Total de visualizações de página

27 de junho de 2006

Primitivismo

Por que a prepotência da Vida a fisgou? Pô-la como espécie humana, a se arriscar em violências íntimas? Assim tem sido. Há vinte e um anos. E só agora Clara descobriu o quão ríspido é disputar os ares.
À mercê do comum. Do que eriça tristemente as epidermes desmedidas da população interiorana. Um legítimo sarcasmo lhe é mais digerível que um menosprezo frio e intelectualmente aceitável.
Percebeu, de acordo com seu processo de maturação, que os incompetentes desdenham de outrem em prol de um anel de ouro dezoito quilates ao tão abominável ego. Ter ego e diariamente demandar a lida com o bichinho camaleão é-lhe algo maçante.
Envolve-se com seus congêneres por pureza, por acreditar que a dissonância entre os espectros vivos e os sinais da carne é evidente. Esparrama-se nas dentaduras. E mastigam-na, sem grandes esforços, até reduzi-la à péssima sensação da perplexidade. Esta lhe causa descontrole corpóreo, inquietude da alma.
A Candura e a Bondade e a Autenticidade eram suas máximas. É óbvio que, perante a condição humana, diamante ela não era... Mas sua espontaneidade aromatizava a ambiência com um bem-estar enorme.
Maurício, amigo por quem Clara tem grande admiração, desnuda-se amiúde a ela. Mostra-lhe as arcadas potentes. Mostra-lhe o silêncio anárquico. Mostra-lhe que as ficções têm remetentes somente nela. E é assim que é: o bom é depositar empenhos e liberdades limitadas no inanimado ou naquilo que não se aproveitou de quem não mais compete com o Tempo. Que saudade do meu tio Walter, com seus radicalismos engraçados, com seu capricho explícito com a vida. Que saudade do que me é agora utopia. Mas, Maurício apenas bafora seus hálitos de ervas de origens desconhecidas. A Natureza o colocou em cesto de razão... Mas não o fixou à humildade do dessaber. Racionalizar pode ser nocivo a certas carnes. Nada tem as próprias bússolas... E, dependendo da musicalidade do expressar-se, dependendo da escolha do carnaval, desmorona-se o mundo de Clara.
Volta para a casa com uma goma de mascar. Decepção. Preço de banana. Em qualquer canto de qualquer amontoado se consegue essa goma. E no momento em que a língua torna o sabor insípido, a relação fica frígida, alegórica, dinâmica, embora paralítica. Conclui-se que a grande companheira da vida é a Solidão.
A onipotência nos enfia o Mundo goela abaixo. E, hesitante, nossa ampulheta se consome... Erra o círculo. Passa com sofrimento a outras partes a viver. A providência ousa com o outro, porque não se arrisca. Para pôr a própria pele em estiletes é necessário insanidade. Esta é interessante a se observar. Grande laboratório. Depois, chega-se a hora de materiais recentes serem degustados.
Baralho de solidões.

Nenhum comentário: