Total de visualizações de página

26 de maio de 2007

Oração

Sofro pelos velhos que entram pela porta da frente do ônibus e transportam suas mãos calejadas pelo próprio tempo e pela abreviação da velhice a que a miséria os induz. Os velhos pobres chegam às casas e pisam um chão cuja temperatura é extremamente soberba: está sempre gelado. Comem um cardápio tão repetitivo que os sentidos já perderam a dedicação. Dormem aos trapos. Sentem um frio inumano no inverno e lembram-se do país tropical que é o Brasil durante o verão: todas as espécies bem pequenas e aladas surgem-lhes a atormentar. Mosquitada. As diversões. Um câncer maligno me penetra, quando penso na forma como a pobreza extravasa. Não lêem livros, dependem da coreografia dos ventos para conseguir ouvir um funk de baixo calão que vem do Norte, lá do Norte. Saem, somente quando a Prefeitura lhes faz oferendas, às vésperas das eleições. E vivem. E sorriem um sorriso careca. Falam alto dos problemas que estão à parte do próprio baita problema de nascença. E dão continuidade à Vida: um cacho de filhos... Bem contemporâneos eles. Nove meses, nasceu. Quarentena. Próximos nove meses, casulo. Depois, mais um nascimento. E enche e murcha, enche e murcha. Mais um, mais um, mais um.
Sofro pelas madames e pelas promessas a madames que se enclausuram – ainda que em público – por detrás da película preta que apaga quem segue dentro de um carro. Elas são blush, indumentária inédita todos os dias, celulares de memórias infalíveis, celulares pós – graduados na USP, capas de celulares da Victor Hugo e compras e crediário e namorado pilantra, mas gostoso pra caramba. Elas chegam a suas casas e, assustadas com a presença da solidão, pegam a agenda e ligam a todas as amigas que podem render algum papinho inconsistente, ou uma extravasada alopata. O que serão depois de um banho? Sem a casa humana emperiquitada com cordões e maquiagens e roupas caras? Com a face lisa, isenta de qualquer apelo à perfeição? Serão sofridas? Serão suicidas em potencial? Tenho muita pena das madames, das patricinhas, das riquinhas que oram ao consumismo-em-prol-do-bem-estar.

Nenhum comentário: