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19 de julho de 2006

Farsante

Lílian completara anos. O dia não fora suave, alegre, como, geralmente, a biruta de quem festeja a vida se comporta. A garota, que acabara de fazer vinte e um anos, lembrou-se, no tapete desenrolado do dia inteiro, do seu tio que morrera havia três meses. Ele era o primeiro a lhe ligar, fazendo alterações na voz para tentar, sem sucesso, enganá-la. Os pontos do dia eram doloridos, longos, incontáveis.
Tristeza não tem fim. Acordara cedo e a eternidade que compõe cada dia estava munida de estiletes afiados e atuantes. Ganhara presentes. Não sentira nada. Perdera a empolgação de criança; da criança que se eriça perante um embrulho farto, com fitilho. Acomodou os presentes com a insipidez que lhe era o governo.
O céu, em sua coreografia infalível, encolheu-se... Apartou-nos do Mundo e a noite fez-se; estendida a todas as consciências deste pedaço de continente. Algumas estrelas se emperiquitaram e mostraram as caras. A lua, como não poderia deixar de ser, estava belíssima. Qualquer moda da Lua é bela.
A noite desvirginava Lílian. A campainha tocara...
Um motoboy ninava um embrulho. Provavelmente era um presente de uma tia velha, uma lembrança de uma amiga.
(motoboy): - Uma entrega para Lílian.
(aniversariante): - Sou eu mesma.
Lílian descera as escadas que a levavam às beiras da calçada. Sorria meio constrangida. Passaram-se uns trinta segundos – tempo necessário para a moça entrosar-se com a fechadura do portão. Num súbito, Vivian, Roberta, Rodolfo e Robson - o suposto motoboy - apelaram a uma potente clave de sol e entoaram um “Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...”. A mocinha paralisara-se como quem vê uma anomalia qualquer da Natureza. Nunca haviam surpreendido-a daquela forma tão extraordinária. Era de costume, na data de seu nascimento, pessoas com quem ela não tinha grandes afinidades visitarem-na. Comprometimento com as burocracias. Cartões com dizeres denotativos, clichês sem tintas de batom do âmago.
Ficara enormemente feliz. Como há muito não ficara. Sentiu-se plena. Deusa onipresente. Festejara sua carne delgada e seu cerne maciço, farto. Regozijou. Pingos, pingos, pingos românticos de felicidade. De repente, o orgasmo da Felicidade; da genuína Felicidade.
...
Era uma terça-feira. Os farsantes; a máfia que armou o esquema de surpresas estava cansada. Haviam trabalhado no ínterim do dia. Foram-se a suas casas nos incipientes momentos da grande noite. Por volta das dez e meia.
Como arremate de um lindo embrulho de contos de fadas, Lílian recebera, quando os ponteiros quase fisgavam a meia noite, Felipe – carinha com quem estava mantendo um macio e promissor novelo. Entregaram-se a diálogos salutares às salivas e às essências e bebericaram diversas alterações no medidor de intensidade de libidos.
Verdadeiro final feliz. Ainda que pela eternidade de um dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do jeito como escreves

mesmo!!

vou add no meu

beijux