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7 de junho de 2006

Banditismo

Bandido é mau, muito mau. Bandido é destemido... Extirpa carne e traveste-se de
Cosmos promovendo tristezas instantâneas e simultâneas em endereços humanos. Bandido mata e o funeral dos vigores silenciados por mãos genéricas do Grande Poderoso é um possante martírio; enorme estilete curioso pelos componentes da alma. Bandido mata. Mas os ecos do assassinato se estendem às vidas encaixadas ao defunto: as almas dos que restaram ao Mundo murcham e sucumbem. O orgânico, toda a perfeição e enganosa potência que emanam de um corpo são moribundos a carregar uma nova estação. Os materiais do novo tempo são maciços, pesadíssimos. Nesse momento não se pode contar com a alma. A alma usa das vestes da desalma. E o corpo, coitado do corpo, não tem bússolas. Está atônito. Está em total eletricidade. Cada poro se rebela, demanda notoriedade. Cada poro está carente... Faz tempo que eu não me lembro de meus poros.
Mortes, genocídios, armas em cabeças sem nomes, tudo é matéria humana, tudo é homogêneo em horas de violência. Violência. Muita violência no Brasil, nos Estados Unidos, nas Américas. Na Europa, protestos – despropósitos. Protestos ao excesso de luxo. Abster-se de um pouco de luxo é nocivo, quase fatal. Na África, o silêncio e o estandarte que reveste os corpos são o protesto passivo. Todos os continentes têm seus gritos, seus gemidos de dor... Dores das civilizações, dores das alquimias cujo remetente são as mãos humanas. Dores. Dores para as quais existem vários paliativos, várias curas.
Quando o banditismo ataca o Mundo Interiorano, mudam-se os itinerários, constata-se a plena ilogicidade da existência. Canteiros de flores sempre dispostas a esbanjar a própria tônica: beleza. Aragens de aromas espetaculares. Aura de templos de deuses... De dois, três, quatro, incontáveis deuses a rodear um novelo macio de relações prazerosas. Relações sempre bem vindas.
Banditismo à alma estende o sofrimento do velório... Porque se morre, mas a morte fica ereta, íntegra. Sendo digerida. Inevitavelmente digerida amiúde, dia após dia. A morte da alma repercute em morte dos peregrinos amigos, pais e mães e filhos e irmãos, afins, enfim.
Por que se morre vivo? O defunto que, naturalmente, abstém-se da Vida com suas mazelas inerentes, fica vivo. Por quê? Grande Artesão de mãos foragidas, por quê? E a vida que se projeta em escala agigantada nas paredes claras da existência faz ciranda no Sofrimento. O sofrimento se apropria das terras. O sofrimento abusa do usucapião. E não existem fiscais a desviá-los dali. A solução é se rasgar com facões para despachar os posseiros.
Malditos posseiros... Mas nasceu sofrimento. Quando se nasce é preciso casa. E as casas do cardápio de sentimentos são ciganas; fisgam existências nômades e as habitam. Sem pudores; sem hesitações. O banditismo, cujo destinatário é a alma, é um musculoso ousado... Vive sob as rédeas do instinto. Fúnebre instinto.
Tinha-o como uma macia poltrona velha de quarto individual. Na qual me esparramava sem formalidades... Éramos sujeito e predicado. Éramos. Quando se morre o orgânico, ainda nos restam os ecos do que foi bom; chora-se; chora-se pela viagem de destino embaçado... Totalmente embaçado. Depois se chora com alegria das lembranças de momentos cômicos. Chora-se o corpo que se reduziu à pedra... Pedra que um dia comoveu comoções alheias. Pedra-ponto-final.
A morte orgânica é mais salutar que a morte de alma com corpo pleno de sentidos em alerta.
Banditismo. A violência sempre emperiquitou com decalques meus poros. A violência transcendente não aguça ódios, raivas, redundantes primitivismos. Mas mata o corpo abstrato sem o qual o corpo orgânico não vive.
Abaixo o Banditismo às almas.

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