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19 de junho de 2006

Fotografias

A morte está estendida sobre esta mesa onde meus lamentos se consolidam na forma lingüística; na forma dos desenhos que equivalem a barulhos, sentimentos, momentos, multidões, solidões. Resolvo meus compromissos e volto a pé. Os pés – postiçamente – entrosam-se com as calçadas irregulares, com o asfalto mal acabado.
Paro aos arredores da área destinada à parada de ônibus. Observo, perscruto os fôlegos marítimos; invado as lojas com os olhos vivos; penso nas solidões alheias... Penso o Mundo segmentado em cada coisa que demanda as muletas cósmicas para deslizar nos terrenos que compõem a miscelânea das vidas naturais e artificiais. Imiscíveis. Miscíveis. Promíscuas. Pudicas.
Segunda-feira, legítimo motivo a depressões... Tento abster-me dos conteúdos do calendário... Tentativa vã. Os redemoinhos dos compromissos me engolem e eu morro... Privo-me do fundo e, obrigatoriamente, elevo-me à exposição da cara, da raquítica coragem de se viver em meio à civilização.
Também me encharco de martírio quando me submeto à vida primitiva... Vasculho-me e acho somente um pote vazio, empoeirado, à mercê. Solitário, inútil, alegórico e triste, muito triste. É quase a piedade perante o inanimado. O problema é a consciência disso.
As fotografias estão espalhadas sobre a mesa do computador, estão misturadas a controles remotos, a papéis com gigantes bilhetes de pendências burocratas, a CDs, a copos d´água, a estatuetazinhas que compõem a estética tonta do mogno bem arrematado.
Vovô está um senhor ativo, limpando a piscina do antigo sítio que nunca me fez bem. Sentia mal de âmago quando bem pequena, quando era domingo e decidíamos ir à granja. Não sei por quê... E, à medida que o dia se recolhia em noite, agigantava-se a sensação horrorosa de não sei o quê que me exprimia e me reduzia à única sensação de sofrimento. A posição congelada das fotos sempre me remete à posição involuntariamente inerte dos defuntos. Fotos são os nossos momentos de mortes súbitas.
As outras duas fotos que, com pedantismo, entraram por minha ótica e me surtiram efeitos nostálgicos são dos meus irmãos e dos meus priminhos ainda bacuris. Ainda lhes havia pouco orgânico; ainda não lhes havia bússolas inteligíveis. Ainda não me há. Mas, minhas pegadas seguem majoritariamente um rumo de sombras e calafrios. Rumo que me arrepia, que me faz de pesquisa do cume a que o ser humano pode chegar estando bem ou mal ou péssimo.

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