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13 de maio de 2006

Inutilidades: anticorpos ao tédio de se existir

Depois de muito perscrutar-se, Anne enveredou a caminhos de masoquismo supremo. Os sentimentos que lhe eram inerentes desempenhavam uma notoriedade exageradamente maior do que o orgânico que, aos poucos, vai se auto devorando. A Vida negando a Vida. Os objetos passaram a ser envoltos por uma aura de sensibilidade – hegemônica. Cada traço vital afetava o túnel de Anne. E as lágrimas disponibilizadas a ela pelo Cosmos eram infindáveis. Todos os dias havia uma circunstância (às vezes banal, às vezes mais consistente) que lhe trazia crua uma tristeza sem pistas. Tristezas consolidando-se na potência e fraqueza que as lágrimas causam.
Procurou tratamentos... Homeopatia, Ioga, Divã, Desabrochando à mamãe, isto, isso, aquilo... Alopatia. Apoiou-se na tão repugnante alopatia. Nos vícios, nas drogas que são essas cocaínas travestidas de tarjas-pretas. Mas está melhor... Tem feito jus ao status de transeunte que lhe fora fadado. Passa. Vê. Diverte-se com um tropeço de uma vida despreparada para a Vida. Acha puro tropeçar, trocar os nomes, esquecer o trivial da lista de compras. Anne está em processo de ressurreição.
Saiu à rua com sua irmã Paula e ambas foram às compras... Ambas obtiveram orgasmos com as compras. Mas o parceiro depois se dilui num outro pensamento qualquer. Vida natural e Vida artificial não têm final feliz. A cópula é muito rápida. A cópula é impessoal demais para surtir ecos. Anne ainda não se entrosou com as máquinas. A espontaneidade com uma secretária eletrônica é-lhe quase inviável. Ela sente-se perante uma rocha frouxa. E esta é a única mão que a impede (Anne) de quedar e culminar no último suspiro do Fatal. O pulso aciona a quinta marcha, o coração ocorre-lhe como sessões exaustivas de sexo.
Talvez, a futilidade incessante salvasse Anne das próprias intempéries. Mas depois de engolir cada vida inanimada, ela cai, ela cai de cara... A face da alma fica mutilada. E a cura de ferimentos do cerne é infinitamente mais lenta que a cura do artesanato. Há muito enxerto disponível no Nada.

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