciente diariamente.
O pão nosso de cada dia alimenta a carência orgânica, a carência elétrica, a carência-vigília de qualquer solidão.

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